O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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CRISES E RESGATES GERAM LUCROS ASTRONÓMICOS AOS BANCOS

Banqueiros norte-americanos depondo no Congresso na altura do colapso financeiro. De então para cá registaram lucros insultuosos

2018-09-21

José Goulão, com Marta Ladesic e Public Citizen*, Nova York
Os cinco maiores bancos dos Estados Unidos tiveram lucros combinados superiores a 583 mil milhões de dólares durante os 10 anos seguintes ao colapso financeiro de 2008 que agora se completam, tirando proveito dos resgates públicos e da crise que se prolonga. Esse valor representa 3,3 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano, de acordo com um relatório publicado pela organização Public Citizen.

“Sem que os seus executivos sejam presos e mais de meio bilião de lucros depois do início da crise, os grandes bancos transformaram-se em salteadores” (vulgo banksters), declarou Robert Weissman, presidente da Public Citizen, a propósito do relatório elaborado pela organização e que assinala a década do começo do colapso.
As cinco instituições financeiras citadas no documento são o JP Morgan Chase, o Bank of America, o Citigroup, o Wells Fargo e o Goldman Sachs, sendo este considerado o que maior influência tem sobre o sistema financeiro globalizado e as instituições nacionais e internacionais – governos e bancos centrais incluídos – junto das quais os seus quadros actuam, frequentemente em situações de conflito de interesses.
O relatório conclui, a propósito, que os bancos mais responsáveis pelo colapso de 2008 através da especulação sem princípios, de fraudes e da disseminação vertiginosa de produtos financeiros tóxicos, são os mesmos que obtêm “recompensas fenomenais” com os problemas que criaram a milhões de cidadãos e milhares de empresas de todo o mundo.
Os activos conjuntos dos cinco bancos elevam-se hoje a 9,75 biliões de dólares, revela a Public Citizen apoiando-se em dados da Reserva Federal – que funciona como banco central dos Estados Unidos – e outros organismos públicos. Esta astronómica quantia equivale a mais de metade (cerca de 54%) do valor do PIB dos Estados Unidos em 2016.

De Bush e Obama a Trump

Entre os principais responsáveis por esta recompensa fabulosa às instituições e práticas que provocaram o colapso financeiro estão as Administrações do presidente republicano George W. Bush, do democrata Barack Obama e do republicano Donald Trump.
Primeiro Bush, embora já de saída, e depois Obama, em pleno, decidiram resgatar os bancos de Wall Street em dificuldades através de pelo menos 700 mil milhões de dólares retirados aos contribuintes. Essa prática correspondeu ao princípio tácito, vigente e selectivo, segundo o qual “há corporações que não podem falir”.
Os benefícios proporcionados pela Administração Trump estão associados às enormes reduções de impostos concedidas às grandes empresas e ao incremento da desregulação da economia, de acordo com a estrita ortodoxia neoliberal. A diminuição de impostos é da ordem dos 1500 milhões de dólares; a desregulamentação recentemente aprovada, decidida conjuntamente pelos democratas e os republicanos – quer sejam afectos ou não a Trump – garantirá o continuado reforço dos lucros bancários e pode mesmo tentar os gigantes financeiros a precipitar um novo colapso, segundo numerosos analistas de Wall Street.
“O controlo de Wall Street sobre o poder de Washington é dolorosamente evidente nos brindes fiscais às corporações e nos favores garantidos através de mecanismos de desregulação que o Congresso aprova de forma rotineira”, denuncia Bartlett Naylor, jurista especialista de política financeira de uma divisão da Public Citizen que monitoriza as actividades do Congresso (Congress Watch).
De acordo com uma análise publicada no diário Washington Post, grande parte dos legisladores e assistentes do Congresso que contribuíram para as decisões tomadas como resposta às consequências do colapso financeiro de 2008 encontraram depois lugares nas corporações de Wall Street. “Dez anos depois de a crise financeira ter colocado a economia dos Estados Unidos de joelhos, cerca de 30% dos legisladores e 40% dos altos funcionários que elaboraram as respostas do Congresso foram trabalhar para a indústria financeira”, escreve Jeff Stein no citado jornal.
Por outro lado, de acordo com um relatório do Urban Institute, em 2017 cerca de 40% dos cidadãos norte-americanos tiveram dificuldades em suprir necessidades básicas como habitação, alimentação ou serviços públicos. Muitos continuam a perder as casas, os empregos, as poupanças, tentando sobreviver com salários estagnados ou em queda, executando trabalhos precários e sem qualquer segurança social.

Números astronómicos

O JP Morgan Chase, de Nova York, é o banco que tirou maior proveito da crise, com lucros de 188,3 mil milhões de dólares em 10 anos e activos actuais de 2,6 biliões de dólares, que correspondem a quase 15% do PIB norte-americano de 2016.
O Bank of America não anda longe, com 82 mil milhões de dólares de lucros e 2,3 biliões de activos.
Segue-se o Citigroup, que em 2008 recebeu 326 mil milhões de dólares de resgate com dinheiro dos contribuintes depois de as suas acções terem perdido 60% do valor em apenas numa semana. Hoje soma 68,8 mil milhões de dólares de lucros em 10 anos e 1,92 biliões de activos. O Wells Fargo, de São Francisco, é o segundo mais beneficiado em lucros, com 174 mil milhões de dólares, somando 1,91 biliões de activos.
O Goldman Sachs, cujo presidente honorário se ufana de “fazer o papel de Deus na Terra”, e cujos quadros espalhados pelo mundo, incluindo dentro de governos, parecem desempenhar o papel de “apóstolos”, teve lucros de 70,2 mil milhões de dólares e possui activos no valor de 973,5 mil milhões de dólares.
Para diversificar os elementos de comparação capazes de dar uma ideia da envergadura destes valores astronómicos poderá dizer-se que os 9,7 biliões de dólares de activos agregados destas cinco corporações norte-americanas representam uma verba 7,5 vezes mais elevada que o PIB da Federação Russa em 2017 – 1,28 biliões de dólares.
Olhando para estes números não é difícil perceber a quem interessam as crises e a sua eternização; e também por que razão se fala recorrentemente em risco de colapsos financeiros. Diz-se que os gigantes financeiros “não aprendem com os erros”. Que erros? Aqueles que os governos e outras instâncias da globalização estão prontos a emendar recorrendo aos dinheiros dos contribuintes e às verbas destinadas aos serviços públicos?
Nem mais; porque, assim sendo, errar é lucrar.

*Public Citizen  é uma organização não lucrativa de juristas que actua desde 1971 em defesa dos consumidores e do interesse público junto das instâncias de poder. Tem cerca de 400 mil membros e apoiantes em todos os Estados Unidos


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