NATO: MATAR É O MAIOR NEGÓCIO
2019-12-11
Outro ângulo de abordagem da recente Cimeira da NATO: o do negócio. A NATO transformou a matança na normalidade vigente e fez disso o grande negócio que torna monstruosos os lucros do complexo militar e industrial que gere os Estados Unidos e comanda o império. E sendo essa matança “o maior negócio do Ocidente”, como escreve o analista geopolítico Peter Koenig, todos os argumentos são necessários para justificar a existência de uma aliança que, em boa verdade, não tem razões para existir – além de ser antidemocrática. Por isso, os “inimigos” são inventados para que o chorudo negócio da morte não morra.
Peter Koenig*, New Eastern Outlook/O Lado Oculto
Os resultados da cimeira de dois dias da NATO ainda estão quentes e dizer que a organização está perante uma crise é um eufemismo. A crise é de tal ordem que o presidente norte-americano, Donald Trump, cancelou a conferência de imprensa final argumentando que houve encontros suficientes com a comunicação social mas dando a entender, mais honestamente, que os conflitos entre os parceiros da aliança são tantos que não é conveniente expô-los mais perante a imprensa.
Ainda antes do seu início a Cimeira ficou marcada por declarações do presidente francês, Emmanuel Macron, afirmando que a NATO está em “morte cerebral”. Por uma vez tem razão. Trump acusou-o de ser “desrespeitoso” por recorrer a uma expressão não apenas inapropriada mas também insolente. O presidente dos Estados Unidos criticou Macron e todos aqueles que manifestaram qualquer tipo de dúvida perante a necessidade de continuar a existir uma aliança militar deste tipo.
Trump abandonou a reunião antes do encerramento. Há quem diga que essa saída precoce se deveu ao pouco entusiasmo com que os participantes encaram a persistente exigência de aumento do orçamento militar dos Estados membros para pelo menos dois por cento do PIB. Trata-se, de facto, de impôr um exercício de gastos adicionais de recursos que a maioria dos países poderia usar em programas sociais muito necessários.
Os miolos da marionete
Os derrotados da reunião foram Trump, a NATO – e, certamente, a marionete da aliança, Jens Stoltenberg, o secretário-geral mais tempo em funções na história recente, desde 2014 e para continuar. Ainda há quem se interrogue sobre as razões pelas quais sendo Stoltenberg um político norueguês com carreira feita e com miolos para pensar por conta própria luta desta maneira por uma causa perdida. Stoltenberg sabe muito bem que a Rússia e a China não são inimigos do Ocidente, que são perigos inventados por Washington porque o império necessita deles para continuar a instigar conflitos e a travar guerras de biliões de dólares de modo a alimentar os lucros do complexo militar e industrial.
Porque sim, caro leitor, no nosso mundo neoliberal, aliás cada vez mais inclinado para um mundo de comportamentos fascistas, matar é bom para os negócios – na realidade, matar é o maior negócio do mundo ocidental.
Já se deu conta de uma coisa? A NATO institucionalizou a matança como a nova normalidade. E para sustentar essa eterna “guerra contra o terrorismo”, que alimenta grande parte da economia dos Estados Unidos, é importante brandir a permanente iminência de um ataque terrorista – para manter vivo o medo, o armamento fluindo, a produção de armas em andamento, justificar o abuso policial e militar, a brutalidade e a repressão, instalando de tal maneira o controlo militar de modo a que nenhum “estado de sítio” necessite de ser declarado. E de facto, aterradas com as permanentes ameaças de que lhes falam, as pessoas aceitam as correspondentes manobras de protecção. Os condenados pedem aos carrascos que os vigiem. A que ponto nós chegámos!
Terroristas e silenciosos
Tomemos como exemplo o caso recente do esfaqueador da Ponte de Londres e também a emergência quase simultânea de outros acontecimentos “terroristas” aleatórios através do mundo. Parece que o assaltante londrino era conhecido da polícia, esteve detido e foi libertado por “bom comportamento” antes de cumprir a pena. Durante o ataque foi subjugado por transeuntes ainda na ponte, ficou imobilizado no chão e já não representava perigo para ninguém quando foi morto a tiro pela polícia. Por que razão? Para evitar que falasse?
Isto acontece com quase todos os autores de ataques terroristas “aleatórios”. São silenciados e parece que ninguém se interroga por quê. No entanto, num Estado de direito em que dizem vivermos no Ocidente, os meliantes deveriam ser presos, interrogados e julgados.
O atacante com arma branca que agiu quase simultaneamente em Haia, na Holanda, conseguiu escapar muito convenientemente; caso isso não acontecesse, a situação poderia ser embaraçosa. O problema é que as pessoas ainda aceitam justificações e explicações de mentirosos como o primeiro-ministro Boris Johnson.
O que está vivo e de boa saúde, pronto a ser usado com detidos vulneráveis libertados “precocemente”, é o MKUltra, o programa de controlo mental da CIA. Nasceu da espionagem da Segunda Guerra Mundial e foi desenvolvido na década de sessenta; e continua bem vivo hoje, apenas mais sofisticado do que ontem. Surpreendentemente – suprema maravilha – é que, tanto quanto se sabe, os rastos de qualquer destes terroristas “aleatórios” manejando facas ou brandindo armas não nos levaram até à Rússia.
Publicidade enganosa
Uma pergunta: será que os que predicam e defendem uma NATO “sem cérebro” estão a conduzir a NATO a uma “morte cerebral”.
