O RACISMO ENSINADO ÀS CRIANÇAS
2019-12-16
Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto
O racismo, discriminação de um grupo social com base em características fisionómicas reais ou imaginárias, assenta numa relação de poder profundamente injusta, estando intimamente ligado às sociedades modernas de cariz capitalista.
Em Portugal os preconceitos e o racismo são instilados nas crianças desde a mais tenra idade, como vários estudos o têm atestado. Nos manuais escolares, nos livros recomendados, na forma como a História do nosso país é contada, na ausência de educação inclusiva, são várias as formas de promover o racismo nas crianças e adolescentes.
“O Dragão” é um livro recomendado pelo Plano Nacional de Leitura para o 5º ano de escolaridade. Para crianças que começam a ganhar hábitos de leitura, para crianças ainda pouco capazes de uma leitura crítica dos textos recomendados, para crianças que aceitam como verdade o que os professores ensinam e os livros veiculam.
Trata-se de uma história simples, do reino do fantástico, onde um dragão surge do nada e cresce descontroladamente.
O livro, contudo, encerra uma série de mensagens que podemos e devemos questionar se é o tipo de educação que queremos dar aos nossos filhos.
Primeiro e mais grave é a propagação de preconceitos anti chineses, descrevendo duas vezes este povo como “amarelos” e fazendo, inclusivamente, “graças” com esse facto.
É aqui que Bernardo Silva e outros jovens aprendem a ser racistas e a não reconhecer o racismo, antes interiorizando que esses insultos são graçolas com piada.
Ora sabe-se, bastando uma simples observação rápida, que os chineses não são amarelos, antes mais brancos que a generalidade dos portugueses. Sabe-se também que desde sempre os chineses foram considerados pelos europeus como brancos, assim sendo sempre referidos até ao final do século XVIII.
A designação de amarelos tomou forma e proporção generalizada durante a Guerra do Ópio levada a cabo pelo Reino Unido contra a China no século XIX. Pretendendo demonizar o adversário os ingleses começaram a falar do “perigo amarelo” englobando chineses e japoneses.
Termo ofensivo
O termo “amarelo” é, como se percebe, pejorativo e ofensivo, mas no texto passa por neutro e factual. É assim que se propagam preconceitos raciais desde tenra idade.
Como se sentirão os alunos portugueses de etnia chinesa ao lerem um livro que os trata como “amarelos”, como se sentirão os outros alunos? Com liberdade para chamar “amarelos” aos seus colegas asiáticos? É isto que queremos ensinar às nossas crianças?
Negativo também o facto de o dragão ser aceite na família devido ao seu trabalho e não pelo afecto que a criança por ele nutria. Também errada é a designação República da China, quando o nome desse país é República Popular da China.
“O Dragão” é um livro que, por promover e naturalizar o preconceito racial, devia ser retirado urgentemente do Plano Nacional de Leitura.
A Autora
Maria Luísa Bliebernicht Ducla Soares de Sottomayor Cardia, escritora de livros infantis, tem uma vasta obra neste campo. A sua qualidade literária e didática não está em causa. Mas o que ensina neste livro às crianças é inaceitável num país democrático, etnicamente diverso e que queremos cultural e socialmente inclusivo.
*Economista, MBA