O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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GUERRA DO GÁS SEPARA BERLIM DE WASHINGTON

Preparando uma secção do gasoduto NordStream2

2018-11-23

José Goulão; com Castro Gomez, Moscovo; e Lourdes Hubermann, Berlim

Os Estados Unidos da América, à frente de alguns países do Leste da Europa como Ucrânia e a Polónia, estão a intensificar esforços para impedir o início do funcionamento do gasoduto NordStream 2, entre a Rússia e a Alemanha, previsto até final de 2019. Este projecto poderá abastecer numerosos países da Europa com gás natural a preços mais baixos.

As reacções hostis à construção do NordStream 2 baseiam-se em várias razões, uma das quais viola um princípio básico da ortodoxia de mercado, que é suposto regular-se a si próprio. Neste caso, Washington pretende distorcer a norma tentando impor o produto a preços muito mais elevados, apenas porque é de origem norte-americana.
A controvérsia em torno do Nord Stream 2 passa bem pelo interior da União Europeia e das relações desta entidade com os Estados Unidos, sobretudo por resultar de um projecto de cooperação entre a Rússia e a Alemanha, com a comparticipação de outros países, designadamente a França, a Holanda, a Áustria, a Finlândia e a Suécia.
O inconveniente do projecto menos assumido pelos governos contestatários, mas que põe em causa o êxito de operações geoestratégicas contra a Rússia, é o facto de o trajecto não incluir a Ucrânia e, de certa forma, contornar a constante interferência norte-americana nas questões energéticas europeias.
O objectivo essencial desta estratégia, que é o de impedir a entrada de petróleo e gás russos na Europa, tornou-se flagrante com o êxito da operação para impedir a concretização do projecto SouthStream, em 2013, reforçado com o golpe fascista na Ucrânia, em 2014, patrocinado pelos Estados Unidos, a NATO e a União Europeia. A Ucrânia tornou-se, desta maneira, um tampão às exportações russas.

Estratégia fintada

O NordStream 2 finta esta estratégia, contando com o “pragmatismo” de alguns governos europeus, motivados pelo acesso a energia estável e de baixos custos.
Trata-se do mais extenso gasoduto submarino do mundo, ligando Vyborg, na Rússia, e Greifswald, na Alemanha, com passagem pelo Mar Báltico e o Golfo da Finlândia. Atravessa as zonas económicas da Rússia, Finlândia, Suécia, Dinamarca – o único país que ainda não ratificou a autorização – e Alemanha. A capacidade de transporte, em dois ramais paralelos, é de 55 mil milhões de metros cúbicas, que poderá ser duplicada para 110 mil milhões mediante a adição de mais dois ramais.
NordStream 2 é a empresa formada para gerir este projecto, uma associação entre a russa Gazprom, a francesa Engie, a austríaca OMV AG, a holandesa Royal Dutch Shell e as alemãs Uniper e Wintershall. Na cerimónia de lançamento, em 2011, participaram o presidente russo, então Dmitri Medvedev, a chanceler alemã, Angela Merkel, e os primeiros-ministros de França e Holanda, respectivamente François Fillon e Mark Rutte.

Uma concessão alemã

Muito recentemente, o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, intensificou a campanha contra o gasoduto russo-germânico declarando que “o projecto prejudica a segurança europeia” e “corre o risco de comprometer a soberania de países europeus dependentes do gás russo”.
Pompeu prometeu à Ucrânia que lutará contra a construção e entrada em funcionamento do NordStream 2, a primeira via de transporte de combustíveis fósseis russos que evita aquele país, porque “não há país mais amigo da Ucrânia do que os Estados Unidos”. Acrescentou que “não queremos que os nossos amigos europeus sejam vítimas do tipo de manipulação política e económica que a Rússia tentou na Ucrânia quando se libertou dos grilhões soviéticos”; e lamentou que “a Alemanha fique totalmente dependente de Moscovo”. De notar que o mais forte sinal da “amizade” que Washington nutre pela Ucrânia foi a instauração do fascismo em Kiev através do golpe de 2014.
O mais recente episódio da campanha contra o gasoduto foi a declaração do primeiro-ministro do regime pré-fascista da Polónia, Mateusz Morawiecki, segundo a qual o facto de o projecto contornar a Ucrânia faz com que este país “perca importância regional, o que cria condições para que a Rússia lance uma guerra contra Kiev quando o NordStream 2 começar a funcionar”.
O chefe do governo de Varsóvia não defende, em alternativa, que o gasoduto passe pela Ucrânia mas sim que, pura e simplesmente, não seja construído e que o gás natural russo não chegue à Europa. E caso Moscovo e Berlim levem o processo até às últimas consequências, o senador John MacCain, um dos mentores do golpe fascista em Kiev, deixou como herança um processo que conduzirá à imposição de mais sanções contra a Rússia, caso Trump assim o ratifique.
Perante a longa campanha hostil, a chanceler Merkel fez recentemente uma concessão a Washington: anunciou a construção de um terminal de gás natural liquefeito (GNL) para poder comercializar produto importado por via marítima oriundo de vários países, incluindo os Estados Unidos. A obra terá unicamente financiamento público, porque nenhum operador privado esteve disponível para se associar, tal a diferença de preços entre este gás natural e o proveniente da Rússia através do NordStream 2.
Uma diferença com repercussões muito acentuadas, em termos de produtividade associada às duas fontes de energia, assim comentadas por um dirigente da Gazprom, Alexander Medvedev: “acho melhor esquecerem o combate ao NordStream 2, porque a Alemanha já necessita do NordStream 3”.
Além disso, a Rússia tem igualmente uma alternativa bastante mais barata que a norte-americana na contribuição para o abastecimento do terminal de gás liquefeito anunciado pela Alemanha. É o caso do projecto Yamal, gerido pela empresa Novatek no Báltico; e também deve ser levado em conta o Arctic 2, na Sibéria, no qual a Arábia Saudita adquiriu recentemente uma comparticipação de cinco mil milhões de dólares.

Europa e as circunstâncias

Na comparação de preços de gás natural obtido através das várias fontes e vias de transporte envolvidas neste xadrez deverão ter-se em consideração os dados revelados recentemente pelo Oxford Institute of Energy Studies. Segundo o relatório, se não forem descobertos novos campos de gás natural na Europa, a produção regional deverá cair de 256 mil milhões de metros cúbicos para 212 mil milhões até 2020, e para 146 mil milhões até 2030.
Além disso, a produção tem vindo a cair na Noruega e na Escócia. Por isso, a procura de gás natural tem vindo a aumentar, fenómeno que se acentua à medida que estão a ser encerradas numerosas centrais a carvão na Europa e as centrais nucleares alemãs serão todas desactivadas até 2020. De notar que estas chegaram a ser responsáveis por um quarto da energia consumida em território germânico.
O Wall Street Journal saudou o anúncio do terminal de gás liquefeito na Alemanha como “uma grande vitória de Trump”. O que não impediu analistas alemães de mercados de sublinharem que “a senhora Merkel faz a vontade a Washington e à NATO disponibilizando-se a pagar pequenas fracções de combustíveis a preços mais elevados para depois tirar essencialmente proveito da parceria energética estabelecida com a Rússia”.



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