Não necessariamente, porque os pregadores atlantistas têm uma agenda clara – ou várias agendas. A NATO, sediada e dirigida em Washington, mas financiada pela Europa, não serve nenhum dos objectivos em que pretende fazer acreditar e sobre os quais mente: ser uma força de defesa contra os riscos de a Rússia invadir a Europa; e, mais recentemente – porque este argumento cada vez convence menos a maioria dos membros da aliança – o de que é uma máquina de defesa contra uma China beligerante avançando rapidamente. Sim, agora parece ser a China o novo argumento sem qualquer sentido da Aliança Atlântica. A China, uma nação pacífica à procura de cooperação com o Ocidente, não de guerras e conflitos.
Os dirigentes europeus, aqui chegados, já teriam razões para começar a pensar de maneira diferente – esperemos então que reavivem os seus adormecidos cérebros, que acordem. A realidade é que tanto a China como a Rússia oferecem à Europa relações económicas e comerciais sem qualquer coacção. E a nova rota da seda chinesa, aliás Iniciativa Cintura e Estrada (ICE), é atraente, ainda que seja abertamente alvo de críticas para agradar aos déspotas de Washington. E a Europa tem vindo a perceber, através das experiências de alguns Estados, que a participação na ICE é uma aposta ganha a longo prazo. Os chineses dizem, creio que com razão, que “estamos a construir um futuro comum para a humanidade”. Por outro lado, quase nada sai de Washington que não seja imposto ou coagido aos países, sob ameaça de sanções. As relações com a Rússia e a China são diametralmente diferentes: as propostas são pacíficas, não conflituosas.
É claro que intimidar a Europa com as “ameaças orientais” é uma estratégia débil e inconsequente, parecendo até um derradeiro e desesperado movimento dos chefes do império, ou melhor, daqueles que mexem os seus cordelinhos por detrás dos dirigentes designados – entre os quais Trump é um exemplo.
Não é difícil adivinhar quem são os manipuladores desses cordelinhos, também conhecidos por “Estado profundo”. Eles não estão tão afastados da nossa vida quotidiana quanto poderíamos imaginar. São omnipresentes entre nós.
Os 2% do desperdício
O segundo ponto da agenda dos comandantes da NATO, não tão desmiolados neste caso, são as razões que estão por detrás da imposição de garantir dois por cento do PIB de cada Estado membro para as despesas militares. Deduz-se, por certo, que os armamentos a comprar com essas verbas devem ser de fabrico norte-americano e não russos ou chineses. Caso contrário, muito cuidado! Ainda não estão resolvidos os dissabores causados pela Turquia ao comprar sistemas de defesa aérea S-400 russos e não os obrigatórios Patriot dos Estados Unidos.
Supõe-se, portando, que os gastos adicionais de defesa sejam feitos nos Estados Unidos – aumentando ainda mais os lucros do complexo industrial e militar – e enfraquecendo a Europa, já oscilando à beira da recessão. E uma Europa enfraquecida não fará tanta concorrência a Washington, é mais controlável e pode ser ainda mais manipulada. Os dirigentes europeus têm razões de sobra para perceber estes mecanismos. Todas as principais recessões induzidas pelo sistema Reserva Federal (FED)-Wall Street atingiram a Europa. Basta recordar o episódio recente de 2008/2009. Isto não acontece acidentalmente.
Outra recessão está a bater à porta. Mais gastos militares irão piorar ainda mais a situação. Seria importante que os europeus pensassem em gastar esses dinheiros “extra” na abertura de novas relações, novas avenidas com o Leste, a Rússia, a China, a Ásia Central, a Organização de Cooperação de Xangai (OCX), uma opção que certamente ajudaria a impedir que a Europa caísse em mais um abismo recessivo. A Iniciativa Cintura e Estrada da China poderia permitir a construção de pontes susceptíveis de travar uma recessão europeia.
Em terceiro lugar, uma vez a Europa armada até aos dentes no quadro da NATO qualquer proposta sobre um sistema de defesa europeu – a ideia de Macron, apoiada aberta ou secretamente pela maioria dos membros da União Europeia – morderia o pó da derrota, pelo menos num futuro próximo. Além disso, com tantas armas e tantos mecanismos de defesa é necessário encontrar um inimigo que justifique tal apetrechamento para a guerra. Neste caso, segundo Washington, maior pressão sobre Moscovo e Pequim seria mais aceitável pela Europa, aproximando-a ainda mais dos Estados Unidos.
Os povos europeus fogem da NATO
Entretanto, se a democracia fosse democracia e perguntassem aos povos da Europa o estado da sua lealdade em relação à NATO, a maioria deles responderia, numa média próxima dos 70%, que desejam sair da NATO.
Em alguns países, como a Itália, essa percentagem pode até exceder os 80%. É claro que a NATO está condenada, não é necessária, a sua existência não tem qualquer justificação. Não há inimigos reais para a Europa, todos eles foram inventados para justificar o armamento e a guerra – matança. Washington é o único perigo real e actual, não apenas para a Europa mas para todo o mundo. A criação de inimigos por Washington conduz a uma produção económica baseada na destruição e na matança. É este o mundo em que vivemos! Está na hora de acordar e liquidar a NATO.
*Economista e analista geopolítico. Especialista em recursos hídricos e ambientais. Trabalha há mais de 30 anos com o Banco Mundial e a Organização Mundial da Saúde nas áreas do meio ambiente e da água.