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SAMBA DA LARANJA: A "FAMÍGLIA" NO BRASIL DE BOLSONARO

Bolsonaro & Bebianno, o samba da laranja e com muitas notas

2019-02-17

Alexandre Weffort, especial para O Lado Oculto

"Laranja madura, na beira da estrada, Tá bichada Zé ou tem marimbondo no pé". A letra do samba da velha guarda, de Ataulfo Alves, revela a sua plena atualidade no governo de Bolsonaro. Perante os casos trazidos ao conhecimento geral pelos media, de indícios de corrupção eleitoral envolvendo o PSL (Partido Social Liberal), que foi usado (dizem mesmo, alugado) por Bolsonaro para a sua candidatura e eleição como presidente, o 'caso do laranjal' agita as águas bolsonarianas (no Brasil, usa-se o termo 'laranja' no sentido que, em Portugal se diz, o 'testa-de-ferro').

A passarela

Na passarela do 'samba da laranja bebianna' (em homenagem ao actual ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, advogado, próximo mas agora em choque com a famiglia bolsonariana), desfilam, além do referido ministro, um dos filhos do presidente (Carlos, já que o filho Eduardo diz que, essa, ele passa), o debutante na política federal, deputado Alexandre Frota (ex-actor porno), Luciano Bivar, presidente do PSL (agora, depois de retomar o cargo das mãos de Bebianno) e, para abrilhantar, como rainhas carnavalescas, a recém-eleita deputada Joice Hasselmann e a aspirante a senadora Maria de Lourdes Paixão (candidata não-eleita, quase não-votada, mas muito bem financiada pelo PSL, às custas do erário público), a 'laranja'.
A completar a parada e a acompanhar o corso carnavalesco, mais dois ministros do governo bolsonariano: do Turismo, Marcelo Álvaro António (ou, pelo nome verdadeiro, Marcelo Henrique Teixeira Dias), a quem também é apontado o gosto pela laranja, e o super-ministro da justiça, Sérgio Moro.
Ao ministro do Turismo foi apontado um tom laranja no que refere ao financiamento eleitoral. Confrontado com a questão, aventada pela Folha de São Paulo (matéria onde que se afirma: "Álvaro Antônio utilizou um esquema de candidaturas laranjas em Minas Gerais para direcionar verbas públicas de campanhas para empresas ligadas ao seu gabinete"), o "ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmou que a revelação envolvendo o ministro do Turismo Marcelo Álvaro Antônio (PSL) divulgada (...) pela Folha de S.Paulo será apurada "se surgir a necessidade". "Particularmente não sei se esta matéria é totalmente consistente. Se surgir a necessidade de apuração, será apurado", declarou Moro (1).

O passo miúdo do 'super-ministro'

Vejamos o texto em detalhe: «se surgir a necessidade de apuração»?! Sendo dever do servidor público, entre outros, "exercer com  zelo  e  dedicação  as  atribuições  do  cargo" e "representar  contra  ilegalidade, omissão  ou abuso  de  poder" (2), a questão nem se coloca. O passo miúdo de Moro não colhe aceitação: como ministro da Justiça (o topo da hierarquia na área), compete-lhe exactamente promover o apuramento dos factos indiciados pelos media logo que deles toma conhecimento. Aquela "necessidade" tornou-se óbvia, de um óbvio ululante, assim que surgiu a público.

Embora o ministro federal da Justiça não sentisse aquela óbvia necessidade, outros servidores públicos foram mais sensíveis. Ultrapassando o ministro titubeante, um «procurador [do Ministério Público Eleitoral em Minas Gerais] decide investigar esquema de laranjas ligado a ministro do Turismo» (3). Começam a ouvir-se ritmos de samba no laranjal.
Diz uma notícia:

«O ex-deputado federal e ministro do Turismo do governo Jair Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), teria participado de um esquema de candidaturas laranjas em Minas Gerais para desviar recursos eleitorais e beneficiar empresas ligadas a seu gabinete na Câmara, informa o jornal Folha de S. Paulo. Ele nega as acusações. De acordo com a reportagem, quatro candidatas do PSL receberam R$ 279 mil do comando nacional do partido de Bolsonaro para suas campanhas. Elas ficaram entre as 20 candidaturas do partido que mais receberam recursos no País. Contudo, a baixa votação recebida por elas - menos de mil votos cada uma - indica a possibilidade de que tenham sido de fachada. (...) Do montante recebido, R$ 85 mil foram usados para contratar serviços de quatro empresas de assessores, parentes ou sócios de assessores do atual ministro» (4).

