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PENTÁGONO USA ARMAS PROIBIDAS CONTRA CIVIS SÍRIOS

Tal como faz Israel em Gaza, os Estados Unidos lançam bombas de fósforo branco contra civis, incluindo em escolas, em localidades do norte da Síria.

2018-11-09

Edward Barnes, Damasco

Os constantes bombardeamentos aéreos e terrestres que as forças militares norte-americanas continuam a efectuar na Síria, usando inclusivamente munições proibidas como fósforo branco, têm o cariz de uma guerra de aniquilação que atinge populações civis, uma vez que a razão invocada pelo Pentágono, “combater” o Daesh”, deixou praticamente de existir.

A presença ilegal de tropas dos Estados Unidos na Síria e, sobretudo, as suas práticas, caem no âmbito das definições internacionais de “crimes contra a humanidade” e “crimes de guerra”. Eleva-se a muitos milhares o número de civis mortos durante os bombardeamentos da chamada “coligação internacional” – cerca de 90 por cento da responsabilidade de forças norte-americanas e a parcela restante desempenhada por tropas francesas e britânicas.
Desses muitos milhares de vítimas, Washington reconhece a autoria de aproximadamente duas dezenas, a inserir na interminável lista de “danos colaterais” que continua a crescer desde que o marketing do Pentágono inaugurou a expressão, durante a primeira invasão do Iraque, no início dos anos noventa do século passado sob a administração de George Bush (pai).
Durante os últimos dois anos, e já por duas vezes desde o início deste mês de Novembro, as forças norte-americanas utilizaram bombas de fósforo branco tanto em ataques aéreos como em bombardeamentos terrestres.
As operações centraram-se quase exclusivamente nas províncias de Raqqa e Deir es-Ezzor, a primeira a norte, fazendo fronteira com a Turquia e a segunda a leste e nordeste, confrontando com o Iraque. Ambas as regiões faziam parte do “Sunistão”, uma entidade homogénea sunita que deveria nascer do desmantelamento do Iraque e da Síria e que estava prevista no projecto de inspiração norte-americana, israelita e saudita para redefinição do mapa do Médio Oriente.
A concretização do projecto foi entregue, na prática, aos terroristas do Estado Islâmico, que aí fundaram o seu “califado” com capital em Raqqa e aproveitando o facto de as guerras nos dois países quase terem despovoado a região fronteiriça.

Bombas de fósforo e aniquilação

Numerosos especialistas militares convergem numa interpretação quanto ao objectivo do uso de fósforo branco, sobretudo contra as populações das duas províncias: aniquilação.
São várias as razões pelas quais já quase não existem “bolsas” de terroristas na zona. Em primeiro lugar, porque meia dúzia de ataques da aviação russa chegaram para desmantelar o “califado” e aniquilar ou pôr em debandada os grupos do Daesh e afins; em segundo lugar, porque as forças norte-americanas de ocupação, em colaboração com a CIA, montaram operações de salvamento dos grupos mercenários remanescentes, enviando-os de maneira organizada para o Afeganistão – onde substituíram as receitas de petróleo roubado pelas que são garantidas pelo tráfico de drogas e, como se verificou nos últimos dias, multiplicam ataques contra as desmoralizadas tropas regulares afegãs; em terceiro lugar, porque alguns grupos de terroristas foram transferidos para a província de Idleb, onde assumiram outras designações que não a de Estado Islâmico.
Fica para a história um importante facto comprovado nesta fase da agressão internacional contra a Síria: antes dos ataques demolidores da aviação russa, os contingentes de terroristas do Estado Islâmico tinham sobrevivido praticamente incólumes a muitos meses de supostos bombardeamentos das forças da “coligação internacional” ou da NATO, de que os civis foram essencialmente as vítimas.
Existem provas, acessíveis às mais elevadas instâncias internacionais, de que forças militares norte-americanas estão a usar bombas de fósforo branco contra populações civis sírias pelo menos desde 2017. Os bombardeamentos com esse tipo de munições efectuados já no mês de Novembro flagelaram as regiões leste e sudeste da província de Deir es-Ezzor, tal como já acontecera, pelo menos, em 13 de Outubro.
Steve Goose, director da divisão de armamento da organização não- governamental Human Rights Watch, testemunhou que os engenhos de fósforo branco foram usados por meios militares norte-americanos contra zonas populosas como as cidades de Raqqa e Mosul, esta no Iraque.
As munições de fósforo branco não são consideradas armas químicas, mas sim incendiárias e, como tal, igualmente proibidas pelo Protocolo III relacionado com algumas armas convencionais e cuja utilização contra civis já era vedada pelas Convenções de Viena.
O fósforo branco é uma substância que se inflama espontaneamente em contacto com o ar, criando uma densa nuvem de fumo e temperaturas da ordem dos 800 graus Celsius. Os efeitos não podem ser combatidos com água. Os seres humanos que sejam atingidos podem sofrer queimaduras extremas e ferimentos graves nos órgãos internos se a substância for absorvida pela pele, ingerida ou inalada. As partículas incandescentes causam queimaduras térmicas e químicas quando em contacto com a pele.

Escolas são alvos de guerra

Oficialmente, o Pentágono nega a utilização de fósforo branco. Porém, foi forçado a admiti-lo perante a evidência dos bombardeamentos contra a cidade iraquiana de Fallujah, em 2004. E o jornal Washington Post publicou fotografias de fuzileiros navais dos Estados Unidos equipados com projécteis de fósforo branco na chamada “batalha de Raqqa”. O leque de imagens divulgadas provou também o recurso a esse tipo de munições em operações militares norte-americanas fora do Iraque e da Síria.
De acordo com sobreviventes dos bombardeamentos das potências da NATO citados pela imprensa síria e internacional, as operações nas províncias de Raqqa e Deir es-Ezzor não têm evitado alvos civis de todos os tipos. Destruíram pelo menos 12 escolas, clínicas e um hospital, atingiram bairros residenciais, campos de refugiados, estabelecimentos comerciais, tanques de água, 15 pontes, mesmo um cortejo fúnebre.
A centralização de grande parte das operações dos ocupantes contra estas províncias pode corresponder à intenção de retomar a ideia original da criação de um “Sunistão” ou a outros projectos que venham a ser idealizados para uma nova fase da guerra contra a Síria que continua nos planos do Pentágono.
Raqqa, em tempos considerada “a capital do Daesh”, é uma cidade nas margens do rio Eufrates e que chegou a ter perto de 350 mil habitantes, restando hoje menos de 100 mil; a província albergava as principais infraestruturas de petróleo da Síria, principalmente refinarias, de que os terroristas se apropriaram para fazer contrabando de petróleo transportado do Iraque, na ocasião uma das suas principais fontes de receitas.
Hoje, as estruturas petrolíferas da província de Raqqa estão destruídas e a região, tal como a vizinha província de Deir es-Ezzor, é um território depauperado e desertificado.
Nem isso tem feito abrandar a intensidade dos bombardeamentos da “coligação”, apesar de o mundo, via comunicação social de largo consumo, continuar a responsabilizar os governos de Damasco, Moscovo e Teerão pela dramática situação da Síria e dos seus habitantes.



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