GRÉCIA, UM SATÉLITE MILITAR DE WASHINGTON
2020-02-15
A Grécia acaba de abdicar do pouco que lhe restava de soberania ao vender em saldo todas as suas bases militares aos Estados Unidos. A direita governamental acha que foi um “negócio muito vantajoso para os interesses nacionais”. E as hostes de Alexis Tsipras, ditas de esquerda, simplesmente abstiveram-se numa matéria fulcral para a independência do país. Já o embaixador dos Estados Unidos em Atenas, Geoffrey Pyatt, um dos arquitectos dos golpes da NATO na Ucrânia e na Macedónia, acha que se trata de um acordo essencial para “repelir actores maléficos” como a Rússia e a China.
Manlio Dinucci, Il Manifesto/O Lado Oculto
O Parlamento da Grécia ratificou o “Acordo de cooperação para a defesa recíproca”, que permite aos Estados Unidos a utilização de todas as bases militares gregas. As instalações militares servirão às Forças Armadas dos Estados Unidos para armazenar armamento, abastecer-se e fazer jogos de guerra mas também para a realização de operações de “resposta urgente”, isto é, missões de ataque.
Tornam-se especialmente importantes, neste âmbito, a base de Larissa, onde a Força Aérea norte-americana já armazenou drones MQ-9 Reaper, e a de Stefanovikio, onde foram instalados helicópteros Apache e Black Hawk.
O acordo foi definido pelo ministro grego da Defesa, Nikolaos Panayotopoulos, como “vantajoso para os nossos interesses nacionais, porque aumenta a importância da Grécia na planificação dos Estados Unidos”. Uma importância que a Grécia tem há muito tempo: basta recordar o sangrento golpe de Estado dos coronéis, organizado em 1967 no quadro das actividades da rede stay-behind da NATO e dirigido pela CIA; ao qual se seguiu o período dos massacres em Itália, iniciado pelo da Piazza Fontana, em Milão, em 1969.
No mesmo ano de 1967 instalou-se na Grécia, na baía de Souda na ilha de Creta, um destacamento naval norte-americano originário da base de Sigonella, na Sicília, sob as ordens do Comando dos Estados Unidos em Nápoles. A base da baía de Souda é actualmente uma das mais importantes estruturas aeronavais EUA/NATO no Mediterrâneo, utilizada nas guerras no Médio Oriente e em África. O Pentágono irá agora investir mais seis milhões de euros na baía de Souda, a somar aos 12 milhões a encaminhar para Larissa, apresentados por Panayotopoulos como um grande negócio para a Grécia.
O primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, informa, no entanto, que Atenas já assinou com o Pentágono um acordo para reforço da sua frota de caças F-16, que custará 1500 milhões de dólares à Grécia, país que se diz igualmente interessado em comprar drones e caças F-35 aos Estados Unidos.
A Grécia tem-se distinguido por ser o país da NATO, a seguir à Bulgária, que tem há mais tempo as despesas militares mais elevadas em percentagem do PIB: 2,3%.
Contra os “actores maléficos”
O acordo garante também aos Estados Unidos a “utilização ilimitada” do porto de Alexandroupoli. Situa-se no mar Egeu à beira do Estreito de Dardanelos, o qual, ligando em território turco o Mediterrâneo ao Mar Negro, constitui uma via fundamental de trânsito marítimo, sobretudo para a Rússia. Além disso, a região limítrofe da Trácia Oriental (a diminuta parte europeia da Turquia) é o ponto de chegada do gasoduto Turk Stream, que se inicia na Rússia e cruza o Mar Negro.
O “investimento estratégico” que Washington está já a efectuar nas infraestruturas portuárias pretende tornar Alexandroupoli uma das mais importantes bases militares dos Estados Unidos na região, de maneira a bloquear o acesso dos navios russos ao Mediterrâneo e, ao mesmo tempo, contrariar a China, que deseja fazer do porto do Pireu uma importante escala da Nova Rota da Seda – Iniciativa Cintura e Estrada (ICE).
“Estamos a trabalhar com outros parceiros democráticos da região para repelir os actores maléficos como a Rússia e a China, antes de mais a Rússia, que utiliza a energia como instrumento da sua influência maléfica”, declarou o embaixador norte-americano em Atenas, Geoffrey Pyatt, sublinhando que “Alexandroupoli desempenha um papel crucial para a segurança energética e a estabilidade da Europa”.
É neste quadro que se insere o “Acordo de cooperação para a defesa recíproca” com os Estados Unidos que o Parlamento grego ratificou com 175 votos a favor, do centro-direita ao governo (Nova Democracia e outros) e 33 votos contra (Partido Comunista e outros). Foram 80 os deputados que disseram “presente”, a fórmula do Congresso dos Estados Unidos que equivale à abstenção e está em uso no Parlamento de Atenas. Quem se absteve foi, deste modo, o Syriza, a coligação de esquerda radical chefiada por Alexis Tsipras. Anteriormente um partido de governo, agora de oposição num país que depois de ter sido obrigado a desbaratar a sua própria economia agora salda não apenas as bases militares mas também o que lhe resta de soberania.