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AS ARMAS DO FUTURO E A DEFESA NACIONAL

Robot assassino que pode agir autonomamente mediante um algoritmo - a derradeira intervenção humana antes de soltar a arma

2019-02-01

Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto

O paradigma das armas está a mudar. Até aqui as armas obtinham a sua importância na sua capacidade explosiva. A arma mais poderosa ainda é a bomba nuclear, cuja capacidade explosiva se mede em milhares de toneladas de TNT (Trinitrotolueno – um dos mais potentes explosivos) e que são capazes de arrasar cidades inteiras, matando milhões de pessoas e destruindo tudo em volta do local de detonação.

Cada guerra desenvolve as suas próprias armas e se na I Grande Guerra vimos emergir armas de destruição massiva como os gases de nervos e a aviação, a bomba nuclear foi seguramente a arma que caracterizou a II Guerra Mundial, nomeadamente na sua componente asiática, e depois a Guerra Fria.

Mas o actual paradigma bélico assente em armas de destruição massiva, gás, nuclear, etc. – está a ser desafiado por duas novas classes de armas que poderíamos apelidar de Paralisação Completa, a primeira, e de Decisão Autónoma ou Semiautónoma, a segunda.

Toda a tecnologia e a investigação por trás destes novos armamentos sofisticados é financiada pela DARPA – a agência norte-americana para a pesquisa avançada em projetos de defesa, que dispõe de fundos praticamente ilimitados.

Armas de Paralisação Completa

1. A Bomba de Grafite

Um dos primeiros artefactos deste tipo foi usado na guerra que a NATO levou a cabo contra a Sérvia, um pequeno país que procurava preservar a sua integridade territorial. Tratou-se de uma bomba de grafite (ou bomba apagão, blackout bomb) que lançada sobre as linhas eléctricas de um país provoca curto circuitos que interrompem o fornecimento de eletricidade. Os bombardeamentos deste tipo na Sérvia interromperam 70% do fornecimento de eletricidade, provocando um enorme apagão e paralisando muitas instituições civis e militares. Usadas também no Iraque, tiveram igualmente um efeito devastador em termos de fornecimento de energia a cidades e bases militares.

Esta bomba é, pois, capaz de paralisar um país cortando o abastecimento de electricidade. É uma bomba não directamente letal que se limita a espalhar filamentos muito finos de grafite sobre as linhas da alta tensão da rede de energia do inimigo; esses filamentos são responsáveis pelos curto-circuitos que desligam a rede.

Que protecção tem Portugal contra este tipo de arma? Portugal, recorde-se, é um país com uma extensa rede de alta tensão a céu aberto.

2. Ciber ataques

Estas armas pretendem paralisar as redes de comunicações do inimigo ou infiltrá-las com informação falsa, não lhe permitindo agir conscientemente. Por exemplo, paralisando a rede informática dos hospitais os médicos deixam de ter acesso ao historial dos doentes, sem a rede informática da Justiça os tribunais param, sem a rede informática da Defesa quebra-se a cadeia de comando e controlo.

De formas menores, podemos pensar que sem a rede informática que gere os semáforos se cria a confusão no trânsito de cidades como Lisboa ou outras maiores. Sem a rede informática de controlo de trafego aéreo os desastres suceder-se-ão. Sem rede informática os bancos param, interrompendo a circulação monetária, lançando o caos na economia.

Um ataque massivo a este nível pode paralisar completamente um país.

Outros ataques mais subtis podem visar apenas o acesso a dados pessoais de dirigentes com vista a chantagem, ou o roubo de propriedade intelectual, ou de planos militares.

Os Estados Unidos criaram mesmo todo um ramo – a par da Marinha, do Exército e da Força Aérea – exclusivamente dedicado à guerra cibernética.
O Irão foi o alvo de um dos mais mortíferos ataques, quando em 2010 um vírus do tipo Stuxnet foi introduzido na rede informática que controlava as centrifugadoras nucleares da central civil de Natanz. Seguiu-se um desastre com a destruição de cerca de mil centrifugadoras. O vírus Stuxnet foi desenvolvido pelos norte-americanos.

Está Portugal preparado para fazer frente a um ataque deste tipo? E as suas empresas e instituições estratégicas? Sem dúvida falta aqui investimento.

3. Armas de pulsação eletromagnética (EMP)

As armas de pulsação eletromagnética visam criar uma onda eletromagnética de tal magnitude que os equipamentos eletrónicos (computadores, aparelhos de telecomunicações, etc., em geral todos os aparelhos que disponham de semicondutores) dos adversários fiquem inutilizados.

Os primeiros testes nucleares permitiram identificar os efeitos da pulsação eletromagnética criada pela explosão. Hoje é possível libertar essa energia sem recurso a bombas nucleares.

Belnn classifica-as como armas típicas de ataques contra os centros de comando e controlo adversários, isto é, acções que impeçam as chefias inimigas de comandar e controlar as suas tropas. Este tipo de guerra é muito eficaz quando se conseguem integrar pelo menos dois dos seguintes tipos de operações: Destruição Física dos comandantes, Guerra electrónica, operações de Segurança Engano do Inimigo e Ação psicológica (Belnn, 2010).

