“ATAQUE QUÍMICO” EM IDLEB: OS SEGREDOS DA ENCENAÇÃO

2018-09-14
Edward Barnes, Damasco; Norman Wycomb, Londres
Quando o leitor passar os olhos por estas linhas, o espectro global de informação/propaganda poderá já estar contaminado com a narrativa de mais um suposto “ataque químico” cometido pelo exército nacional da Síria, desta feita em Idleb – último grande bastião dos terroristas da al-Qaida e afins, incluindo os “moderados”. Ou poderá nada ter acontecido ainda.
O que se sabe é que uma encenação de um “ataque químico” a atribuir ao governo de Assad tem estado a decorrer desde 10/11 de Setembro na localidade de Jisr al-Chogur, na província de Idleb, por iniciativa dos conhecidos “Capacetes Brancos”, um braço dos serviços secretos britânicos MI6 oficialmente designado “Defesa Civil Síria” que opera associado às organizações mercenárias terroristas conhecidas como “oposição síria”.
Equipas de filmagem de várias cadeias de televisão do Médio Oriente, pelo menos uma delas representando um dos gigantes norte-americanos de TV, chegaram na manhã de 11 de Setembro à citada localidade para tomarem imagens a ser mundialmente divulgadas como provas de mais um “ataque químico” cometido pelas tropas do governo de Damasco.
Entretanto, o conselheiro de segurança nacional do presidente norte-americano, John Bolton, declarou que, no caso de a Síria realizar “mais um ataque químico” – ainda nenhum dos alegadamente já cometidos foi comprovado –, a retaliação militar dos Estados Unidos será “mais vigorosa” do que as anteriores. Bolton anunciou ainda que tem o acordo do Reino Unido e da França para participarem nessa eventual agressão. A Alemanha também foi convidada, ignorando-se ainda a posição final do governo de Berlim.
O que se sabe sobre a falsificação
São abundantes os dados existentes sobre a falsificação do “ataque químico”, que coincide com os preparativos do exército sírio, apoiado pelos aliados russos e iranianos, para libertar a região de Idleb da presença dos grupos terroristas ditos “islâmicos”, todos eles subordinados, no local, à estrutura da al-Qaida.
Em 29 de Agosto, o ministro sírio dos Negócios Estrangeiros da Síria assegurou que os “Capacetes Brancos” raptaram 44 crianças da região de Idleb para serem utilizadas na encenação do ataque – a exemplo do que aconteceu há meses em Gutha Oriental.
Pouco depois, equipas da empresa britânica de comunicação Olive chegaram à localidade de Kafr Zita para começarem a trabalhar na encenação e na produção de imagens. “Como empresa, acreditamos que a nossa obsessão com a satisfação dos nossos clientes mostra por que somos diferentes e por que devemos ser escolhidos como parceiros”, assim se apresenta a produtora através da sua propaganda corporativa. Não será difícil adivinhar quem a contratou, conhecendo-se o principal patrocinador dos “Capacetes Brancos”.
A par desses movimentos, a porta-voz do Ministério russo da Defesa denunciou que os mesmos serviços secretos britânicos criaram uma conta no Twitter em nome de uma criança fictícia – “Hala” – através da qual serão relatadas ao mundo as “atrocidades” cometidas tropas de Assad e encenadas sob a direcção dos “realizadores” da britânica Olive, assim cumprindo o seu slogan “Why we are different” – Por que somos diferentes.
Quando as equipas de televisão regionais e internacionais chegaram a Jisr al-Chogur, membros dos bandos terroristas movimentaram pelo menos dois bidões de uma substância tóxica à base de cloro, presumivelmente para tornar a acção mais “realista”.
Foi nessa ocasião também que o secretário norte-americano da Defesa, James Mathis, deu a conhecer a sua convicção de que a “oposição síria” tem uma “capacidade nula de utilizar armas químicas”.
Descoordenações e precipitações
Declaração esta que cai em contradição absoluta com o relatório sobre o assunto elaborado pelo enviado das Nações Unidas para a Síria, o italiano Stefan de Mistura. “Os terroristas da al-Nusra, um grupo associado à al-Qaida, têm recursos e capacidade para produzir gases de cloro e utilizá-los contra a população”, lê-se no relatório. “Disse e confirmo”, declarou Stefan de Mistura a jornalistas, que tanto o governo como a al-Nusra, considerada um grupo terrorista pela ONU, estão em condições de usar gases de cloro, que têm a característica única e horrível de estarem na zona cinzenta entre o que é considerado ataque químico ou não”.
A montagem da encenação tem envolvido dezenas de “Capacetes Brancos” introduzidos na região ocupada de Idleb a partir da fronteira com a Turquia. Sabe-se que muitos dos membros desta entidade associada ao terrorismo transitaram de Deraa, no sul da Síria, onde estiveram igualmente associados a operações de provocação antes de as tropas sírias reconquistarem a região que dizem ter sido o “berço” da “primavera árabe” no país, uma falsificação histórica que gradualmente tem vindo a ser desmontada.
Os “Capacetes Brancos” em debandada, acossados pelo avanço das tropas governamentais, foram salvos e recolhidos nos Montes Golã ocupados por Israel à Síria. Aí encontraram autocarros à sua disposição para seguirem em direcção à Turquia e recolocados em Idleb.
Do ponto de vista militar, no entanto, estamos perante uma razoável precipitação na montagem do falso “ataque químico”. Dir-se-á que existe uma descoordenação entre os chefes operacionais terroristas e quem traça a sua estratégia, por um lado, e os agentes dos canais de propaganda, por outro.
Todos eles deveriam saber que é muito improvável o início dos ataques terrestres sírios para libertar Idleb antes de 6 de Novembro, a data das eleições norte-americanas que irão renovar um terço do Congresso. Por enquanto, e ainda durante mais umas semanas, a ofensiva por Idleb é exclusivamente aérea, conduzida sobretudo pelos aliados russos de Damasco, destinada a flagelar com a maior precisão possível as hostes da al-Qaida.
Como é sabido – embora na hora da intoxicação a informação/propaganda não se ocupe desses “pormenores” – não se realizam ataques químicos do tipo dos encenados pelos “Capacetes Brancos” através de bombardeamentos aéreos, uma vez que os produtos letais seriam dispersados na atmosfera. Para ter alguma credibilidade, qualquer operação como a produzida pela Olive deverá estar associada a ataques terrestres – acontecimento que não está na ordem do dia na região cercada.
Há mais de um mês que os círculos diplomáticos russos e sírios vêm advertindo para a provocação em andamento. A comunicação social de grande consumo está advertida para o facto, com grande soma de pormenores; e se quiser ser independente deverá prevenir os seus leitores/ouvintes/telespectadores para os comportamentos irresponsáveis de tantos dirigentes que governam as nossas vidas.
Tendo em consideração o que, de facto, está a acontecer no terreno, fica a saber-se que: se houver “ataque químico” em Idleb será falso, fruto de uma encenação; se não houver, é sinal de que os cuidados em desmascarar a mentira tiveram algum efeito e os provocadores guardar-se-ão para ocasião mais propícia.
Mas se houver “ataque químico” e, a seguir, uma “retaliação” militar conduzida pelas principais potências da NATO ficaremos a conhecer um pouco mais aquilo de que são capazes pessoas como Donald Trump, Emmanuel Macron, Theresa May, eventualmente Angela Merkel.
Sobretudo teremos mais uma prova revelando quem pretende eternizar a tragédia síria e quem protege e defende grupos terroristas como al-Qaida, enquanto apregoa “a guerra contra o terrorismo”.