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O regime da Bielorrússia, com a sensibilidade de quem caça formigas com canhões, decidiu tentar resolver problemas internos através de um acto de pirataria internacional e acertou nos próprios pés. Ofereceu de bandeja a quem o ataca gratuitamente, jogando as cartas viciadas da geopolítica, um ás de trunfo que vai servir para acelerar, a partir de agora, as manobras de desestabilização e de mudança de regime que têm vindo a desenvolver-se. Para deitar a mão a um fascista mercenário de “revoluções coloridas” às ordens de Biden, Bruxelas & Cia o governo de Lukachenko acabou por provocar a mobilização geral da parafernália imperialista montada contra os “Estados párias” – e deu ainda mais alento aos múltiplos canais da russofobia. É provável, por isso, que o saldo da operação não lhe seja favorável, além de suscitar um óbvio agravamento do intervencionismo da NATO contra a Rússia. A situação gerada tem, por outro lado, a particularidade de escancarar a hipocrisia, a falta de decoro e de princípios das elites do chamado “mundo ocidental”, que entraram em delírio sem se darem conta das rasteiras em que a História as pode fazer cair. Enfim, um retrato multifacetado do mundo de hoje.
No dia 24 de Março deste ano, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, assinou o decreto 117/2021 no qual determina que a política oficial do seu regime é a de “reconquistar” a Crimeia à Rússia; e identifica o porto de Sebastopol como alvo prioritário desta estratégia. A iniciativa foi acompanhada pelo transporte de avultados meios de guerra, incluindo comboios de tanques, em direcção ao Leste ucraniano, a região onde Kiev tem mantido um cerco e actos de guerra contra as populações civis, essencialmente a cargo de unidades militares e paramilitares nazis. A decisão de Zelensky provocou uma reacção simétrica por parte da Rússia: reforço das capacidades militares na Península da Crimeia e nas imediações da fronteira oriental da Ucrânia. A comunicação social corporativa, sobretudo a “de referência”, só conta esta parte da história, encaixando-a na narrativa da “agressão russa”. Para se ter uma noção da real gravidade da situação, porém, é necessário conhecer o cenário completo.
A NATO e a União Europeia são duas criaturas do Plano Marshall. Estão intrinsecamente ligadas, formando as duas faces de uma mesma moeda: o lado militar e o lado civil. A NATO, contudo, está num plano superior ao da União Europeia porque, segundo os tratados, deve garantir a sua segurança. Por isso os jogos de guerra e as campanhas de propaganda sobre as supostas “ameaças” externas tornaram-se o quotidiano dos cidadãos europeus, com ou sem crises pandémicas. As sociedades europeias vivem sob uma cultura de guerra, sugerindo a todo o momento uma necessidade de “protecção” permanente dos Estados Unidos.
O relatório “NATO 2030: Unida para uma Nova Era”, elaborado por um conjunto de peritos fundamentalistas do belicismo convidados pelo secretário-geral, é um catálogo inquietante de reflexões atlantistas em que as ameaças e os preparativos de guerra – incluindo com meios nucleares – surgem apresentados como necessidades de defesa colectiva de uma entidade que se diz cercada por todos os lados. Segundo este cenário, a Rússia respondeu “com agressão” à “mão estendida” que a NATO lhe apresentou; e as actividades económicas e as tecnologias da China são “ameaças à segurança” dos aliados. Assim sendo, que venham mais mísseis e bombas nucleares para a Europa.
O presidente francês, Emmanuel Macron, disse um dia que a NATO está em morte cerebral, mas isso não é verdade. A aliança continua a crescer, inundando de pesadelos o imaginário dos povos. Agora instalou um novo comando naval em Norfolk, na Virgínia, Estados Unidos, certamente para garantir que os bons tenham cada vez mais meios de combate quando os maus decidirem de uma vez invadir e destruir a Europa Ocidental. E será que os Parlamentos dos países membros da aliança foram ouvidos em mais uma decisão que os subordina à cadeia de comando do Pentágono? Desta maneira se vai construindo a “paz mundial” de que tanto falam os discursos dos dirigentes da globalização.
