SNOWDEN: MEDIDAS DE EXCEPÇÃO SOBREVIVEM AO VÍRUS
2020-04-14
Thomas Macaulay, The Next Web (TNW)/O Lado Oculto
Governos de todo o mundo estão a usar medidas de vigilância com base em alta tecnologia para combater o surto de coronavírus. Mas será que valem a pena? Edward Snowden não pensa assim. O ex-agente da CIA cujas fugas de informação expuseram a dimensão do programa de espionagem dos Estados Unidos alerta que uma vez essas tecnologias postas em prática é muito difícil que regressem à fonte de onde vieram.
“Quando observamos as medidas de emergência que estão a ser aprovadas, particularmente nesta fase, devemos ter a noção de que elas tendem a ficar ‘coladas’”, disse Snowden durante a sua participação no Festival Internacional de Documentários de Cinema de Copenhaga.
Ou seja, as novas medidas tendem a ser dadas como adquiridas; a emergência tende a ser ampliada. Então as autoridades sentem-se confortáveis com as novas modalidades de poder. E começam a gostar.
Os defensores de medidas draconianas argumentam que os procedimentos habituais não são suficientes durante uma pandemia e que os riscos a longo prazo podem ser resolvidos logo que o surto seja contido. Mas uma curta suspensão das liberdades civis pode ser estendida rapidamente.
Os serviços de segurança não tardarão a encontrar novas utilizações para as tecnologias postas em aplicação. E logo que a crise passe os governos podem impor novas leis que tornem regras de emergência permanentes, explorando-as para reprimir a discordância e a oposição política.
Atentemos, por exemplo, nas medidas para monitorizar o desenvolvimento do surto seguindo os rastos de localizadores de telemóveis.
Trata-se de um método poderoso para acompanhar a propagação do vírus e os movimentos das pessoas infectadas. Mas é igualmente uma ferramenta tentadora para seguir supostos terroristas – ou quaisquer outros potenciais “inimigos” dos Estados.
Inteligência Artificial: “chave na mão para a tirania”
A inteligência artificial (IA) tornou-se um instrumento particularmente comum para monitorizar a vida sob a pandemia. Na China, os scanners térmicos instalados nas estações de comboios detectam os pacientes com febre; na Rússia, os sistemas de reconhecimento facial identificam pessoas que infringem as regras da quarentena.
O coronavírus deu até à Clearview AI a oportunidade para recuperar a sua reputação. A controversa startup de fiscalização das redes sociais está em negociações com governos no sentido de a sua tecnologia ser utilizada para seguir pacientes infectados, segundo o Wall Street Journal.
Um dos grandes atractivos da inteligência artificial é a sua eficiência, atribuindo probabilidades a diferentes grupos de pessoas. Demasiada eficiência, porém, pode ser uma ameaça à liberdade – é por isso que se limitam os poderes policiais através de medidas como a utilização de mandados e eventuais penalizações como a prisão.
A alternativa é o policiamento algorítmico, que justifica a força excessiva e a perpetuação do perfil de grupo ou racial.
Edward Snowden está especialmente preocupado com os serviços de segurança que adicionam inteligência artificial a outros sistemas de vigilância que já utilizam.
“Eles já sabem o que cada um está a ver na internet”, disse. “Eles já sabem o caminho percorrido por qualquer telefone móvel. Agora conhecem as frequências cardíacas, como bate o pulso de cada um. O que acontecerá quando começarem a misturar estes e outros dados e a aplicar a inteligência artificial?”
A procura de um equilíbrio
É difícil encontrar o equilíbrio adequado entre segurança e privacidade, sobretudo numa situação de crise global.
Edward Snowden não contesta a gravidade da pandemia. Em sua opinião, trata-se, porém, de um problema transitório que acabará por ser resolvido pelas vacinas e pelo “herd immunity”, a “imunidade do rebanho”.
No entanto, considera que as consequências das medidas agora introduzidas de novo serão permanentes. É por isso que a tecnologia aplicada nesta situação deve ser proporcional a cada fase do surto. A abertura dos governos e a informação das populações poderão garantir que as normas de emergência sejam compatíveis com o Estado de direito e preservem os direitos humanos básicos.
As medidas draconianas podem ser admissíveis se nos conduzirem através da pandemia. Mas devemos igualmente pensar no mundo em que queremos viver depois da contenção do coronavírus.