O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

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FASCISMO BOLIVIANO PEDE APOIO A ISRAEL

2020-01-28

O regime racista e segregacionista que está em acção na Bolívia depois do golpe fascista contra o governo legitimamente eleito de Evo Morales pediu assistência de Israel para ajudar a reprimir as forças de resistência ao governo terrorista. Os golpistas de La Paz apostam assim na vasta experiência de Israel na guerra contra populações enraizadas e em limpezas étnicas para tentarem submeter especialmente as comunidades indígenas que conquistaram direitos durante os governos de Morales. Os colonialismos associam-se.

Maciek Wisniewski, La Jornada (México)/O Lado Oculto

Mario Payeras, o histórico comandante da guerrilha da Guatemala, costumava dizer que, na realidade, os movimentos revolucionários da América Central não se confrontavam com os corroídos regimes ditatoriais mas sim com conselheiros israelitas, taiwaneses e norte-americanos em guerras de baixa intensidade e contra-insurgência. O papel de Israel no apoio às sangrentas camarilhas da região foi especialmente nefasto. Quando até Washington retirou oficialmente o seu apoio, devido às crescentes denúncias de violações de direitos humanos na Guatemala, Telavive esteve mais do que apto para preencher o vazio e actuar como seu “substituto”.

A assistência, o armamento – “testado” no Líbano e nos territórios palestinianos ocupados “contra os revoltosos” – e outras tecnologias israelitas ajudaram a suprimir a guerrilha urbana e rural, juntamente com as suas bases de apoio, maioritariamente indígenas. Os generais guatemaltecos, seguindo os seus instrutores, impuseram a estratégia de terra queimada – igualmente “testada” no Médio Oriente: destruição de comunidades inteiras, transferências à força – falando abertamente na “palestinianização dos maias”.

Em El Salvador, Israel forneceu armas e treino ao exército e esquadrões da morte, responsáveis por múltiplos massacres. Desde então – e já num outro contexto dos movimentos sociais – esta assimetria estratégica estendeu-se globalmente através das novas doutrinas do Pentágono e da chamada “guerra contra o terrorismo”. 

Actualmente, nas Honduras após-golpe de 2009, minadas pela repressão e o assassínio de dirigentes sociais, a assistência israelita – venda/modernização de armamento e um inédito envio de mil militares para treinar os seus parceiros hondurenhos em tarefas de “anti-terrorismo” e de “contenção das migrações” – serve para sustentar o regime ilegítimo de Juan Orlando Hernández, o seu narco-Estado e reprimir os que o contestam. O mesmo está a acontecer na Bolívia – um outro capítulo da histórica cumplicidade de Israel no apoio a regimes fantoches. 

Fascismo pede ajuda ao sionismo

Semanas depois do derrube de Evo Morales, o ministro do Interior do governo de facto pediu assistência a Israel para lutar contra o suposto terrorismo de esquerda que “instaura o caos no país” – grupos alegadamente ligados ao presidente venezuelano Nicolás Maduro e aos narcotraficantes, uma associação bizarra que existe apenas na imaginação dos golpistas. O ministro convidou o regime israelita a ajudar os golpistas, “uma vez que está habituado a lidar com terroristas”, não interessando que a causa do caos na Bolívia seja o próprio golpe. Não interessando também que os verdadeiros terroristas sejam as forças policiais amotinadas que desencadearam a barbárie contra os que fazem frente ao golpe.

O suposto “terrorista nº 1” é, obviamente, Evo Morales, que pelo seu lado criticou a ajuda do governo sionista de Israel na criminalização da esquerda na Bolívia e a quem o novo governo proibiu de voltar a candidatar-se em eleições, além de lhe ter aberto um “processo por terrorismo e financiamento do terrorismo”. Como quem faz um “click”. Deste modo, nos próximos meses, além da repressão o Movimento para o Socialismo (MAS) confrontar-se-á com as manobras judiciais e eleitorais dos golpistas e ainda – como aconteceu aos movimentos da América Central nos anos oitenta do século passado – com os conselheiros israelitas numa guerra híbrida e irregular.

Além do vasto conhecimento de Israel em reprimir a resistência, neste caso a que resulta da contestação ao novo regime autoritário boliviano, a sua presença tem igualmente outro sentido: uma vez que o golpe na Bolívia tem tónicas supremacistas e racistas, de modo a reverter os tempos de poder favorável à população indígena e a recolonizar a esfera pública, vem muito a propósito a experiência de Israel em acções como a colonização da Palestina, realização de genocídios e limpezas étnicas, devastação da cultura de povos indígenas, apoio a um regime racista e segregacionista. 

Além de pretender derrotar as políticas anticolonialistas e anti-imperialistas do governo anterior, a extrema-direita boliviana procura dar uma grande volta à política externa do país. Uma das suas primeiras decisões foi restabelecer relações diplomáticas com Israel, que foram cortadas por Morales em 2009 depois do massacre israelita em Gaza (“Operação Chumbo Fundido”). Em 2010, o governo de La Paz reconheceu formalmente a Palestina como um Estado; e em 2014, depois de mais um massacre em Gaza, denunciou Israel na ONU por práticas de terrorismo de Estado.

Nas pisadas de Trump

Os novos desenvolvimentos acontecem num cenário de forte impulso de Israel – em sintonia com a Administração Trump – para liquidar a questão palestiniana e anexar os territórios ocupados, procurando somar apoios diplomáticos a esta violação do direito internacional. Na região, os primeiros países que testemunharam esse apoio são exactamente aqueles cujos exércitos e esquadrões da morte Israel treinou no quadro la luta norte-americana “contra o comunismo”: a Guatemala – o único país a fazê-lo, além dos Estados Unidos – também já mudou a sua embaixada para Jerusalém. As Honduras – que também receberam assistência nos anos oitenta para evitar que virassem à esquerda – já reconheceram Jerusalém como capital de Israel e prometeram fazer o mesmo. Em breve serão os golpistas bolivianos a pagar esse preço pelo apoio israelita ao seu regime. 


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