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EFEITOS DA CONSPIRAÇÃO DE LISBOA À VISTA NO IRAQUE

Protestos em defesa da soberania iraquiana junto à embaixada dos Estados Unidos em Bagdade

2020-01-01

Edward Barnes, Bagdade; Exclusivo O Lado Oculto

O novelo continua a desenrolar-se. As últimas notícias de que o Pentágono tenciona reforçar os seus contingentes de tropas no Iraque e no Koweit e as declarações de Donald Trump no sentido de obrigar o Irão a pagar “um preço muito alto” pelos mais recentes acontecimentos em território iraquiano desvendam a entrada numa nova fase da guerra dos Estados Unidos e Israel contra Teerão. Os resultados da recente reunião conspirativa de Lisboa começam a aparecer.

Depois do bombardeamento pretensamente “defensivo” de caças norte-americanos contra supostas instalações de uma organização político-militar que faz parte do governo do Iraque milhares de iraquianos saíram às ruas de Bagdade, em direcção da embaixada dos Estados Unidos, para manifestarem a sua indignação com o sucedido. Ao mesmo tempo que movimentavam helicópteros de guerra em defesa da embaixada, as autoridades norte-americanas faziam questão de responsabilizar o governo iraquiano do primeiro-ministro demissionário Adil Abdul-Mahdi pela segurança das suas instalações diplomáticas.

Os novos acontecimentos que explodiram no Iraque na sexta-feira, dia 27 de Dezembro, têm vindo a revelar que estamos perante uma operação representando uma nova escalada da guerra dos Estados Unidos e de Israel contra o Irão. E o Iraque está a ser transformado na principal plataforma da agressão.

Foi claro que quando o primeiro-ministro israelita em funções, Benjamin Netanyahu, e o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, se reuniram recentemente em Lisboa o Irão foi o tema central da conspiração. Desde então deveria esperar-se algo como o que está a acontecer.

Iraquianos defendem a soberania nacional

Em 27 de Dezembro, segundo a versão oficial dos Estados Unidos, o grupo paramilitar Kataeb Hezbollah, oriundo da comunidade xiita iraquiana, provocou a morte de um contratado civil norte-americano num ataque com rockets contra uma base militar ocupada por tropas de Washington e da NATO perto de Kirkuk, a zona petrolífera por excelência do Iraque. Este país está em situação de guerra e sob ocupação, pelo que as operações de resistência são inerentes às circunstâncias.

Para supostamente punir esse ataque, o Pentágono organizou um bombardeamento aéreo contra alegadas instalações do Kataeb Hezbollah na Síria e no Iraque, causando pelo menos 25 mortos e avultados danos materiais.

O bombardeamento provocou reacções imediatas na sociedade iraquiana. Além das manifestações contra a embaixada norte-americana, os protestos partiram igualmente das instituições de poder em Bagdade, inclusivamente do próprio governo e da assembleia legislativa. A mobilização nas ruas continua e não dá sinais de amainar.

Com o pretexto de proteger tropas e instalações diplomáticas destas acções em defesa da soberania nacional do Iraque, as autoridades norte-americanas anunciaram o próximo envio de quase cinco mil membros das forças especiais, sobretudo paraquedistas, por enquanto para território do Koweit. Este movimento de tropas significa a duplicação dos cinco mil efectivos de ocupação colocados no Iraque.

Apesar de o processo de desestabilização estar a ocorrer em território do Iraque – onde os Estados Unidos mantêm a segunda mais longa guerra da sua história, a seguir à do Afeganistão – Washington considera, para todos os efeitos, que o grande responsável é o Irão: a milícia Kataeb Hezbollah é “iraniana”, o governo de Bagdad age às “ordens do Irão”.

Tentação do golpe

O executivo de Bagdade de Abdul-Mahdi está demissionário na sequência de manobras conduzidas sob influência norte-americana desde que se tornou clara a sua recusa em alinhar-se fielmente com a política de Washington contra o Irão. Existem provas concludentes de que agitadores ao serviço dos interesses dos Estados Unidos manipularam o descontentamento popular contra o governo, considerado injustamente responsável por uma gravíssima crise económica provocada por uma guerra que dura há quase 17 anos.

A componente violenta dos protestos foi adquirindo uma conotação anti-iraniana – por supostamente o governo estar alinhado com Teerão – e culminou com o incêndio e a destruição de um consulado iraniano em território iraquiano. Não é difícil encontrar os desígnios de Washington nesta orientação dos protestos contra o Irão, país que, contudo, nada tem a ver com a crise económica e social sentida pelo povo iraquiano.

O incidente do consulado provocou a demissão de Abdul-Mahdi, desejada por Washington, embora o primeiro-ministro se mantenha em funções de transição. Nos meios políticos iraquianos não é segredo que os Estados Unidos pretendem instalar um novo governo que possam controlar em absoluto, não sendo de afastar a possibilidade de uma acção de força para atingir esse objectivo.

Estratégia delineada em Lisboa

Domínio total sobre o governo de Bagdade, desestabilização generalizada do Iraque e duplicação dos efectivos militares de ocupação formam um cenário propício para alavancar uma agressão contra o Irão, de modo a pagar “um preço muito alto” pelo que tem vindo a protagonizar em território iraquiano e em outras regiões do Médio Oriente, de acordo com a propaganda montada pelo Pentágono. Não restam também dúvidas, nos círculos políticos iraquianos cada vez mais revoltados com a ocupação norte-americana, de que os traços gerais desta operação foram delineados entre os Estados Unidos e Israel na reunião em Lisboa efectuada nos primeiros dias de Dezembro.

Não é seguro, no entanto, que o terreno esteja absolutamente livre para os Estados Unidos continuarem a desenvolver a estratégia. São cada vez mais generalizadas e fortes as vozes dos sectores políticos e institucionais, não apenas xiitas mas também sunitas, que exigem a retirada das tropas norte-americanas do Iraque. Os reflexos dessas posições estão muito presentes no cenário político-militar iraquiano nesta fase de grandes convulsões políticas e sociais. E são a principal palavra de ordem dos protestos populares.

Por outro lado, em círculos diplomáticos existe a convicção de que potências estrangeiras presentes na região estão muito atentas aos movimentos norte-americanos e à convergência destes numa frente contra o Irão. Assim como os Estados Unidos tentam usar a Síria e o Iraque como bases contra Teerão, também não é de excluir que a Rússia, presente na Síria, venha a manifestar disponibilidade para defender o Iraque das ameaças do Pentágono.

Parece evidente, porém, que há uma mudança qualitativa da administração Trump ao encontro das opções israelitas de guerra contra o Irão. O próprio presidente norte-americano tem vindo a ser um travão a uma intervenção militar directa. A sua nova política, agora designada de “pressão máxima” contra Teerão, significa uma alteração das circunstâncias. 


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