O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

O Lado Oculto é uma publicação livre e independente. As opiniões manifestadas pelos colaboradores não vinculam os membros do Colectivo Redactorial, entidade que define a linha informativa.

Assinar

PALAVRAS PROIBIDAS: CENSURA SEM CORONÉIS

2018-09-21

Jorge Fonseca de Almeida, Economista; especial para O Lado Oculto
Vivemos numa distopia morna em que as mentes são controladas pela informação e esta por grupos de media poderosos. A crítica e a liberdade intelectual deram lugar nos meios de comunicação social à uniformidade de pensamento e à simples propaganda das teses do poder.

O pensamento, a ideologia, a análise, a crítica traduzem-se necessariamente em palavras. E cada corrente de pensamento produz o seu conjunto coerente de conceitos espelhados num vocabulário específico.

A nova censura ataca essas palavras-chave eliminando-as ou adulterando-as e, dessa forma, marginalizando ou silenciando as correntes de pensamento que se ancoram nessas palavras-conceitos.

Vejamos dois exemplos. Uma palavra eliminada, hoje impossível de ouvir na televisão, de ler num jornal ou encontrar nos principais blogues ou jornais online: PROLETARIADO.

A palavra PROLETARIADO pura e simplesmente deixou de ser dita. Foi eliminada do discurso dominante, afastada do estilo bem-falante dos professores universitários, mesmos os de ciências sociais, evitada pelos parlamentares da esquerda acomodada, expurgada de dissertações académicas, retirada das conversas formais. Deixou de existir.

E contudo … é uma palavra-conceito chave útil para a compreensão do mundo contemporâneo. Palavra carregada de esperança, de energia, de futuro, de fraternidade. Vocábulo sonoro, rico de sentidos e significados, que evoca a um tempo exploração e a libertação, a miséria e a abundância, o presente e o futuro, o dia e a noite, o sangue e a vida.
 
E contudo... Tudo o que vestimos, usamos, comemos, tudo foi feito, produzido, pelo proletariado. Eis o contrassenso: estamos proibidos de reconhecer e nomear o agente principal da vida moderna, o construtor e criador de toda a riqueza do planeta.

Uma palavra adulterada: REVOLUÇÃO. Aqui a técnica não foi a simples supressão da palavra mas a sua associação forçada a outros conteúdos e a outras significações para que se torne inofensiva, para que se torne irreconhecível.

Hoje qualquer simples mudança de aspeto de um telemóvel constitui uma revolução, um produto melhorado revolucionário, uma mudança de logotipo revolucionária, uma nova sede revolucionária. O que ontem se erguia como revolucionário passa rapidamente a obsoleto. Tudo e nada é revolucionário. Revolucionário tende a ser sinónimo de novo, de efémero, de transitório, de pouco importante, de banal.

REVOLUÇÃO, na verdade, tem outro conteúdo reunindo numa só palavra-conceito todo outro mundo de evocações: uma transformação radical e positiva da sociedade, uma explosão de alegria coletiva, o povo na rua a tomar os destinos em mãos, a realização de uma vida, de um sonho, de uma luta prolongada.

Revolucionário o ser humano que pugnava pela REVOLUÇÃO, que abdicava de muito, por vezes da própria vida, para lutar pela justiça, pelo bem maior para todos, não o designer de capas de telemóvel ou o informático que cria um novo jogo para telemóvel.

A par destes exemplos muitos mais poderíamos dar de palavras banidas e de palavras esvaziadas. O leitor que faça o seu exame e identifique essas palavras. Não se trata da natural evolução da língua, que também afasta algumas palavras e modifica outras, mas de uma ação premeditada, consciente, de censurar, de limitar, de manipular as consciências.

Não nos deixemos iludir: este assassinato das palavras tem efeitos mortais. Impede a transmissão das experiências dos mais velhos para os mais novos. Como posso falar da Revolução de Abril aos meus filhos se a mesma palavra tem conteúdos diferentes para cada um de nós. Como explicar certas ideias se as palavras que as explicitam desapareceram da nossa língua, apenas inscritas em dicionários poeirentos?

É preciso reintroduzir essas palavras no léxico corrente. Desfraldá-las ao vento como bandeiras, repeti-las sem peias, erguê-las do esquecimento, semeá-las na sociedade.

Esse é também a obrigação de um meio de comunicação livre e independente.



fechar
goto top