AS PROTEÍNAS EM MÃOS ALHEIAS: QUEM DOMINA O QUE COMEMOS

2018-10-25
Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto
As proteínas são um componente indispensável da alimentação humana. Sem um consumo mínimo diário de proteínas, na ordem dos 0,8 gramas diárias por quilo do corpo, o ser humano não pode sobreviver (Pendick, 2015).
“A proteína é o principal componente estrutural de todas as células do corpo. Funciona como enzima e como hormona e é necessária para a produção de neurotransmissores, vitaminas, anticorpos, e outras moléculas importantes. As proteínas são constituídas por cadeias de aminoácidos, que por sua vez são geralmente divididos em duas categorias - essenciais (ou indispensáveis) e não essenciais. Os nove aminoácidos essenciais (histidina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, fenilalanina, treonina, triptofano e valina) não podem ser produzidos pelo corpo; é, pois, "essencial" que eles sejam consumidos na dieta” (IFI, 2011).
Atualmente as maiores fontes de proteínas da população mundial são os cereais, logo seguidos da carne e do leite. As proteínas de origem animal são consideradas “proteínas de alta qualidade” pois contêm todos os aminoácidos de que necessitamos e são mais fáceis de digerir e assimilar.
A Crise diminuiu o consumo de proteínas na Europa
A crise mundial do capitalismo iniciada nos Estados Unidos, em 2008, levou a fome e as dificuldades alimentares de muitos extratos populacionais a muitos países europeus. De acordo com os dados publicados pela FAO e comparando os dados do triénio anterior à crise (2007-2009) e o triénio de plena crise (2011-2013) verifica-se que o consumo de proteínas diminuiu significativamente em vários países (Quadro 1).
Mas nos mais ricos como a Alemanha, a Suécia ou a Holanda o consumo de proteínas não diminuiu ou até aumentou. Em contrapartida nos países mais pobres como a Roménia, a Grécia ou Portugal o consumo de proteínas reduziu-se.
Quadro 1
Evolução do consumo de proteínas em países Europeus
Comparação do triénio 2007-2009 e 2011-2013
Fonte: FAOSTAT
A redução ocorreu principalmente ao nível do consumo de proteínas animais. Em Portugal esta redução foi bem acentuada.
Quadro 2
Evolução do consumo de proteínas de origem animal em Portugal
Fonte: FAOSTAT
Redução de produção torna país dependente
De facto a produção de cereais em Portugal tem vindo a diminuir gradualmente ao longo das décadas, sendo em 2015 cerca de 25% mais baixa do que em 1961, 54 anos antes
Esta redução da produção explica-se, em parte, pela redução das áreas de cultivo, que sofreram uma redução de 86% entre 1961 e 2015. A queda da produção não foi maior apenas porque novas técnicas agrícolas permitem hoje um rendimento por hectare muito superior aos verificados em meados do século passado.
Esta política de redução da produção cerealífera não foi acompanhada por outros parceiros da União Europeia que pelo contrário aumentaram significativamente a sua produção (Quadro 3).
Quadro 3
Evolução da produção de cereais entre 1961 e 2015
Fonte: FAOSTAT
Os cereais transformaram-se no principal produto agroalimentar importado por Portugal, ultrapassando os 800 milhões de euros anuais. O principal fornecedor de produtos agroalimentares a Portugal é a Espanha logo seguida da França. De Espanha vêm parte muito significativa dos cereais que importamos.
Este lado oculto é sempre silenciado: Portugal baixa a produção, a Espanha aumenta e Portugal passa a importar os seus cereais de Espanha. Eis a estratégia seguida pelos dois países. Quem fica a ganhar?
Esta é uma forte e dupla debilidade estratégica do país. Dependemos de terceiros para assegurar a alimentação da população e esta dependência é muito acentuada em relação a Espanha o país vizinho e aquele que mais vezes procurou integrar o nosso país no seu Estado.
Conclusões
As proteínas são um componente essencial da alimentação humana. A principal fonte de proteínas são os cereais.
Em tempos de crise e redução de importações, os países que não asseguram a produção de cereais para consumo da sua população encontram-se fragilizados e expostos a maiores dificuldades.
A crise iniciada em 2008 significou a redução do consumo de proteínas por largos extratos da população dos países europeus simultaneamente mais pobres e mais expostos ao abastecimento externo de cereais.
Portugal reduziu de forma drástica a área cultivada de cereais e, em contraciclo com a generalidade dos países europeus, diminuiu mesmo a sua produção cerealífera, aumentando a sua dependência estratégica face ao exterior, nomeadamente face a Espanha.
Parece impor-se a conclusão que urge alterar as prioridades estratégicas do país e investir na produção de cerais, nomeadamente milho, a fonte mais relevante de proteínas na alimentação humana e também na alimentação animal.
*Economista, MBA
Referências
Abbot, J.C. (1996), “Protein Supplies and Prospects: The Problem”, World Protein Resources
IFI – International Food Information Council Foundation (2011), Protein and Health, [online] https://www.foodinsight.org/Content/3840/IFIC_ProteinFactSheet_FINAL.pdf, acedido a 22 de Outubro de 2018
INE – Instituto Nacional de Estatísticas (2013), Grau de autossuficiência alimentar
Pendick, Daniel (2015) “How much protein do you need every day?”, Harvard Health Blog, [online] https://www.health.harvard.edu/blog/how-much-protein-do-you-need-every-day-201506188096, acedido a 22 de Outubro de 2018
Riddet Institut (2013) Global Food Supply: the world need for protein