UE RELANÇA GUERRA CONTRA OS REFUGIADOS
2020-04-06
Pilar Camacho, Bruxelas; Exclusivo O Lado Oculto
A União Europeia, que continua a ser incapaz de estabelecer uma política humanitária comum para combater a pandemia de COVID-19, chegou a um acordo quanto ao envio de uma força naval de guerra para as águas da Líbia, alegadamente para reforçar o embargo da ONU ao tráfico de armas para as forças envolvidas na guerra em curso no país. A história, porém, não se cinge à versão oficial: trata-se de combater os refugiados.
Baptizada como operação “Irini”, paradoxalmente a palavra grega que significa paz, a força militar da União Europeia é montada para policiar os movimentos de tráfico de petróleo a que se dedicam facções tribais e as milícias de mercenários actuando na Líbia desde que a NATO destruiu o país, há nove anos; e também, sobretudo, para impedir as deslocações de refugiados a caminho da Europa, além de pretender treinar as várias guardas costeiras líbias na repressão das embarcações que se lançam no Mediterrâneo em direcção ao continente europeu.
A força naval da União Europeia será apoiada por meios aéreos e contará com informações obtidas via satélites. Ignora-se ainda como será composta a missão e quando se iniciará. O lançamento da operação foi estabelecido pelos 27 e embora não pareça ter havido muitas dificuldades quanto à opção pela sua militarização continua a haver um assunto tabu: o destino a dar aos refugiados recolhidos no mar – um assunto que é “tóxico” entre os Estados membros.
Um porta-voz do Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE) limitou-se a afirmar que existem acordos confidenciais sobre a colocação posterior dos refugiados que venham a ser recolhidos pelos barcos da operação “Irini” no cumprimento do direito marítimo internacional. No auge dos movimentos de refugiados em direcção à Europa um alto responsável do Frontex – a polícia que actua para garantir a “Europa fortaleza” – chegou a afirmar que a missão da organização não é salvar náufragos, pelo que apenas os recolhe por ser uma imposição internacional.
Segredos e documento confidencial
Convidado pelos jornalistas a ser mais explícito sobre a ligação entre a operação “Irini” e o combate à entrada de refugiados em território europeu, o porta-voz do SEAE declarou que “o plano operacional é um documento confidencial, um documento classificado, pelo que não tenho liberdade para entrar em pormenores”.
Segundo a Organização Internacional para as Migrações, cerca de 15500 refugiados tentaram já este ano entrar na Europa, fugindo às várias guerras em curso no Médio Oriente e no Norte de África nas quais países da União Europeia estão envolvidos.
Uma delas é a da Líbia, país desmantelado por uma agressão cometida pela NATO e onde Bruxelas apoia formalmente um dos “governos” do país, que actua a partir de Tripoli.
“A Líbia deve ser uma prioridade para a União Europeia”, considera Josep Borrel, o político espanhol que chefia actualmente a “política externa” da entidade. “Infelizmente a situação no país continua a ser muito crítica e requer acções urgentes”. Fontes da Comissão Europeia interrogam-se sobre se o reforço da militarização do conflito através do envio de mais meios de guerra para um cenário em convulsão contribuirá para resolver a situação.
Não é a primeira operação militar da União Europeia no Mediterrânio Central dedicada essencialmente à repressão das vagas de refugiados. Entre 2016 e 2019 esteve em acção a operação “Sophia” que, como realçam as autoridades em Bruxelas, foi responsável pela baixa significativa do número de pessoas que procuraram o continente europeu.
Isso não significou, porém, que a pressão tenha abrandado. A outra face da moeda foi o agravamento das condições em que são mantidos os refugiados nos campos de concentração geridos pelos traficantes de seres humanos na Líbia e que são financiados por países da União Europeia.
Além disso, a operação “Sophia” não evitou que continuassem a morrer centenas de pessoas ao tentarem atravessar o Mediterrâneo para chegar à Europa.
Antes de a NATO destruir a Líbia não existia qualquer fluxo de refugiados deste país para a Europa.