O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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NATO MULTIPLICA PROVOCAÇÕES À CHINA

2020-06-17

Brian Cloughley, Strategic Culture/O Lado Oculto

Em 8 de Junho o secretário-geral da aliança Estados Unidos-NATO, Jens Stoltenberg, fez um discurso na nova e espampanante sede da organização em Bruxelas. Seguiu-se uma selecção de perguntas idiotas mas, apesar da previsibilidade das declarações banais de Stoltenberg e da cumplicidade dos entrevistadores, foi dito o suficiente para se perceber que a NATO ainda está à procura de inimigos para tentar justificar a sua periclitante existência.

A novidade na lista de Stoltenberg é a China, que está muito longe do Atlântico Norte. A inimizade foi declarada quando o secretário-geral afirmou que “a China está a mudar decisivamente o equilíbrio global de poderes, acelerando a corrida pela supremacia económica e tecnológica, multiplicando as ameaças às sociedades abertas e às liberdades individuais e aumentando a competição contra o nosso modo de agir e os nossos valores de vida”. Stoltenberg pretende que a NATO se envolva com os Estados Unidos no confronto contra a China, que tem uma população de 1400 milhões de pessoas, a maior fronteira terrestre do mundo (22117 quilómetros) e uma costa de 14500 quilómetros (as costas dos Estados Unidos somam 19924 quilómetros) – um quadro que justifica amplamente uma grande força de defesa.

Estratégia de confronto

Stoltenberg protestou contra o facto de a China “já ter o segundo maior orçamento de defesa”. “Eles estão a investir poderosamente em capacidades militares modernas, incluindo mísseis que podem atingir todos os aliados da NATO”, disse. “Aproximam-se de nós no ciberespaço, já os vemos no Ártico, em África, investindo nas nossas estruturas críticas. Trabalham cada vez mais em conjunto com a Rússia. Tudo isto tem consequências de segurança para os aliados da NATO. Portanto, precisamos de ser capazes de responder a eta situação”.

Nada disto é consistente com o Tratado do Atlântico Norte, que é explícito ao declarar que os membros da aliança militar “se comprometem, conforme o estabelecido na Carta das Nações Unidas, a resolver por meios pacíficos qualquer diferendo internacional em que possam estar envolvidos, de modo a que a paz, a segurança e a justiça internacionais não sejam ameaçadas e a abster-se da ameaça ou uso da força nas suas relações internacionais de uma maneira consistente com os objectivos das Nações Unidas”. No entanto, Stoltenberg, sob orientação enérgica de Washington, ameaça com uma “abordagem global” da aliança contra a China. O facto de a Rússia e a China estarem “a trabalhar cada vez mais juntos” é um factor importante nas alegações de Stoltenberg para acelerar o confronto; e Washington aprova em absoluto as medidas que possam interromper a cooperação mutuamente vantajosa entre Moscovo e Pequim. 

Em Maio de 2020, membros da Comissão de Forças Armadas do Senado dos Estados Unidos propuseram uma “iniciativa de dissuasão no Pacífico” com o objectivo de expandir as forças militares norte-americanas na Ásia e “enviar um forte sinal ao Partido Comunista da China de que o povo norte-americano está comprometido em defender os interesses do país no Indo-Pacífico”. Deste modo, no início de Junho o senador Tom Cotton (que defende o recurso a soldados em armas para atacar manifestantes no seu próprio país) apresentou uma proposta de lei intitulado “Preparando a resistência operacional à expansão chinesa” (FORCE, na sigla em inglês) prevendo despesas de milhares de milhões de dólares. A finalidade é “contribuir para frustrar o principal objectivo geopolítico do Partido Comunista da China de empurrar os Estados Unidos para fora do Pacífico Oriental e alcançar a unificação através do Estreito de Taiwan pela força militar”.

