ASSALTO À VENEZUELA: A UNIDADE SECRETA BRITÂNICA
2020-05-18
Álvaro Verzi Rangel*, Estrategia.la/O Lado Oculto
O governo conservador britânico de Boris Johnson criou uma Unidade Secreta” com o deputado venezuelano Juan Guaidó (autoproclamado “presidente interino”) com o objectivo de derrubar o chefe de Estado constitucional da Venezuela, Nicolás Maduro, para depois partilhar as riquezas do país, revela uma investigação do portal The Canary.
As revelações de The Canary demonstram até que ponto o governo do Reino Unido está comprometido com o derrube do governo constitucional venezuelano e sugerem que a “mudança de regime” na Venezuela segue o procedimento típico: os países que mais contribuírem durante a fase de desestabilização são os que podem esperar partilhar o bolo financeiro na fase de “reconstrução”.
A situação não é surpreendente, uma vez que é enorme a linha de apoio do Reino Unido às forças de direita na América Latina.
A oposição venezuelana (na realidade o bando de Juan Guaidó) assinou prometedores contratos com vários países (Estados Unidos, França, Espanha, Inglaterra, Suíça, entre outros) para que no final da “mudança de regime que está em curso” se proceda à “reconstrução da nossa pátria”. Ou seja, coordenam a destruição total do país para “reconstruí-lo” a seguir em função de negócios multimilionários.
De acordo com os documentos obtidos à luz da Lei britânica de Liberdade de Informação, o jornalista John McEvoy assinala que durante os últimos 16 meses o governo britânico tem apoiado o opositor Juan Guaidó nas suas tentativas para derrubar o governo constitucional venezuelano.
Acrescenta que, no final de Janeiro de 2019, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Commonwealth, ou Foreign Office, incitou o Banco de Inglaterra a permitir a Guaidó o acesso a 1200 milhões de libras de reservas de ouro venezuelanas.
Londres apoia golpe
The Canary informa que, durante a sua recente viagem a Londres, Guaidó teve uma reunião com o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Dominic Raab, com o ministro para as Américas, Christopher Pincher e o director para as Américas, Hugo Shorter, na qual participou o “chefe da Unidade para a Reconstrução da Venezuela”, John Saville.
A existência desta unidade nunca fora reconhecida publicamente nem pelo Ministério nem por Saville, que anteriormente foi embaixador do Reino Unido na Venezuela (2014-2017). A informação sublinha que a unidade participou nos planos de uma incursão violenta de mercenários dos Estados Unidos e venezuelanos na Venezuela, que acabou por fracassar em 3 de Maio. O Departamento de Desenvolvimento Internacional comprometeu-se com 40 milhões de libras, mas negou-se a revelar o seu destino.
Na realidade, o contrato completo da invasão divulgado recentemente por várias publicações, entre elas o Washington Post, designa Guaidó como “comandante em chefe” da operação.
O jornalista McEvoy afirma que a secreta “Unidade para a Reconstrução da Venezuela”, em conjunto com as conversações privadas do Ministério com a representante de Guaidó no Reino Unido, revelam até que ponto o governo britânico está comprometido com o derrube do governo constitucional venezuelano.
Três semanas antes da chegada de Guaidó a Londres, Saville partilhou uma declaração do Ministério dos Negócios Estrangeiros na qual se afirma que “o Reino Unido manifesta o seu apoio ao presidente constitucional interino Guaidó e aos seus esforços para conduzir a Venezuela no sentido de uma solução pacífica e democrática da terrível crise que o país enfrenta”.
“Estes documentos”, prossegue McEvoy, “sugerem também que a ‘mudança de regime’ na Venezuela segue o procedimento típico: os países que mais contribuem na fase de desestabilização são os que podem esperar partilhar o bolo financeiro na fase de reconstrução (…) Este episódio inclui-se na enorme linha de apoio do Reino Unido às forças de direita na América Latina”, conclui McEvoy.
Não se trata do primeiro escândalo deste tipo. Em Fevereiro de 2019 Guaidó recebeu assistência na fronteira venezuelana de um cartel narco-paramilitar colombiano antes de assistir a um concerto de “ajuda humanitária” organizado por Richard Branson. Segundo informações comprovadas e tornadas públicas, os fundos recolhidos no concerto seguiram para os bolsos dos membros do grupo de Guaidó e os alimentos apodreceram.
O compromisso do governo do Reino Unido de “por fim à terrível crise da Venezuela” através de uma unidade secreta do Foreign Office parece, por assim dizer, pouco sincero. A existência dessa unidade, assinala McEvoy, coloca uma pergunta fundamental: que negócios tem o governo do Reino Unido na “reconstrução” de uma nação soberana? Os povos do Iraque, do Afeganistão, da Líbia, da Síria podem ter alguma coisa a dizer a esse respeito.
Comunicação social apoia o golpe
As reuniões privadas em torno da visita de Guaidó a Londres também revelam a importância que o Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros e as figuras da oposição venezuelana dão à comunicação social. De imediato o Daily Mail começou a cobrir a situação venezuelana.