Elas podem ser usadas para Enganar o Inimigo fornecendo falsa informação, por exemplo aos radares adversários para a Guerra Electrónica, destruindo equipamentos, ou em Ação Psicológica, baixando o moral inimigo.

Armas Autónomas ou Semiautónomas

Os Estados Unidos têm vindo a desenvolver técnicas bélicas que integram o uso de soldados e armas autónomas ou semiautónomas, pondo a combater lado a lado homens e máquinas. Conceitos como “mothership” ou “swarming” foram já testados e estão agora a ser aperfeiçoados para guerras em larga escala contra a China e/ou a Rússia.  

1. Drones

Uma tendência clara de exércitos como o norte-americano é o da digitalização e automatização da guerra, através do uso de drones e robots de controlo remoto que possam actuar a longas distâncias.

A primeira guerra em que os UAV (veículos aéreos não tripulados) ou drones foram usados em combate pela primeira vez foi na Guerra do Afeganistão, corria o ano de 2001. Na altura, os Predator, guiados por satélite e armados de mísseis de precisão Hellfire guiados por laser, atacaram diversos alvos dos talibãs (Sloan, 2015 e Rogoway, 2016). A guerra aérea estava a mudar radicalmente e os pilotos, que durante anos foram o coração da Força Aérea, começaram gradualmente a ser substituídos por controladores confortavelmente sentados longe do teatro de operações. 

Hoje os UAV executam múltiplas funções, desde o bombardeamento à vigilância aérea. Usando tecnologias de filmagem como a Gorgon Stare, desenvolvida pela Força Aérea norte-americana, que faz uso de mais três centenas de câmaras de alta definição adaptadas para luz natural e infravermelha colocadas a bordo de um drone, é possível vigiar vastas áreas com grande precisão, quer de dia quer de noite.

Não se pense, contudo, que estas armas não precisam de pessoal. Estima-se que um único drone da classe Global Hawk, fabricado pela Northrop Grumman desde 1998, necessite de 300 soldados em terra para operar regularmente (Sloan, 2018).

Predator armado com mísseis de precisão
 

2. Robots

Os robots da classe Swords (Special Weapons Observation Reconnaissance Detection System), ainda controlados remotamente, que transportam uma metralhadora M249, foram usados no Iraque em 2007 contra alvos humanos. Deste tipo existem robots de vários espécies desde helicópteros não tripulados armados com uma espingarda de grande precisão do tipo sniper, para ser usada em combate urbano, a diversas modalidades de veículos terrestres.

Assim, ao lado dos UAV temos os UGV – veículos terrestres não tripulados – capazes de transportar armas e de as disparar sobre alvos inimigos.

3. Armas autónomas

Na definição de Peter Singer um robot é um autómato que obedece às três seguintes condições: i) possui sensores para analisar o meio ambiente; ii) tem um algoritmo, normalmente criado com técnicas de inteligência artificial (AI) que lhe permite decidir como reagir aos diversos estados do ambiente; e iii) um conjunto de instrumentos que lhe permitem executar a decisão tomada. Este tipo de robots podem então decidir por si próprios e levar a cabo as decisões tomadas sem que ninguém interfira na sua ação.

Nesta categoria temos armas semiautónomas e totalmente autónomas. O grande debate está hoje centrado na dúvida se estas últimas devem ou não estar armadas de fogo letal. Isto é os chamados Robots assassinos devem ou não ser proibidos. Enquanto a discussão prossegue, o Pentágono continua a construí-los.

Um robot deste tipo seria então capaz de identificar um inimigo e abatê-lo sem intervenção humana para além da criação do algoritmo de identificação, decisão e acção.

Protótipo de um robot assassino Swords

Conclusão

As grandes superpotências, nomeadamente os Estados Unidos, estão a conceber, preparar, testar e produzir um vasto conjunto de novas armas que serão as utilizadas nas guerras vindouras.

Pequenas potências como Portugal não podem nem devem incorporar-se nessa louca corrida armamentista, mas é aconselhável que estudem as novas armas e se dotem dos meios de as contrariar, para que não sejam vulneráveis a qualquer ataque vindo de amigos ou inimigos.

Mais do que participar em missões em África em defesa de interesses franceses e alemães, as Forças Armadas precisam de mais “inteligência” para desenvolver meios de contrariar as novas armas e de proteger a população portuguesa.

*Economista, MBA

Referências

Belnn, Captain Dale R. (2010), Electromagnetic Pulse weapons as an Emergent Technology and Their Place on Battlefields of the Future, Master of Military Studies thesis, marine Corps University

Lynch, Justin e Lauren Fish (2018), Soldier Swarm: New Ground Combat Tactics for the Era of Multi-Domain Battle, Modern War Institute

Rogoway, Tyler (2016), The Q-1 Predator Became A History-Changing Deadly Missile Slinger 15 Years Ago Today, [oline] https://foxtrotalpha.jalopnik.com/the-q-1-predator-became-a-history-changing-deadly-missi-1760408544, acedido a 26 de Janeiro 2018 

Sloan, Elinor (2018) Robotics and Military Operations: Policy Implications for civilian and military Leadership, in Robotics and Military Operations, Braun III, William, Stéfanie von Hlatky e Kim Richard Nossal (editores), Estados Unidos, United States Army War College Press


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