Manipulação dos orçamentos militares

Não é surpreendente, portanto, que Stoltenberg tenha cavalgado a onda anti-China, mas a sua alusão ao orçamento de defesa de Pequim como o segundo maior do mundo é bastante enganadora. Destacou que os países da NATO “são 30, quase mil milhões de pessoas”, mas não mencionou o facto de as despesas militares de todas essas nações totalizarem mais de um bilião (um milhão de milhões) de dólares (1 036 077 000 000 dólares) em 2019, enquanto as da China foram de 261 mil milhões de dólares. Só os Estados Unidos gastaram 732 mil milhões de dólares – pelo que o resto da NATO despendeu 471 mil milhões, o que é decididamente superior ao orçamento militar chinês. Como Stoltenberg anunciou em 29 de Novembro de 2019, os membros da NATO “também estão a investir milhares de milhões em novos recursos, contribuindo para a implantação da aliança em todo mundo. Estamos, portanto, no caminho certo mas não podemos ser complacentes. Temos de manter o ritmo”.

Desequilíbrio nuclear

Há ainda a questão das armas nucleares. De acordo com a Arms Control Association, os Estados Unidos (que estão a modificar os seus caças multifuncionais F-15 Strike Eagle para receber bombas nucleares gravitacionais B61-12) têm “1365 armas nucleares estratégicas implantadas em 656 mísseis balísticos intercontinentais que podem ser lançados de submarinos e bombardeiros estratégicos”. No que diz respeito directamente à NATO, os Estados Unidos implantaram cerca de 150 bombas nucleares gravitacionais B-61 em seis bases da aliança em cinco países europeus: Aviano e Ghedi, em Itália; Buchel, na Alemanha; Incirlik, na Turquia; Kleine Brogel, na Bélgica; e Volkel, na Holanda. Além das 300 armas nucleares da França e das 200 britânicas.

A China tem cerca de 290 armas nucleares, de maneira que só com uma imaginação delirante se pode qualificar a situação como uma ameaça expansionista nuclear ou global. De facto, a razão pela qual a China entrou num programa de armas nucleares nos anos cinquenta foi a ameaça nuclear dos Estados Unidos, declarada pelo então chefe do Comando Aéreo Estratégico, o quase psicótico general Curtis LeMay, quando lhe perguntaram o que pensava fazer no caso de a trégua na Coreia ser interrompida por alguma acção militar chinesa: “Não existem alvos aéreos adequados na Coreia; no entanto, eu lançaria bombas nucleares em lugares apropriados como China, Manchúria e Sudeste da Rússia”. O que fez com que os alarmes tocassem em Pequim (e Moscovo) – e toquem desde então.

Além dos voos sobre o Mar da China Meridional por bombardeiros nucleares da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) e das manobras agressivas dos cruzadores equipados com mísseis da Marinha norte-americana, tentando provocar acções da China na região, o Pentágono está a operar o grupo de ataque do porta-aviões Ronald Reagan em águas próximas das Filipinas, enquanto o porta-aviões Theodore Roosevelt se prepara para partir de Guam. O comandante da Frota do Pacífico dos Estados Unidos anunciou em 8 de Junho que o porta-aviões Nimitz e o seu grupo de ataque deixaram San Diego “em apoio às operações globais de segurança marítima”; não há, porém, segredo sobre os seus objectivos operacionais: o director de operações do Comando Indo-Pacífico, almirante Stephen Koehler, disse à agência Associated Press que “os porta-aviões e os seus grupos de ataque são símbolos fenomenais do poder naval norte-americano. Estou muito satisfeito por termos três deles no momento”.

A imagem é de crescente cerco militar dos Estados Unidos à China, combinado com a pressão económica para enfraquecer o seu governo. Embora a NATO de Stoltenberg esteja ansiosa por participar nesta campanha para justificar a sua existência, a sua contribuição será insignificante, ao nível do absurdo. Stoltenberg afirma que “a NATO não vê a China como novo inimigo ou adversário”, mas pretende que a aliança “tenha em conta os efeitos na segurança provocados pela ascensão da China” – juntando-se assim às tropelias do Pentágono.

A NATO é um desastre e nada conseguiu com os envolvimentos no Iraque e no Afeganistão. Quando Stoltenberg afirma que a presença da aliança no Afeganistão permitiu que “os afegãos lutassem contra o terrorismo e estabilizassem o seu próprio país” entra pelos domínios do absurdo. O mundo, como um todo, só teria a ganhar se a NATO se dissolvesse silenciosamente.


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