Contrariando o dizer do ministro da Justiça, o vice-presidente Hamilton Mourão defende que se faça a necessária investigação ao caso: «Qualquer denúncia tem que ser apurada, a Justiça que faça seu papel. Se for verdadeiro é grave» (5). Segue o texto da notícia: «segundo a reportagem, o comando nacional do PSL repassou 279 mil reais para quatro candidatas de MG, cumprindo a cota exigida pela lei eleitoral de no mínimo 30 por cento de candidatas mulheres». E, mesmo contrariado, Moro lá terá que assumir o papel que o cargo impõe e, também porque assim foi determinado por Bolsonaro, iniciou a investigação no laranjal do PSL (6).
Candidatas – mulheres – são fonte de problema num partido que professa uma ideologia de pendor misógino: basta lembrar os casos em que é réu o ex-deputado e actual presidente Jair Bolsonaro, casos agora suspensos pelo STF (7), ou as palavras a respeito disso proferidas pelo presidente do PSL, Luciano Bivar: «Política não é muito de mulher» (8). Mas, ao que parece, essa opinião não terá inibido o PSL de procurar obter alguns proveitos financeiros.

A bandeja e o abcesso de fixação

Maria de Lourdes Paixão e Joice Hasselmann partilham o papel da representação feminina na política e o de serem candidatas pelo PSL. Algo que deve encher de orgulho a primeira e, o contrário, a segunda. A primeira sobressai como figura pública, no papel de 'laranja', enquanto a segunda se envolve num nível mais denso da contenda interna do PSL, saindo em defesa de Bebianno, quando este vê a famiglia bolsonariana colocar «a sua cabeça numa bandeja» (9), e acusa Carlos Bolsonaro (filho do presidente) de pretender provocar uma crise no governo.
Mas a crise aprofunda-se com uma declaração de Bolsonaro: «Se tiver envolvido e, logicamente, responsabilizado, lamentavelmente o destino (de Bebianno) não pode ser outro a não ser voltar às suas origens» (10). A bandeja com a cabeça de Bebianno assusta os aliados de Bolsonaro. Rodrigo Maia, presidente do Congresso, declara: «a impressão que dá é que o presidente está usando o filho para pedir para o Bebianno sair. E ele é presidente da República, não é? Não é mais um deputado, ele não é presidente da associação dos militares» (11).

A truculência da famiglia bolsonariana ameaça quem se lhes coloque no caminho, embora o ainda ministro da Secretaria-Geral da Presidência não tenha gasto todos os seus argumentos, mantendo-se ainda no lugar (12). É que, sendo «alvo de um ataque público do filho do presidente, Bebianno passou a ter ao seu lado militares, que consideram um "erro" do presidente o modo como deixou a crise se instalar no Palácio do Planalto» (13).
Em clima pesado e tom musculado, o deputado debutante Alexandre Frota sai a terreiro na defesa da honra do convento (do PSL) e ameaça: este «não é um partido de laranjas (...) Qualquer secretário, deputado, ministro envolvido em qualquer coisa, essa laranja podre vai cair» (14). É promessa vã, mas anuncia um fim de festa espectacular.
A pantomima não acabou, todavia. Bebianno fica no governo, mas num clima que os media caracterizam como "desconfortável" (15). Bebianno, advogado, tem certamente trunfos que amarram a famiglia. Por outro lado, se ficar juridicamente amarrado ao laranjal, precisará do foro privilegiado que lhe outorga o cargo de ministro no Planalto. E, contradição que marca a era bolsonariana, manifesta-se um nítido conflito de hierarquia: o capitão-presidente tem como seus subalternos militares da mais alta patente que, no entanto, o tutelam (tendo que enquadrar, nessa tutela, também a prole ultra-participante e com vontade de mandar).
Onde acaba a famiglia e começa o governo não está claro para alguns dos filhos de Bolsonaro. Essa é a clarificação reivindicada por Joice Hasselmann, contrariando Carlos Bolsonaro, o mestre-sala. O comportamento do clã Bolsonaro apresenta-se perigoso e segue uma estratégia arriscada de gestão de crise, por meio do "abcesso de fixação (... já não se ouve falar de Flávio Bolsonaro, nem do seu ex-assessor). O abcesso de fixação funciona à superfície, até que o organismo entre em sépsis e a única solução seja a amputação do membro. Talvez seja altura de alguém lembrar os versos de "Fita amarela", de Noel Rosa: «Quando eu morrer, não quero choro nem vela, quero uma fita amarela ...».

