DERRUBE DO AVIÃO EM TEERÃO: HISTÓRIA MAL CONTADA
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2020-01-21
O Irão confessou: foram as suas defesas aéreas que abateram “por engano”, em 8 de Janeiro, o avião civil que fazia o voo 752 da Ukraine Airlines. Mas que circunstâncias externas interferiram na acção do operador do sistema de mísseis? Por que razão as comunicações do avião civil foram silenciadas? Estas e outras perguntas, associadas a factos que vão sendo apurados e às capacidades conhecidas da guerra cibernética, conduzem-nos para outros patamares de considerações; ou, no mínimo, para a constatação de que a história está muito incompleta, logo mal contada. As reflexões que se seguem, de alguém com experiência para saber do que fala, merecem ser conhecidas.
Philip Giraldi*, Global Research/O Lado Oculto
A alegação de que o major-general Qasem Soleimani era um “terrorista” com a missão de realizar um ataque “iminente” que mataria centenas de norte-americanos acabou por vir a revelar-se uma mentira. Então por que razão alguém deverá acreditar em mais qualquer outra coisa relacionada com os recentes desenvolvimentos no Irão e no Iraque? É certo que o voo 752 da Ukraine International Airlines (UIA), que partiu do Aeroporto Internacional Imã Khomeiny de Teerão na manhã de 8 de Janeiro com 176 pessoas a bordo, foi derrubado pelas defesas aéreas iranianas, o que o governo da República Islâmica admitiu; mas há mais elementos para a história que devem ser considerados, envolvendo a guerra cibernética praticada pelos Estados Unidos e, possivelmente, pelo governo de Israel.
Podemos ter a certeza de que as defesas aéreas iranianas estavam em alerta máximo perante a hipótese de um ataque norte-americano depois do assassínio de Soleimani pelo governo dos Estados Unidos, em 3 de Janeiro, seguido de um ataque iraniano com mísseis contra duas bases militares norte-americanas no Iraque. Apesar da tensão e da escalada, o governo iraniano não fechou o espaço aéreo do país. Os voos civis de passageiros continuaram a partir e a chegar a Teerão, quase certamente por um erro de avaliação das autoridades aeroportuárias. Inexplicavelmente, aviões civis continuaram a aterrar e a descolar mesmo depois de o voo 752 ter sido abatido.
Cinquenta e sete dos passageiros a bordo eram canadianos descendentes de iranianos, facto que levou o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, a apontar o dedo ao governo iraniano pela sua falta de cuidado; e também em direcção a Washington, constatando, com insatisfação, que o governo de Trump “aumentou as tensões” deliberada e imprudentemente – com um ataque nas imediações do aeroporto de Bagdade – sem ter em consideração o impacto sobre os viajantes civis em toda a região.
Surgem os mistérios
O que pode ter sido um caso de más avaliações e erros humanos, no entanto, inclui alguns elementos que ainda necessitam de ser explicados. O operador iraniano de mísseis foi alvo de um significativo “bloqueio” de acção e o transponder dos aviões parou de transmitir alguns minutos antes do lançamento dos mísseis. Registaram-se também problemas com a rede de comunicações do Comando de Defesa Aérea e que poderão estar relacionados com os outros factos.
O bloqueio electrónico com origem numa fonte desconhecida significou que o sistema de defesa aérea foi colocado em operação manual, necessitando de intervenção humana para efectuar disparos. O operador humano tinha, deste modo, de proceder a uma avaliação rápida numa situação de tensão na qual dispunha apenas de instantes para reagir. O facto de o transponder se ter desligado, deixando assim de comunicar ao operador e aos dispositivos electrónicos que o avião era civil, significou automaticamente que o aparelho era hostil. O operador, que fora especialmente informado sobre a possibilidade de entrada de mísseis de cruzeiro norte-americanos, disparou.
