ORDENADO MÍNIMO E DESEMPREGO: MITOS E REALIDADES

2018-11-09
Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto
A teoria neoliberal professa que a subida de salários gera uma imediata e consequente subida do desemprego. Mais afirma que qualquer direito laboral acrescenta custos e, desta forma, desemprego. Nesta lógica, a luta dos trabalhadores por melhores salários e mais direitos laborais traduzir-se-ia por uma luta entre trabalhadores procurando uns expulsar os outros do mercado de trabalho. Os sindicatos seriam, assim, um malefício para os trabalhadores desempregados. Esta é a ladainha que nos vendem todos os dias.
No entanto, os países onde os salários são mais baixos e os direitos nulos ou inexistentes são aqueles em que o desemprego é, em geral, superior. Naturalmente o desemprego é mais baixo no Reino Unido, onde o ordenado mínimo se situa nos 1.463 euros por mês, do que no Mali, onde se fica por 43 euros por mês. Ou seja, é necessário ao trabalhador maliano trabalhar dois anos e 10 meses para receber o mesmo que o trabalhador inglês num mês! Serão os empregadores totalmente irracionais? Não deveria o Reino Unido enfrentar um desemprego tremendo e o Mali não ter um único desempregado?
A verdade, contudo, é que a teoria neoliberal sobre os salários, por não levar em conta factores como a qualidade das infraestruturas, a proximidade ao mercado consumidor, a segurança, os níveis educacionais da população, a estabilidade política e social, os níveis de corrupção, a cultura, e focando-se apenas no valor dos salários, não consegue dar uma visão correcta da dinâmica do mercado de trabalho.
Insistir, contra toda a evidência, que aumentar os salários gera desemprego, é simplesmente propaganda patronal disfarçada de teoria económica.
Salário Mínimo e Desemprego na Europa de hoje
Uma pequena comparação com base nos dados do desemprego publicados pelo Eurostat para Setembro de 2018 mostram que a taxa de desemprego é baixa na Holanda, no Reino Unido e no Luxemburgo, que são simultaneamente países com altos salários mínimos, e que a taxa de desemprego é elevada em Portugal, Espanha, Grécia e Letónia, países com baixos salários mínimos (Quadro 1).
Porque não migram as empresas do Reino Unido para Portugal e Espanha? Porque não aproveitam os baixos salários? Porque preferem continuar a acolher imigrantes, incluindo portugueses e espanhóis, a quem pagam muito mais do que deslocalizar os postos de trabalho para Portugal ou Espanha?
Não parece, pois, haver uma ligação directa entre nível salarial e desemprego.
Quadro 1
Salário Mínimo e Taxa de Desemprego

Salário Mínimo e Taxa de Desemprego
Fonte: Eurostat
Estados Unidos – Uma evolução a 10 anos
Nos Estados Unidos, existindo um valor mínimo, fixado federalmente, cada estado é livre de estabelecer um ordenado mínimo superior a esse limite (ver Quadro 2).
Nos últimos dez anos, alguns Estados resolveram aumentar o valor do salário mínimo e outros mantê-lo, alguns aumentaram marginalmente esse valor e outros aumentaram-no mais substancialmente. Note-se que, levando em conta a inflação, mesmo que muito baixa como foi, a manutenção do ordenado mínimo significou para as empresas uma baixa real do custo do trabalho.
Que previsões fazer para a taxa de desemprego em cada um destes Estados considerando a teoria neoliberal?
Simples, os Estados que aumentaram mais os salários tenderiam a agravar o desemprego e os que mantiveram/baixaram o nível salarial tenderiam a diminuir o desemprego.
Quadro 2
Salário mínimo nos EUA por Estado
(Valores em dólares por hora)

Que resultados podemos observar na realidade?
Consideremos como ponto de partida o ano de 2009, altura em que a taxa de desemprego exibia níveis muito elevados em todos os Estados, com o Michigan a ultrapassar os 13% e vários outros Estados acima dos 10%. Em 2018 essas taxas de desemprego caíram em geral na generalidade dos Estados, embora mais acentuadamente nuns que noutros.
Comparemos pois a subida do ordenado mínimo com a descida do desemprego (Ver Quadro 3).
Vemos que vários dos Estados que mais baixaram o desemprego, como o Michigan, a Califórnia, o Oregon e Rhode Island, foram simultaneamente dos que mais aumentaram o salário mínimo. Mas, simultaneamente, alguns Estados que não aumentaram o ordenado mínimo conseguiram reduções significativas do desemprego, o caso da Carolina do Sul, do Tennessee e da Carolina do Norte, entre outros.
Quadro 3
Estados que baixaram a taxa de desemprego em mais de 5% entre 2009 e Setembro 2018

Estados que baixaram a taxa de desemprego em mais de 5% entre 2009 e Setembro 2018
Considerando todos os Estados, teríamos um gráfico em que uma relação positiva entre aumento doc salário mínimo e diminuição da taxa de desemprego surge, embora não de uma forma muito pronunciada. Exatamente ao contrário do que prevê a teoria neoliberal (Quadro 4).
Quadro 4
Aumento do salário mínio e redução de desemprego (%)
2009-Setembro 2018

Aumento do salário mínio e redução de desemprego (%)
2009-Setembro 2018
De facto embora exista uma grande dispersão de resultados nos Estados que não aumentaram o salário mínimo durante este longo período, por outro lado nota-se uma forte redução do desemprego em Estados que aumentam significativamente o salário mínimo.
Conclusões
A aparentemente lógica e apelativa, para os empregadores, relação entre aumento do salário mínimo e aumento da taxa de desemprego defendida pela teoria neoliberal não se verifica, na prática, na grande maioria das circunstâncias. Facto que chega para a invalidar.
O caso Europeu é bem paradigmático, uma vez que persistem enormes disparidades nos níveis do ordenado mínimo, mesmo na presença de uma livre circulação de capitais e de um mercado único há décadas.
Esta disparidade nem sequer tem tendência a diminuir, antes se tem vindo a agravar. Note-se até que muitos países, França, Alemanha, Reino Unido, estão mesmo disponíveis a acolher trabalhadores de outros países da União pagando-lhes mais do que pagariam simplesmente deslocalizado a produção para o país de origem do trabalhador. Tudo isto vai ao arrepio da teoria neoliberal dos salários.
Também nos Estados Unidos, mesma moeda, liberdade de circulação de capitais, liberdade de movimentos e mercado único, os Estados que mais aumentam o salário mínimo conseguem reduzir a taxa de desemprego a níveis equivalentes ou superiores aos dos que reduziram ou mantiveram o ordenado mínimo.
A realidade mostra que a subida dos salários, por acção sindical, é positiva para as sociedades, para a redução da pobreza e para o desenvolvimento económico dos países.
A teoria neoliberal, por não levar em conta as variáveis mais importantes na evolução do mercado de trabalho, torna-se simplista, e a tomada de decisões na sua base errada e muito perigosa, quer para o desenvolvimento económico quer para os níveis de vida das sociedades.
*Economista, MBA