Na margem da lama instituída, as lutas populares

Enquanto a política parlamentar segue enredada na lama das intrigas e golpes palacianos da direita bolsonariana, os movimentos sociais prosseguem, com mais dificuldades e redobrados cuidados, as suas muitas lutas: a UNE (União Nacional dos Estudantes) realizou a sua 11ª bienal, mobilizando os sectores juvenis em defesa da democracia; o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), na continuidade da luta pela Reforma Agrária e contrariando a actual fase de opressão conservadora na esfera educativa, abre mais uma escola no campo, no município de Água Doce, em Santa Catarina – a escola de educação municipal Cultivando o Saber, que irá atender as necessidades educativas das crianças de 5 assentamentos (16); as centrais sindicais planeiam uma greve geral «contra a proposta de reforma da Previdência do governo Bolsonaro e em defesa das aposentadorias e da Previdência Pública» (17).
Na sombra, a opressão
Ocultada pelas acções desastradas dos novos donos do poder preenchendo o espaço mediático, algumas iniciativas do governo revelam a sua natureza ideológica. O senador Humberto Costa, do PT (Partido dos Trabalhadores) denuncia:
«Desde 1º de janeiro, o país está paralisado, em ponto morto. Quando faz um movimento, é para dar marcha à ré. Retrocessos que remontam à época da ditadura. Basta ver, a notícia não desmentida, ao contrário, confirmada, de que o governo, por intermédio da Agência Brasileira de Informações, está espionando o trabalho de bispos, de padres da Igreja Católica com o argumento de que a Igreja Católica faz coro com a esquerda ...» (18).
Referências:
(1) https://www.bemparana.com.br/noticia/se-surgir-a-necessidade-sera-apurado-diz-moro-sobre-denuncia-contra-ministro
(2) Do art.º 116° da Lei n.º 8.112/1990.
(3) https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/02/procurador-decide-investigar-esquema-de-laranjas-ligado-a-ministro-do-turismo.shtml
(4) https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-do-turismo-usou-laranjas-para-desviar-recursos-eleitorais-diz-jornal-ele-nega,70002707233
(5) https://exame.abril.com.br/brasil/mourao-defende-investigacao-de-denuncia-contra-ministro-do-turismo/
(6) https://www.bemparana.com.br/noticia/moro-diz-cumprir-determinacao-de-bolsonaro-para-investigar-laranjas-no-psl
(7) https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46012367
(8) https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/02/politica-nao-e-muito-da-mulher-diz-presidente-nacional-do-psl.shtml
(9) https://painel.blogfolha.uol.com.br/2019/02/14/atitude-de-cla-bolsonaro-na-primeira-crise-assusta-aliados-bebianno-ve-cabeca-na-bandeja/
(10) https://www.diariodocentrodomundo.com.br/carlos-bolsonaro-e-o-alter-ego-do-pai-presidente-por-kennedy-alencar/
(11) https://g1.globo.com/google/amp/politica/blog/andreia-sadi/post/2019/02/14/impressao-e-que-bolsonaro-usa-filho-para-induzir-saida-de-bebianno-diz-rodrigo-maia.ghtml
(12) https://www.revistaforum.com.br/em-meio-ao-laranjal-do-psl-e-sob-fogo-do-cla-bolsonaro-bebianno-pode-cair-atirando/
(13) https://oglobo.globo.com/brasil/bebianno-diz-aliados-que-analisa-pedido-de-demissao-23451556
(14) https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/13/politica/1550095248_407492.amp.html
(15) https://www.valor.com.br/politica/6121539/bolsonaro-conversa-com-bebianno-mas-o-exclui-de-reuniao-ministerial
(16) http://www.mst.org.br/2019/02/13/centro-de-formacao-e-inaugurado-em-santa-catarina.html
(17) http://www.vermelho.org.br/noticia/318640-1
(18) https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/02/12/humberto-costa-critica-interferencia-da-abin-na-igreja-catolica

Afinal…
Bebianno sairá mesmo do governo. A estabilidade da gestão de Bolsonaro é notável!

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