Os dois mísseis que derrubaram o avião foram disparados por um sistema fabricado na Rússia que a NATO designa como SA-15 e os russos definem como Tor. Os seus oito mísseis são normalmente montados num veículo rastreado. O sistema inclui um radar para detectar e seguir alvos, além de um sistema independente de lançamento que integra uma funcionalidade do sistema Identification Friend or Foe (IFF, identificação de amigo ou inimigo) com capacidade para ler sinais de chamadas e de transponder, de modo a evitar acidentes. Tendo em conta o que aconteceu naquela manhã em Teerão, é plausível supor que algo ou alguém interferiu deliberadamente nas defesas aéreas iranianas e no transponder do avião, possivelmente como parte de uma tentativa para criar um acidente de aviação passível de ser atribuído ao governo iraniano.
Mistificação electrónica
O sistema de defesa SA-15 ou Tor usado pelo Irão tem uma grande vulnerabilidade. Pode ser hackeado (informaticamente pirateado) ou “falsificado”, permitindo a um intruso fazer-se passar pelo utilizador legítimo e assumir assim o controlo. A Marinha e a Força Aérea dos Estados Unidos desenvolveram tecnologias “que podem enganar os sistemas de radar inimigos com alvos falsos e ilusórios”. Enganar o sistema significa também iludir o operador. O jornal britânico Guardian relatou com independência a maneira como as Forças Armadas dos Estados Unidos vêm desenvolvendo sistemas que podem alterar à distância os dispositivos electrónicos e os alvos dos mísseis de que o Irão dispõe.
É claro que a mesma tecnologia pode ser usada para alterar ou até mascarar o transponder de um avião civil, de modo a enviar informações falsas sobre a identidade e a localização do aparelho. Os Estados Unidos dispõem de capacidades de guerra cibernética para congestionar e alterar sinais relacionados com transponders de aviões e as defesas aéreas iranianas. Israel tem, presumivelmente, as mesmas capacidades.
“Meninos ricos” em bairro pobre
Jor Quinn, do portal Sott.net, regista também uma história interessante a partir de fotos e vídeos, que surgiram no New York Times e outros meios, mostrando o disparo dos mísseis iranianos, o impacto com o avião e os escombros após o acidente, incluindo os dos próprios mísseis. Foram publicados no dia 9 de Janeiro numa conta do Instagram pertencente a “Rich Kids of Tehran”. Quinn interroga-se sobre como poderiam os “Rich Kids (“meninos ricos”) estar “num bairro pobre dos arredores da cidade (perto do aeroporto) às seis da manhã de 8 de Janeiro com câmaras apontadas ao lado direito do céu a tempo de capturar um míssil atingindo um avião de passageiros ucraniano…?”
Juntemos os “Rich Kids” com as possibilidades de guerra electrónica e tudo nos sugere um acontecimento premeditado e cuidadosamente planeado e do qual o assassínio de Soleimani era apenas uma parte. Desencadearam-se imediatamente tumultos no Irão a seguir ao derrube do avião, com os manifestantes culpando o governo pelas suas inaptidões.
Algumas pessoas nas ruas de cidades iranianas estão a reclamar o desfecho há muito pretendido pelos Estados Unidos e Israel, ou seja, a “mudança de regime”. Se mais não houver, o Irão, que foi genericamente encarado como a vítima do assassínio de Soleimani, ficou a ser olhado, em grande parte da comunicação social internacional, como um actor sem princípios e com sangue nas mãos. Ainda há muito por explicar sobre o derrube do avião que fazia o voo 752 da Ukraine International Airlines
*Ex-especialista em contra-terrorismo da CIA e oficial de inteligência militar norte-americana que realizou serviços no exterior, designadamente na Turquia, Itália, Alemanha e Espanha. Foi chefe da base da CIA para os Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992 e um dos primeiros norte-americanos a entrar no Afeganistão, em 2001. Director-executivo do Council for National Interest, instituição cujo objectivo é promover uma política externa norte-americana no Médio Oriente que seja consistente com os valores e interesses dos Estados Unidos.