Sejam quais forem os governos que estejam em funções, o projecto anti-russo da NATO avança inexoravelmente. Parece que ninguém controla o assunto e que a Aliança assume uma vida própria sobrepondo-se aos executivos dos Estados membros. A colocação de um dispositivo nuclear nos países bálticos, acompanhada por uma sucessão de jogos de guerra sem interrupção na mesma região, é um novo passo na criação de um clima de tensão cada vez mais próximo do conflito aberto. Tensão acompanhada por despesas militares em progressão constante, em prejuízo dos investimentos sociais nos países aliados. E aumentando exponencialmente o tráfego aéreo militar, enquanto a actividade da aviação civil é restringida por causa do COVID.
O processo de alargamento da NATO à zona Indo-Pacífico já começou. Foi criado oficialmente um grupo de trabalho para o efeito, não para reflectir a estratégia considerada mais adequada contra a China mas para a tornar pública e a justificar a posteriori, uma vez o trabalho concluído. Não existe qualquer diferença em relação ao período colonial, uma vez que se trata de conter a China, isto é, impedir o seu desenvolvimento. Tudo isto no âmbito imperial da Grande NATO Mundial no horizonte de 2030 – agregando Austrália, Nova Zelândia, Japão e outros países asiáticos.
Em 8 de Junho o secretário-geral da aliança Estados Unidos-NATO, Jens Stoltenberg, fez um discurso na nova e espampanante sede da organização em Bruxelas. Seguiu-se uma selecção de perguntas idiotas mas, apesar da previsibilidade das declarações banais de Stoltenberg e da cumplicidade dos entrevistadores, foi dito o suficiente para se perceber que a NATO ainda está à procura de inimigos para tentar justificar a sua periclitante existência.
Do Extremo Ocidente ao Extremo Oriente, a Eurásia é um conceito geoeconómico e geopolítico onde se mexem as pedras de um Grande Tabuleiro de Xadrez, assim definido por Zbigniew Brzezinski, um dos estrategos imperialistas a par de Henry Kissinger. Nesse cenário deverão ser enquadrados os passos em curso para um desanuviamento entre a União Europeia e a Rússia – para desespero da administração Trump – mas também as contradições existentes na redefinição de uma nova ordem internacional onde a parceria estratégica Rússia-China tem um papel cada vez mais determinante – descongelando a geoestratégia moldada pelo imperialismo.
A Europa está fechada. Enquanto isso, 30 mil soldados norte-americanos invadem o continente até Julho nas maiores manobras militares em 25 anos. O que acontece na altura em que o presidente dos Estados Unidos decide banir as entradas dos europeus no seu país. Em pleno combate à pandemia de coronavírus, prioridade à guerra.
Antes que a enxurrada de desinformação produzida pela comunicação social corporativa mistifique a história oficial destes dias de guerra, caos e ilegalidade na cena internacional é altura de descodificar a cadeia de acontecimentos para que seja possível distribuir responsabilidades e invalidar mentiras. Se os Estados Unidos da América, como é habitual e natural, sobressaem como os artífices de uma trama que ameaça o planeta, é importante notar que o “nosso mundo civilizado”, com a NATO e a União Europeia à cabeça, não fazem figura de inocentes. Aliás, nem o governo da República Portuguesa se salva.
Os exemplos sucedem-se, soltam-se do discurso oficial, passam pela comunicação social sem o menor sobressalto crítico e entranham-se na opinião pública como a mais inócua banalidade. Portugal já não governa os portugueses, o governo português delegou as decisões fulcrais sobre o destino dos portugueses em entidades, interesses e pessoas que não querem saber dos portugueses para nada a não ser como mão-de-obra barata ou membros de destacamentos armados envolvidos em policiamento colonial e guerras imperiais. A dignidade nacional esvaiu-se e chega perversamente a ser confundida com nacionalismo e populismo quando alguém ousa criticar o federalismo e a subserviência aos mecanismos imperiais.
O reforço da Informação Independente como antídoto para a propaganda global.
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