O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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A ORDEM RACISTA GOVERNA OS ESTADOS UNIDOS

O assassínio de George Floyd pela polícia do regime norte-americano

2020-05-30

Amy Goodman e Denis Moynihan, Democracy Now!/O Lado Oculto

Na segunda-feira 25 de Maio, Dia dos Caídos nos Estados Unidos, George Floyd suplicava pela vida enquanto Derek Chauvin, agente da polícia de Minneapolis lhe esmagava o pescoço com um joelho contra o pavimento. “Por favor, por favor senhor agente! Não consigo respirar, não consigo respirar”, suspirava George Floyd com as mãos algemadas atrás das costas. As testemunhas dos acontecimentos pediram repetidamente a Chauvin que abrandasse a pressão, mas o agente continuou com o joelho enterrado no pescoço de Floyd. Um devastador vídeo de dez minutos registou este assassínio em câmara lenta, cada respiração mais débil que a anterior. Até que o corpo inerte de Floyd foi atirado para uma maca e transportado numa ambulância para o hospital, onde foi declarada a morte.

A indignação foi em crescendo à medida que o vídeo se tornou viral. O irmão de George, Philonise Floyd, declarou à CNN: “Amo o meu irmão, todos amavam o meu irmão… Gostava-se dele à primeira vista. Ele gritava ‘mãe, mãe, não consigo respirar’, mas eles não quiseram saber. Realmente não compreendo o que temos de sofrer na vida. Não tinham qualquer razão para fazer isto”.

O procurador-geral de Minnesota, Keith Ellison, declarou num comunicado: “A sua vida era importante. Tinha valor… Vamos procurar justiça e havemos de encontrá-la”. Em declarações posteriores, Ellison acrescentou: “O que temos pela frente não é um caso isolado mas um problema de sistema. E tanto a investigação como a acusação estão a ter isso em consideração com o objectivo de chegar às últimas consequências. Estou certo de que o fazem com competência. Mas isso não porá fim ao assunto. O despedimento dos agentes não acaba com o assunto. O processo penal já iniciado não lhe põe fim. O processo de direitos civis não lhe põe fim. Necessitamos de uma mudança de sistema profunda e permanente”.

O presidente da Câmara Municipal de Minneapolis, Jacob Frey, declarou depois do assassínio de Floyd: “Ser negro nos Estados Unidos não deveria implicar uma pena de morte”. Frey exige a prisão de Chauvin e a família de Floyd pretende que os quatro agentes sejam acusados de assassínio.

A ordem e a justiça

A reverenda Bernice King, uma das filhas do Dr. Martin Luther King Jr., publicou no Twitter uma foto do agente Chauvin com o joelho apoiado sobre o pescoço de Floyd ao lado de icónica fotografia da estrela da Liga Nacional de Futebol Americano, Colin Kaepernick, com um joelho fincado no relvado de um estádio. O ex-capitão de equipa foi expulso da Liga por ter-se ajoelhado durante o hino nacional protestando contra a violência policial e a injustiça racial. O texto que acompanha o twitt diz: “Se não te incomoda ou te incomoda pouco o primeiro joelho, mas se o segundo te indigna, então, segundo as palavras de meu pai, ‘estás mais dedicado à ordem do que à justiça’. E mais apaixonado por um hino que supostamente simboliza a liberdade do que pela liberdade de viver de um homem negro”.

Enquanto as mortes por COVID-19 nos Estados Unidos superam as cem mil, com um impacto desproporcionado sobre as comunidades de cor, o assassínio e a violência da polícia contra pessoas de cor, cometidos com legitimação do Estado, continuam aparentemente sem tréguas.

Em 23 de Fevereiro, na Geórgia, Ahmaud Arbery foi assassinado a tiro por Travis McMichael e seu pai, o polícia reformado Gregory McMichael, depois de ter começado a correr. Em 13 de Março a polícia de Louisville, Kentucky, disparou oito vezes contra Breonna Taylor, provocando-lhe a morte. Taylor era técnica de emergência médica e tinha 26 anos. A polícia irrompeu por sua casa a meio da noite, entrando no apartamento errado à procura de um suspeito que já estava sob custódia.

