OS DONOS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM ESPANHA
2019-03-31
O poder dos grandes bancos sobre a comunicação social dominante distorce a democracia e avilta a realidade. Deixamos um exemplo a propósito do comportamento dos media no período pré-eleições que se vive em Espanha. Como se percebe, qualquer semelhança entre o caso espanhol e a situação noutros lugares do mundo não é pura coincidência.
Fernando López Agudín, Publico.es; adaptação O Lado Oculto
“Inquérito à Informação” foi a primeira obra publicada pelo escritor e jornalista Manuel Vázquez Montalbán, elaborada durante os anos na prisão em Lleida. Voltou a ser editada em 1963 e continua a ser hoje uma referência incontornável para analisar a situação dos meios de comunicação em Espanha. Porque a liberdade de expressão, reconhecida pelo artigo 20 da Constituição do país, continua a ser controlada pelos mesmos grandes grupos financeiros que já o faziam durante a ditadura, então através da Lei de Imprensa de Manuel Fraga (estabelecida durante o franquismo e que esteve em vigor entre 1966 e 1977). Cada vez que se recorda esta evidência, que dá razão a Orwell quando dizia que todos somos iguais mas uns (os bancos) são mais iguais que outros, as afiadas plumas de Florentino Pérez, Ana Botín e Isidre Fainé viram-se contra aqueles que defendem, nas palavras do teórico trabalhista Harold Lasky, que nenhum homem deveria posicionar-se na sociedade de modo a que as suas vantagens possam diminuir as capacidades de cidadania do vizinho.
As grandes famílias proprietárias que Vázquez Montalbán conheceu (Luca de Tena, Godó, Polanco, Asensio e Lara) foram substituídas pelos representantes das entidades financeiras; e os seus descendentes são apenas jarrões chineses bem colocados. Mesmo a Televisão Pública foi descapitalizada, proibida de entrar no mercado da publicidade, e agora é teledirigida por grupos controlados pelos grandes bancos. Onde ainda não existe directamente este controlo financeiro – nas produtoras privadas – exerce-se o controlo indirecto, através de Antena 3, TeleCinco ou La Sexta. O processo de concentração e centralização informativa alcança níveis inquietantes, sem que, por enquanto, o Parlamento decida adoptar medidas para limitá-lo, apesar dos seus muito graves efeitos políticos sobre o sistema democrático.
Os banqueiros mandam
Santander, La Caixa e o BBVA ocupam os postos decisivos nos conselhos de administração dos mais importantes meios de comunicação. Imprensa escrita, rádio, televisão, e também alguns meios digitais, estão sob controlo dos créditos, empréstimos e inclusive subvenções das entidades financeiras. Recentemente, a banca facilitou a singular entrada do Grupo Moll na editora Zeta, proprietária do diário El Periódico, de Barcelona, apesar de a oferta de compra da Mediapro ser muito mais elevada; para não falar do Grupo Prisa, beneficiário de uma substantiva ajuda para recuperar a editora Santillana. Não são critérios de rentabilidade os que determinam as decisões dos grupos financeiros sobre o futuro destes dois importantes meios de comunicação.
Desde 1982, ano em que desapareceram os dois últimos periódicos de esquerda (Triunfo y La Calle) não existiu nenhum outro meio de comunicação impresso independente dos bancos. A partir daí, tanto com diários conservadores, centristas, como ditos progressistas, vive-se e continuar-se-á vivendo, informativamente falando, sob os estereótipos informativos dos poderosos. Um único denominador comum os liga - a mesma linha editorial económica e social do ABC ao El País, reflectindo um bipartidarismo jornalístico que reproduz o bipartidarismo parlamentar. Não é casual o facto de alguns jornalistas terem dado o salto político para as candidaturas das três direitas, ou de outros tentarem ser arautos do PSOE ou do Partido Popular (PP). Esta é a expressão prática da teórica liberdade de expressão na sociedade espanhola.
Os diários da ordem estabelecida coexistem com o jornalismo de sarjeta. São estes que fazem o trabalho sujo, e que depois são promovidos às tertúlias dos meios que se autoqualificam como democratas e sociais. A longa ditadura de Franco, a opaca luta antiterrorista que se desenvolveu durante meio século – por que não se publica a lista de jornalistas que recebiam fundos reservados do Ministério do Interior? –, e a muito extensa e intensa corrupção congénita da máfia do PP geraram uma espécie de subgénero informativo de lixo policiesco patriótico, que tenta travestir-se de jornalismo de investigação. Líderes democratas são atropelados por esse camião de lixo que se passeia semanalmente pelos estúdios televisivos.
Dualidade de critérios
De acordo com esta ordem informativa, toda a informação referente ao Podemos, um partido que denuncia a brutal desigualdade informativa da sociedade espanhola, é mal ajustada e reprovada pela simples prova democrática do algodão que não engana. Basta um exemplo: se Pablo Iglesias (um dos dirigentes máximos do Podemos) tivesse despedido Iñigo Errejón (outro dirigente máximo e rival interno de Iglesias) tal como fez Pedro Sánchez (chefe do PSOE e presidente do governo), que acaba de despedir a quinta coluna de Susana Díaz do grupo parlamentar do PSOE, não há dúvidas de que seria qualificado como uma espécie de neto predilecto de Estaline. Pode parecer uma brincadeira mas, em conjunto com outras, revela que, uma vez mais, o tratamento do Podemos é mais desigual que o de outras siglas. É verdade que os problemas internos do Podemos não surgem nem são responsabilidade de quem informa, mas não justificam que sejam cozinhados com tanta má vontade pelos prestigiados chefs dos meios de comunicação, cooptados previamente pelos proprietários.
Se ainda faltasse alguma prova deste controle da banca sobre os meios de comunicação basta ver como antes, durante e certamente depois das eleições de 28 de abril todos os media defendem a coligação entre o PSOE e o Cidadãos (direita neoliberal). Ou seja, todos se posicionam, muito bem alinhados, contra a eventualidade de um governo progressista de Sanchez, líder do PSOE, que as sondagens consideram preferida pela maioria dos espanhóis e, evidentemente, pelos eleitores socialistas. Opção que, imaginem, é rechaçada pelo Santander, BBVA e La Caixa. Os mesmos, banqueiros e meios de comunicação, que contribuíram antes para defenestrar Pedro Sánchez, contribuindo para eleições antecipadas; os mesmos, banqueiros e meios de comunicação, que apoiaram Susana Díaz (pela coligação PSOE com Cidadãos) nas primárias socialistas, voltarão ao ataque se Sánchez não se ajoelhar após um novo triunfo socialista. Evidentemente, esperavam que talvez Iglesias ajudasse nesse trabalho, arremetendo contra o executivo de Sánchez, em funções de transição, o que facilitaria o caminho para um governo PSOE-Cidadãos, que é o desejo desses grupos. Mas a inteligente resposta do Podemos, mostrando não querer entrar nesse jogo, desnudou todas as vergonhas políticas e mediáticas dos que querem manipular o voto soberano do povo espanhol.