O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

O Lado Oculto é uma publicação livre e independente. As opiniões manifestadas pelos colaboradores não vinculam os membros do Colectivo Redactorial, entidade que define a linha informativa.

Assinar

TRAPAÇAS DA NATO FAZEM DOUTRINA NOS BALCÃS

A encenação de "massacres" nos Balcãs é um desumano mecanismo de propaganda usado pela NATO para despistar a História dos verdadeiros massacres da sua responsabilidade

2019-12-28

A história dos últimos 30 anos nos Balcãs, especialmente envolvendo os territórios da antiga Jugoslávia, está repleta de narrativas falsas sobre episódios de guerra que conseguem sobreviver às reposições da verdade alcançadas através de investigações internacionais digna de crédito. Por detrás da falsificação da história, da imposição da doutrina do absurdo e de uma justiça corrompida está a mesma entidade que as forjou para fazer vingar os seus interesses políticos, militares e geoestratégicos: a NATO.

Stephen Karganovich*, Strategic Culture/O Lado Oculto

As acusações de genocídio são, ao que parece, a última moda através dos Balcãs. No passado dia 5 de Dezembro, um ex-ministro do “governo” da NATO que ocupou e administra o Kosovo, Ivan Todosijevic, que por acaso é de origem sérvia mas um colaborador da maioria albanesa favorável à ocupação, foi condenado a dois anos de prisão. O tribunal considerou-o culpado de ter feito uma acusação ultrajante ao alegar que o “massacre genocida de Racak” foi uma impostura. Este episódio é considerado o detonador da agressão da NATO contra a Jugoslávia, em 1999. O veredicto foi alcançado em apenas dois dias, um período extremamente rápido segundo os padrões dos Balcãs, dando ideia das pressões exercidas sobre os magistrados pela NATO e os seus apoiantes estrangeiros, sempre muito sensíveis quando se trata da dúbia narrativa de Racak.

Para chegar a uma sentença tão dura, o tribunal do Kosovo terá certamente encontrado novas provas sobre o que realmente aconteceu em Racak, provas essas que nem o Tribunal Penal Internacional para a Jugoslávia (TPIJ) conseguiu produzir. Em 1999, o TPIJ alterou as suas acusações iniciais contra dirigentes políticos e militares sérvios para nelas incluir a responsabilidade pelo massacre de 45 civis albaneses em Racak. O incidente foi considerado um assassínio genocida a sangue frio de 45 camponeses albaneses indefesos, executado por uma unidade do exército jugoslavo depois de ter cercado e tomado a aldeia. É verdade que o ataque da NATO estava em andamento e todas as chocantes histórias de atrocidades serviam para reforçar o apoio público à campanha. Mais tarde, porém, quando os acontecimentos acalmaram e os promotores se viram obrigados apresentar qualquer prova credível do sucedido, o episódio de Racak foi silenciosamente abandonado pelo TPIJ devido à falta de evidências que sustentassem a acusação.

“Genocídio” a la carte

A razão pela qual Racak é tão importante para a construção da narrativa mitológica da história recente do Kosovo sob ocupação da NATO resulta do facto de ter servido como a “catástrofe humanitária” conveniente para justificar o desencadeamento de uma campanha militar contra a Jugoslávia que já fora previamente decidida.

O actor principal da operação foi um certo William Walker, oficialmente apresentado como um “diplomata dos Estados Unidos”, na época o chefe da Missão de Verificação do Kosovo. A sua chegada encenada a Racak e as repercussões públicas do modo como se disse chocado com o horror da cena do crime que encontrou preparou o palco da propaganda para o que viria a seguir. Na verdade, Walker já trazia desde o início da sua carreira uma nutrida experiência de circunstâncias deste tipo, organizando massacres reais de camponeses salvadorenhos durante a rebelião popular que eclodira em El Salvador contra o regime colonial pró-ocidental imposto no país.

William Walker, porém, revelou-se bastante desleixado e incorreu num erro crasso quando tratou de montar o falso massacre de Racak. Como as supostas vítimas eram membros da organização terrorista islâmica Exército de Libertação do Kosovo (ELK) liquidados numa legítima operação policial, os corpos tiveram de ser rapidamente preparados para uma exibição pública, ao mesmo tempo que eram apagadas ao máximo as informações forenses reveladoras do que efectivamente se passara. No processo aconteceram algumas incongruências que denunciaram o jogo. No barranco onde os corpos das vítimas foram dispostos para as imagens poderem ser captadas pela comunicação social estrangeira não havia sinais de sangue em redor dos cadáveres. As suspeitas de que os corpos foram vestidos à pressa com roupas civis que não eram as suas, para mascarar o facto de serem soldados, foram confirmadas pelo facto de os buracos nas vestes das vítimas não corresponderem, em geral, aos ferimentos de entrada das balas que as mataram.

Nenhum destes factos, aparentemente, incomodou o tribunal do Kosovo quando emitiu a sua severa pena contra Todosijevic por “incitamento ao ódio étnico, racial e religioso, à desordem e à intolerância” - apenas por revelar algumas destas incongruências.

