AMAZÓNIA, UMA DEVASTAÇÃO PROGRAMADA

2019-08-23
Nos meses que 2019 leva até agora foram registados, por satélites, mais de 35 mil focos de incêndio na Amazónia. E documentos de uma reunião promovida no mês de Fevereiro pelo governo de Bolsonaro em Tiriós, Estado do Pará, ajudam a levantar o véu sobre a catástrofe em curso - e que esteve mais de duas semanas silenciada. Brasília entende que os projectos de defesa da Amazónia atentam contra a soberania nacional e contrapõe planos que são de verdadeira colonização humana da região, implicando a devastação das suas riquezas naturais e culturais. Culpar as organizações não-governamentais pelos incêndios em curso é apenas uma das várias tácticas previstas na estratégia predadora e fascista dos bolsonarianos.
Manuella Libardi, Desacato.info/O Lado Oculto
Documentos governamentais brasileiros filtrados pelo website Open Democracy (Democracia Aberta) revelam que Brasília pretende usar o discurso de ódio do presidente Jair Bolsonaro para isolar as minorias que vivem na região amazónica. Slides de Power Point a que o Democracia Aberta teve acesso também revelam a existência de planos para implementar projectos predatórios que poderão ter um impacto ambiental devastador.
O governo Bolsonaro tem como uma de suas prioridades colonizar e fazer habitar a região amazónica para impedir a realização de projectos multilaterais de protecção à floresta, especificamente o projecto denominado “Triplo A”*.
“Integrar a Calha Norte do rio Amazonas ao restante do território nacional, para se contrapor às pressões internacionais pela implantação do projeto denominado Triplo A. Para isso, projetar a construção da hidrelétrica do rio Trombetas e da ponte de Óbidos sobre o rio Amazonas, bem como a implementação da rodovia BR 163 até a fronteira do Suriname”, revela um slide da apresentação governamental.
Entre as tácticas citadas no mesmo documento está a de redefinir os paradigmas do indigenismo, quilombolismo** e ambientalismo através das lentes do liberalismo e do conservadorismo.
Envolvidos três ministros
O documento citado foi apresentado numa reunião em Fevereiro deste ano, quando os ministros Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) foram a Tiriós (Estado do Paraná) para discutir com líderes locais a construção de uma ponte sobre o Rio Amazonas na cidade de Óbidos, uma hidroeléctrica em Oriximiná e a extensão da estrada BR-163 até a fronteira do Suriname.

slide da apresentação governamental em Tiriós
Durante a reunião, os ministros expuseram uma apresentação PowerPoint detalhando as obras anunciadas pelo governo Bolsonaro para a região e que não deixam lugar a interpretações. Na projecção – a que Democracia Aberta teve acesso – fica claro que a colonização da região amazónica é importante para que projectos de preservação não possam ser desenvolvidos.
O slide é claro. A estratégia, antes de começar a depredação, vai acontecer através do discurso. O discurso de ódio de Bolsonaro já está a dar sinais de que o plano entrou em funcionamento. A Amazónia está em chamas. Está em chamas há três semanas e nem mesmo quem habita no Brasil sabia. Graças aos esforços de comunidades locais, com o auxílio das redes sociais, a realidade está, finalmente, a tornar-se viral.
A reacção dos internautas não é de sensacionalismo. O Brasil teve 72 mil focos de incêndio só neste ano, metade dos quais acontecem na Amazônia. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) informou que seus dados de satélite mostraram um aumento de 84% em relação ao mesmo período de 2018.
Atacar organizações não-governamentais faz parte da estratégia do governo Bolsonaro para a Amazónia. Segundo mostra outro slide da apresentação (reprodução acima), o governo afirma que existe actualmente uma campanha globalista que “relativiza a Soberania Nacional na Bacia Amazônica”, usando uma combinação de pressão internacional assim como “opressão psicológica” tanto externa como interna, que usa como armas ONG’s ambientalistas e indigenistas, além dos média, para fazer pressões diplomáticas e económicas. Essa campanha mobiliza minorias indígenas e quilombolas para agirem com o apoio de instituições públicas a nível federal, estadual e municipal. O resultado dessa campanha, conclui o texto do slide, restringe “a liberdade de ação do governo”.
“Brasil acima de tudo”
Então não é de surpreender que a resposta de Bolsonaro aos incêndios venha em forma de ataque às ONG’s. Na quarta-feira (21), Bolsonaro disse acreditar que organizações não-governamentais poderiam estar por trás dos incêndios como uma táctica de gerar atenção negativa para o seu governo.
Bolsonaro não citou nomes de ONG’s e, quando questionado se há provas para as alegações, respondeu que não existem registos escritos sobre as suspeitas. Segundo o presidente, as ONG’s podem estar a agir como retaliação pelos cortes de verbas determinados pelo seu governo. O governo cortou 40% de subsídios que eram destinados às organizações, afirmou Bolsonaro à saída do Palácio da Alvorada, quando foi questionado sobre a onda de incêndios na região.
“Então, pode estar havendo, sim, pode, não estou afirmando, ação criminosa desses ‘ongueiros’ para chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos”, afirmou Bolsonaro.
Portanto, parte da estratégia do governo para retirar efeito a essa “campanha globalista” é depreciar a importância e a voz das minorias que vivem na região, e transformá-las em inimigos. Entre as tácticas citadas no documento está a de redefinir os paradigmas do indigenismo, quilombolismo e ambientalismo através das lentes do liberalismo e conservadorismo, com base nas teorias realistas. Essas são, segundo o slide, “as novas esperanças para a Pátria, Brasil Acima de Tudo!”
* "Triplo A", ou "Corredor AAA", é uma iniciativa proposta por um ambientalista colombiano e que consistiria na formação de um grande corredor ecológico abrangendo 135 milhões de hectares de floresta tropical, dos Andes ao Atlântico, passando pela Amazónia — daí os três A da designação. O governo de Bolsonaro considera que este projecto atenta contra a soberania do Brasil
**Manifestações de cultura afro-brasileira que se desenvolvem em locais, os quilombos, onde originalmente se abrigavam os negros fugidos ainda antes da extinção da escravatura