O CANAL DA DISCÓRDIA ENTRE EUA E CHINA
2018-11-16
Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto
O Estreito de Malaca, passagem marítima entre o Oceano Índico e o Mar do Sul da China, que também abre caminho para o Oceano Pacífico, estende-se por quase 900 quilómetros entre a ilha de Sumatra da Indonésia e a Península da Malásia, partilhada pela Malásia e Singapura. Por aqui passa grande parte do trafego marítimo mundial.
Cerca de 100 mil navios cruzam o estreito todos os anos representando, mais de 25% do comércio de mercadorias do mundo (Calamur, 2017). Os interesses económicos em jogo são, pois, enormes. Muitos países asiáticos dependem da sua navegabilidade para o seu abastecimento de produtos essenciais como o petróleo, ou para o escoamento das suas exportações. Quem controla o estreito de Malaca controla o comércio asiático e, por essa via, grande parte da economia asiática.
Controlo Militar do Estreito
No passado, esse poder esteve, por breves momentos, em mãos portuguesas, mas rapidamente passou para os holandeses e ingleses, que se estabeleceram fortemente na região.
Depois da Segunda Grande Guerra, a Holanda teve de reconhecer a independência da sua colónia local, a Indonésia, e os ingleses a da Malásia e de Singapura; e reconhecerem ambos a superioridade das forças navais americanas.
Sem que os britânicos tenham abandonado totalmente a região, o poder dominante passou para os norte-americanos, que mantêm bases militares no estreito.
A principal base do seu poder concentra-se na ilha de Singapura, que concentra simultaneamente o poder militar americano e inglês e o poder económico destes países na zona, através do quase completo monopólio da prestação de serviços portuários aos barcos que atravessam o estreito. A força norte-americana e inglesa é a chave do sucesso deste pequeno país.
Uma enorme base área norte-americana em Singapura (Base Aérea de Paya Lebar) possibilita uma observação permanente do estreito. A sétima esquadra americana patrulha intensamente a região. Os ingleses, por seu turno, dispõem de uma base naval no porto de Sembawang.
Adicionalmente, os australianos mantêm também uma base naval na Malásia, em Butterworth.
São, pois, os americanos e os seus aliados ingleses e australianos que controlam todo o imenso tráfego de bens que por ali transita e que podem fechar o porto, precipitando o caos no abastecimento de grande número de países asiáticos, da China ao Japão, passando pelas Filipinas, as Coreias, e tantos outros.
Em caso de guerra económica e imposição de sanções a países asiáticos, os Estados Unidos conseguem autorizar selectivamente que navios, de que países, contendo que tipo de mercadorias atravessam o estreito, estando em condições militares de fechar completamente a passagem através de minas e torpedos (Huber, 2003).
Istmo de Kra como alternativa ao estreito de Malaca
Mapa 1
O istmo de Kra, na Tailândia, que liga o continente à península malaia tem condições para que aí seja escavado um canal ligando o Mar de Andaman ao Golfo da Tailândia, permitindo a passagem entre o Índico e o Mar do Sul da China e o Pacífico sem transitar pelo Estreito de Malaca.
O canal pouparia aos cargueiros 1200 quilómetros de navegação, que teriam um importante impacto no preço das mercadorias transportadas, nomeadamente no custo da energia (petróleo e gás), que por seu lado implicaria uma maior competitividade dos produtos produzidos pelos países asiáticos, nomeadamente China, Japão, Filipinas, Vietname, Coreias e outros.
O canal mediria cerca de 60 quilómetros de comprimento, 400 metros de largura e teria 25 metros de profundidade, o que compara com os 77 quilómetros do Canal do Panamá. Paralelo ao canal passaria um pipeline.
A construção do canal, cuja racionalidade económica é indiscutível, geraria um surto de desenvolvimento na Tailândia, um país com uma considerável população, cerca de 70 milhões de habitantes, e uma economia débil e pobre, com um PIB per capita de pouco mais de sete mil dólares anuais.
A China e a Tailândia assinaram um memorado de entendimento no sentido da construção do canal e do financiamento da obra. Prosseguem os estudos técnicos.
Foto 1
Mapa 1
Supermercado em Mueang Pattani após atentado terrorista
Oposição e terrorismo
Contudo, a construção do canal conta com a feroz oposição de Singapura, que perderia a sua posição estratégica, mas também da Malásia e da Indonésia e, acima de tudo, dos Estados Unidos e do Reino Unido.
Uma das razões envolvidas é que o canal a ser construído pela China libertaria esse país da ameaça de estrangulamento económico através da proibição dos seus barcos navegarem ao longo do Estreito de Malaca.
Esta oposição tem-se manifestado no ressurgimento da actividade de grupos terroristas islâmicos, nomeadamente a Jemaah Islamiyah, fundada em 1993, e a Frente de Libertação Islâmica do Patami, que pretendem a independência da pequena região. Entre as ações que levam a cabo conta-se o atentado de 2017 em Mueang Pattani, quando duas bombas explodiram no interior de um centro comercial, matando e ferindo muitos inocentes.
Especula-se que estes grupos sejam armados e abastecidos pelos opositores à construção do canal.
Conclusão
O Estreito de Malaca é um importante ponto de estrangulamento (“choke point”, ponto de asfixia, na terminologia militar americana) que permite o sufoco da economia asiática e da economia chinesa em particular no caso dos barcos deste país serem proibidos de o atravessar. O canal é fortemente guardado por forças norte-americanas e seus aliados ingleses e australianos. Singapura, sede do poder militar americano, é o país da região que mais beneficia com esta situação, através da oferta de produtos portuários.
Uma alternativa ao estreito seria a construção de um canal no itsmo de Kra, território tailandês. O canal libertaria os países asiáticos da ameaça constante de asfixia e pouparia nos custos de transporte de mercadorias, nomeadamente no custo de energia, tornando esses países ainda mais competitivos na economia global.
Temendo, através da desvalorização da sua posição estratégica de controlo do estreito, perder o seu poderio na região, os norte-americanos têm vindo a colocar obstáculos de toda a ordem à construção do canal por chineses e tailandeses.
A implantação de grupos terroristas islâmicos, fortemente armados, reivindicando a independência da região tailandesa do Pattami, tem sido interpretada como uma forma de pressão sobre o regime de Bangkok para que não avance com a construção do canal.
* Economista, MBA
Referências
Calamur, Khrishnadev (2017), High Trafic, High Risk in the Strait of Malacca, The Atlantic
Huber, Mark (2003), Chokepoint Control: Operational Challenges for Blue-Water Navies,
Myanmar, Myo Aung (2018), The Thai Canal-Kra Canal-Kra Isthmus Canal: https://www.researchgate.net/publication/322951041_The_Thai_Canal-Kra_Canal_-Kra_Isthmus_Canal, Acedido a 15 de Novembro de 2018
Thongsin, Amonthep (2002), The Kra Canal and Thai Security, Tese de Mestrado, Naval Postgraduate Scholl, Monterey, California