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COVID-19 NÃO TEM COR MAS DISCRIMINA

2020-04-18

Jorge Fonseca de Almeida*, Exclusivo O Lado Oculto

Uma Carta Aberta recentemente publicada pelo “Público” e subscrita por mais de trezentas pessoas e dezenas de organizações locais vem alertar para o desproporcionado perigo de vida a que as políticas governamentais têm exposto as comunidades negra, cigana e as pessoas mais pobres e vulneráveis; estas pessoas – “são as invisíveis do sistema: sem documentos, sem casa ou habitação digna ou que estão confinadas em prisões, centros educativos, de detenção e de acolhimento. São também quem trabalha sem contrato e quem não tem meios para trabalhar e estudar à distância”.

A Carta exige do governo um conjunto alargado de medidas que alterem radicalmente a situação. Desde logo na área da saúde.

                                                                             

                                                                                                                 Hospital Amadora Sintra

A Carta põe o dedo na ferida:

“Sabemos que os hospitais que recebem a maioria das populações que habitam nas periferias e no interior do país são os mais fustigados pelo desinvestimento público na saúde. É, por isso, urgente reforçar o número de profissionais e equipamentos, assim como garantir o acesso gratuito e universal a medicamentos, testes e material de prevenção de contágio”. 

A austeridade tem vindo a destruir o Serviço Nacional de Saúde, hoje muito reduzido em relação ao que já foi no passado. Essa austeridade fez-se sentir com maior intensidade nas zonas periféricas onde vivem as populações mais vulneráveis.



                                                                                                                   Bairro da Jamaica

                                                                          

                                                                                                                           Prisão de Caxias

As pessoas mais expostas

Essas zonas periféricas são os locais onde habitam as “populações que têm de continuar a trabalhar, expondo-se diariamente à pandemia”. É aí que moram negros, ciganos, imigrantes e as camadas em situação de pobreza da nossa sociedade. São os mais expostos e os que menos acesso à saúde têm. É aí que a mortalidade tende a ser mais alta.

Nos Estados Unidos, em França e noutros países sabe-se que estas populações estão a ser mais fustigadas e que nelas se verifica um número desproporcionado de mortes. Em Portugal o governo não tem dado informação sobre os dados étnico-raciais dos infectados e mortos, nem sobre a sua situação social. A ignorância não é a melhor base para o desenho de políticas. 

Os subscritores da Carta interrogam-se sobre “O que significa ‘quarentena’ quando se vive na rua, num acampamento sem água, electricidade ou saneamento básico, ou quando se habita no meio de escombros de um bairro em demolição?”. A quarentena traz à superfície toda a estratificação social da sociedade portuguesa, deixando desprotegidos os mais vulneráveis.

 E os presos? As condições nas cadeias portuguesas têm sido denunciadas por diversas organizações de direitos humanos. Sobrelotadas, sem condições de higiene, são focos de propagação da pandemia. A medida recentemente tomada de libertar um número muito reduzido de presos é insuficiente. Que se espera? Que morram dezenas de pessoas presas? 

E porquê manter encarcerados os que nos pedem asilo e os imigrantes que aqui procuraram uma vida nova e que estão actualmente em centros de detenção. A Carta Aberta apela: “Libertem-se os presos com dignidade e critérios justos e fechem-se os centros de detenção. Regularize-se, sem distinção, a situação de todos os imigrantes e refugiados”.

Ensino que discrimina

No capítulo do Ensino a Carta alerta: “Nas periferias e nos contextos rurais, a educação à distância, implementada pelo Ministério da Educação, está a deixar para trás milhares de crianças e jovens negros, ciganos, imigrantes e em situação de pobreza, que não dispõem dos meios tecnológicos nem dos contextos doméstico-familiares para este tipo de ensino. Esta exclusão impede a realização das atividades propostas e o desenvolvimento de competências desejado”. O recurso à telescola melhora, mas não resolve o problema. A entrega de computadores também não. Eles só servem se tiverem uma ligação à internet e a casa onde essas crianças habitem tenha electricidade. Sabemos que não é o caso de muitos.

Uma Carta Aberta oportuna e que vale a pena ler com cuidado, divulgar e que espera uma resposta do Governo em termos de adopção de medidas concretas para que o princípio da igualdade consagrado na Constituição não seja letra morta.  

*Economista, MBA


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