Como tudo pode começar

Felizmente não temos de acrescentar o nome de Christian Cooper a esta trágica lista. Chris Cooper, afro norte-americano, estava a observar pássaros no Central Park de Nova York no Dia dos Caídos quando pediu respeitosamente a uma mulher que passava por ele para cumprir as regras do parque e por a trela no cão. A interpelada negou-se terminantemente, o que fez com que o homem gravasse a cena. A mulher telefonou aos serviços de urgência e disse a Cooper: “Vou dizer-lhes que há um homem afro norte-americano a ameaçar a minha vida”. Christian Cooper enviou o vídeo à irmã, que o publicou nas redes sociais, onde rapidamente atingiu os 42 milhões de reproduções. Alguém identificou a mulher como Amy Cooper (sem parentesco com Christian) e, como consequência da sua reacção violenta, foi despedida do emprego e a instituição de acolhimento de cães retirou-lhe o animal.

Ibram X. Kendi, director e fundador do Centro de Investigações Políticas Antirracistas da Universidade Americana, analisou o contexto histórico destes acontecimentos numa entrevista a Democracy Now!: “O que Amy Cooper fez é um típico início de violência racista. Temos uma mulher branca que utiliza como arma o seu privilégio de ser mulher e branca. Em vez de resolver o diferendo com a outra pessoa, cumprir as regras e por a coleira no cão vitimiza-se e chama a polícia, recorrendo a essa presunção de vítima para que a polícia a venha proteger. Muitas vezes os polícias acreditam realmente que a mulher branca está a ser ameaçada por um presumível predador afro norte-americano. Com excessiva frequência, a situação conduz a que a vítima desarmada fique ferida ou seja, inclusivamente, assassinada. Em 1955 acontecimentos semelhantes conduziram à tortura e linchamento de Emmet Till, com apenas 14 anos.

O professor Kendi lançou “The COVID Racial Data Tracker”, um website para documentar as disparidades raciais em torno da letalidade da pandemia, que afecta de maneira desproporcionada as comunidades de cor. Os dados estão a ser utilizados para desacreditar o argumento de que as pessoas de cor são mais afectadas pelo COVID-19 devido a circunstâncias congénitas. Kendi explicou: “Pelo menos em finais de Março, e certamente em princípio de Abril, eram pessoas latinas, afro norte-americanos e índios norte-americanos as que sofriam contágios e morriam de maneira desproporcionada. O quadro conduziu a um grande esforço dos movimentos de base, que exigiram a exposição dos dados raciais e a contestação da situação, uma vez que os Estados se negavam a vê-la. O indicador de predictibilidade fundamental das taxas de contágio e morte entre a população negra é o acesso a cuidados médicos, a seguros de saúde, assim como a contaminação do ar e da água e o tipo de empregos. Todas estas circunstâncias sociais da saúde são indicadores de previsão muito mais fortes em relação às taxas de morte e contágio do que quaisquer circunstâncias congénitas”.

As vítimas do COVID-19 e da polícia

Os afro norte-americanos representam 13% da população dos Estados Unidos mas significam pelo menos 25% das cem mil mortes por COVID-19 no país. A mesma disparidade acontece com a taxa de mortalidade entre os cinco mil norte-americanos assassinados pela polícia desde 2015: os afro norte-americanos têm o dobro da possibilidade de serem assassinados pela polícia do que os brancos. A violência policial é uma das principais causas de morte dos jovens de cor.

A pandemia revela o que os vídeos de telemóveis e câmaras vêm expondo cada vez mais e que as comunidades de cor há muito sabem: o racismo está bem vivo nos Estados Unidos e tem consequências letais.


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