Tanto a rapidez processual do tribunal como a natureza categórica das suas conclusões são compreensíveis à luz da importância de Racak na mitologia histórica anteriormente mencionada. O objectivo final não era o de condenar um pobre sujeito por falsidade ideológica mas por qualquer coisa muito maior do que isso. Racak é, simbolicamente, a pedra angular da própria narrativa emergente do “genocídio” dos albaneses do Kosovo. Não interessa que o episódio, utilizado durante o ataque da NATO contra a Jugoslávia em 1999, tenha sido esvaziado logo depois da restauração da paz. Recentemente foi reintegrado com convicção através da sentença que traz implícita a mensagem segundo a qual questionar com êxito a questão de Racak minaria mais a pouca credibilidade que a narrativa oficial ainda possa ter.

O caso de Srebrenica

Como fonte e modelo perenes – pelo menos nos últimos tempos – da epidemia de “genocídios” nos Balcãs, o caso de Srebrenica não poderia permanecer, previsivelmente, fora desse quadro. O alto representante para a Bósnia-Herzegovina, Valentin Inzko, parece determinado a não se deixar superar pelos albaneses do Kosovo. Assim como em Pristina o infeliz Todosijevik foi condenado pelos seus incautos comentários, em Sarajevo Inzko anunciou solenemente, já este mês, que usará finalmente os seus míticos “Poderes de Bona” para impôr uma lei capaz de punir qualquer negação do genocídio de Srebrenica naquele infeliz país.

A razão pela qual esta medida não foi adoptada há mais tempo resulta de uma particularidade do Acordo de Dayton, que exige consenso sobre questões de interesse vital; e também devido à inflexível recusa da entidade sérvia Republika Srpska em ser parte do processo de supressão de investigações académicas e das discussões públicas sobre os motivos dúbios que estão na base da acusação do “genocídio de Srebrenica” que pende sobre ela.

É interessante notar que os “Poderes de Bona” para anular e impôr leis e procedimentos na Bósnia, invocados por Inzko para contornar o impasse legal que impede a aprovação de legislação contra a negação de genocídio, são tão espúrios como o próprio “genocídio de Srebrenica”. A farsa já foi desmontada há vários anos pelo Dr. John Laughland. Os “Poderes de Bona” não são mencionados em qualquer passagem do Acordo de Dayton que pôs terno à guerra da Bósnia e estabeleceu os actuais mecanismos constitucionais deste país. No entanto, tais intrigantes “poderes”, cujas origens permanecem inexplicadas no website do Gabinete do Alto Representante para a Bósnia, foram invocados várias vezes ao longo dos tempos, e com êxito, quando se tratou de punir e demitir elementos eleitos que se recusavam a seguir a linha prescrita pelos poderes da NATO, aumentando muito as tensões e provocando danos no sistema político no país. 

A alegação de genocídio em Julho de 1995 em Srebrenica é tão vazia como a invocação dos “Poderes de Bona” que poderão vir a ser usados em breve na Bósnia para proibir que seja questionada. A narrativa de Srebrenica há muito que deveria ter entrado em colapso, mas a respeitabilidade que lhe foi conferida pelo facilitador-corrupto, o Tribunal Penal Internacional para a Jugoslávia, tem-na mantido, evidenciando-se assim o seu desonroso papel na perpetuação da fraude, inclusivamente já desmascarada por uma equipa de investigadores internacionais. Estranhamente, tratando-se de um “genocídio” aquilo que supostamente aconteceu em Srebrenica, não existem provas de dolus specialis ou de intenção prévia de aniquilar um grupo protegido pelas convenções internacionais. Quanto às provas físicas, mesmo os relatórios de autópsias do TPIJ, altamente manipulados, revelam uma descoberta de pouco menos de duas mil mortes, muito abaixo das oito mil proclamadas oficialmente. Essas mortes terão sido provocadas por causas muito variadas, tendo algumas centenas do total resultado de execuções.

Genocídio insustentável

Como se isso não bastasse, em 2012 o TPIJ decidiu formalmente que na cidade bósnia de Zepa ocorreu outro “genocídio” até então desconhecido, com um total de três vítimas (presidente do município, comandante militar e chefe religioso local), que terá sido suficiente para o considerar como tal. Segundo a opinião absurda do tribunal, o episódio foi elevado ao cobiçado título de “genocídio” porque as três vítimas eram os dirigentes fundamentais da comunidade, sem os quais esta entraria em colapso e se tornaria insustentável. Isto é, insustentabilidade é igual a extinção e extinção é igual a genocídio. A juíza Prisca Nyambe, membro do colectivo, insurgiu-se vigorosamente contra a decisão, mas sem êxito.

Com uma simplicidade infantil, a maioria dos contendores nos Balcãs adorariam ser “genocidados” pelos seus inimigos locais, desde que, no entanto, conseguissem sobreviver para contar a história à comunicação social sensacionalista. É uma pena que não haja adultos na sala para conter tal exuberância.

*Presidente do Srebrenica Historical Project


fechar
goto top