Em 17 de Janeiro de 2020 um funcionário governamental britânico assinalou que, durante a visita do deputado venezuelano, uma empresa de comunicação de Londres, que não identificou, “pretende que Guaidó venha às instalações para uma mesa redonda com os editores e poderá desempenhar uma função especial na ressurreição”. Outro funcionário não identificado exulta em 21 de Janeiro de 2020: “Esta visita tem campainhas”, o que significa um impacto massivo; “agora a CNN International quer estar entre a BBC e o Financial Times”.
A representante de Guaidó no Reino Unido
Outros documentos obtidos à luz da Lei britânica de Liberdade de Informação revelam discussões privadas entre a representante de Guaidó no Reino Unido, Vanessa Neumann, e funcionários do governo, conforme informa McEvoy.
“Gostaria de pedir uma reunião com o ministro Raab tão depressa quanto seja possível”, escreveu Neumann aos funcionários do ministério em Julho de 2019. “Sei que desempenhou o cargo de ligação jurídica do Foreign Office ao Tribunal Penal Internacional durante anos e os seus antecedentes familiares são quase idênticos aos meus e aos de Madeleine Albright”, disse em jeito de apresentação.
Em Maio de 2019 Neumman escrevera aos funcionários do mesmo ministério que “tinha contactado com Rory Stewart no Departamento de Desenvolvimento Internacional para uma reunião que apoiará os negócios britânicos na reconstrução da Venezuela”.
Uma abordagem que sugere a própria natureza da “reconstrução” britânica da Venezuela: a obtenção de condições favoráveis para os negócios. E todos podem adivinhar quais poderiam ser os interesses dos “negócios britânicos” num país que possui, segundo dados conhecidos, as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo.
“Somos consistentes na nossa opinião de que Maduro é ilegítimo (…) e no nosso apoio a Juan Guaidó”, assegurou a Neumann, em Maio de 2019, o chefe do Departamento da América Latina do Foreign Office, Nigel Barker.
Vanessa Neumann é cidadã venezuelana com nacionalidade norte-americana. Em 2010 fundou a empresa Asymmetrica, uma consultora que realiza investigações sobre assuntos governamentais alegadamente para “combater” finanças ilícitas. Complementa esta suposta actividade com assessorias dos Departamentos de Estado e de Defesa dos Estados Unidos.
Em Março de 2019 Neumann foi convidada por Leopoldo López, dirigente fascista venezuelano e amigo da família, para se tornar “enviada especial” de Guaidó para o Reino Unido. Tanto bastou para Neumann desenvolver esforços no sentido de tomar posse de um dos edifícios da Embaixada da Venezuela em Londres. Um mês depois, numa entrevista ao jornalista Mehdi Hasan, da cadeia de TV Al Jazeera, ignorou deliberadamente o histórico de intervenções militares dos Estados Unidos na América Latina ao afirmar em tom de brincadeira, e sem qualquer preocupação, que era “demasiado jovem” para ter vivido esses “incidentes”.
Os negócios de Neumann
Como presidente da empresa de “comunicações estratégicas” Asymmetrica, cujo website reproduz citações de Henry Kissinger, Vanessa Neumann trabalha com Alec Bierbauer e Michael Marks, estreitamente relacionados com os serviços militares e de espionagem dos Estados Unidos.
Bierbauer foi uma figura central do programa de guerra de drones de Washington; Marks trabalhou através do mundo na comunidade de inteligência e operações especiais dos Estados Unidos, uma carreira que se estende das selvas da Nicarágua às montanhas do Afeganistão. A designação “Asymmetrica” evoca as estratégias de “Asymmetrical Warfare” desenvolvidas desde o 11 de Setembro de 2001 e agora exportadas para a Venezuela.
Como representante de Guaidó no Reino Unido, a proximidade de Neumann com personalidades conotadas com a CIA e as forças armadas dos Estados Unidos pode surpreender mas, de facto, em 2017 declarou ao então director da CIA e hoje secretário de Estado, Michael Pompeo, que “a mudança de regime na Venezuela parece estar, esperamos, iminente ou em contagem decrescente”.
Em Maio de 2019 Neumann pediu em privado ao Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros que se pronunciasse “publicamente apoiando as nossas forças democráticas antes da minha entrevista de uma hora ao Serviço Mundial da BBC para debater esses assuntos”.
Pouco depois, um funcionário do Foreign Office comunicou-lhe que “o ministro dos Negócios Estrangeiros (então Jeremy Hunt) acaba de publicar um tweet de apoio a Edgar Zambrano”, uma figura oposicionista venezuelana acusada de traição, conspiração, rebelião civil, usurpação de responsabilidades, associação criminosa, instigação pública à desobediência à lei e participação em tentativa de golpe armado.
Democracia? Vontade do povo? Nada disso. Pirataria simples ocidental e cristã. Assaltar, impor sanções, bloquear, invadir um país para se apropriar das suas riquezas. Pior ainda, financiar a conspiração com os próprios bens confiscados ao país para saqueá-lo posteriormente. O único problema é que não podem partilhar-se os ovos antes de as galinhas os porem.
*Sociólogo venezuelano, codirector do Observatório de Comunicação e Democracia do Centro Latino Americano de Análise Estratégica (CLAE).