ESCÂNDALO: FALSIFICADOS OS RELATÓRIOS DE ATAQUES QUÍMICOS
2019-11-25
Documentação fidedigna entregue ao website WikiLeaks por um membro da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ, OPCW em inglês) confirma que esta entidade falsificou relatórios sobre supostos ataques químicos na Síria de maneira a responsabilizar o governo de Damasco pelo crime. Um desses acontecimentos falsificados esteve na origem no ataque com mísseis de cruzeiro contra território sírio realizado por Estados Unidos, França e Reino Unido em 14 de Abril de 2018.
Federico Pieraccini, Strategic Culture/O Lado Oculto
As revelações – cuidadosamente ignoradas pelos grandes media corporativos – lançaram alguma luz sobre uma emaranhada teia de acontecimentos em que uma comunicação social cúmplice e a hipocrisia dos principais dirigentes políticos mundiais actuam com arbitrariedade para atingir objectivos depois considerados legítimos pela opinião pública. Estão nessa situação alguns comportamentos da OPAQ e a própria prisão do fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que corre perigo de vida na prisão londrina onde continua detido sem culpa credível formada.
Um informador de dentro da OPAQ entregou ao WikiLeaks documentos autênticos relacionados com as investigações do suposto “bombardeamento químico” na área de Duma, na Síria, em 7 de Abril de 2018. Os documentos confirmam o que muitos jornalistas independentes vêm escrevendo há meses, ou seja, que as investigações e conclusões conduzidas e apuradas pela OPAQ foram fabricadas para atingir objectivos premeditados que levassem à descredibilização e punição do Exército Árabe da Síria e do governo legítimo de Damasco. Objectivos esses em consonância com as estratégias de agressão à Síria conduzidas pelos Estados Unidos, Israel, França, Arábia Saudita, Turquia, Qatar e Reino Unido.
Relatórios à medida da agressão
Os relatórios falsificados da OPAQ foram elaborados à medida da aplicação da fórmula R2P (right to protect, responsabilidade de proteger), uma das vias a que os Estados Unidos e os seus aliados recorrem para lançar as “guerras humanitárias” e bombardear países soberanos.
A existência de um ataque químico cometido pelo exército regular sírio parecia, na ocasião, ser a via mais directa para desencadear um caso de R2P e atingir objectivos pretendidos pelas políticas externas das nações ocidentais por detrás da guerra contra a Síria. Contudo, o que agora se sabe através dos documentos em poder de WikiLeaks é que a Organização para a Proibição de Armas Químicas, entidade agraciada com um Prémio Nobel pelas suas actividades, falsificou relatórios e procedimentos em vez de garantir imparcialidade e objectividade.
Segundo as palavras de José Bustani, primeiro director-geral da OPAQ e ex-embaixador do Brasil no Reino Unido e em França:
“As provas convincentes do comportamento irregular da OPAQ no suposto ataque químico de Duma confirmam as suspeitas e dúvidas que eu já tinha. Eu não conseguia entender o que ia lendo na imprensa internacional. Até relatórios oficiais sobre as investigações pareciam incoerentes, na melhor das hipóteses.
Certamente que o quadro está agora muito mais claro, embora seja muito inquietante. Sempre esperei que a OPAQ fosse um verdadeiro paradigma de multilateralismo. A minha esperança é que as preocupações manifestadas pelo Painel da organização, na sua declaração pública de consenso, catalisem um processo através do qual a organização possa ressuscitar de modo a tornar-se um órgão independente e não discriminatório como costumava ser”.
Bandeira falsa
Deste modo, o corpo que deveria garantir a imparcialidade tornou-se conivente numa operação para considerar Damasco responsável por um crime que não cometeu, apenas para que o Ocidente tivesse o seu pretexto para conduzir uma campanha de bombardeamentos contra a Síria.
Graças a este mecanismo perverso, qualquer testemunho obtido dos sírios no local, de jornalistas estrangeiros independentes ou de quaisquer outras fontes não aprovadas foram sumariamente rejeitados pela imprensa europeia e norte-americana por serem tendenciosos e não confiáveis.
As revelações do WikiLeaks constituem, assim, uma oportunidade de olhar para além da cortina e compreender os mecanismos que levam a milhões de mortes, à destruição de países e à perda de gerações. Já se observara no passado de que maneira um poder hegemónico como o dos Estados Unidos actua, designadamente fabricando pretextos como a “existência de armas de destruição massiva”, e como está disposto a recorrer a viciações e à trapaça numa região estratégica como o Médio Oriente.
No ataque químico de Duma podemos agora identificar, sem quaisquer dúvidas, uma operação de bandeira falsa perpetrada por membros da al-Qaida (retratados no Ocidente como “rebeldes moderados” que lutam bravamente contra Assad), na qual a OPAQ assumiu um falso papel de árbitro imparcial e os grandes media corporativos condicionaram a opinião pública ampliando as mentiras resultantes do processo. Claro que a manipulação da opinião pública teve como objectivo, por seu lado, aceitar o uso da força para pôr fim ao sofrimento da Síria supostamente provocado pelas forças de Assad.
A legitimidade assim reconhecida à al-Qaida e suas filiais permitiu que os terroristas realizassem ataques contra civis na Síria usando armas químicas com o objectivo de culpar as tropas do governo, justificando assim um apoio internacional directo de países como os Estados Unidos, a França e o Reino Unido. E para garantir o êxito da conspiração, os relatórios fraudulentos da OPAQ forneceram os pretextos “humanitários” para a intervenção internacional.
Todo este assunto é ainda mais inquietante se considerarmos a questão da ética jornalística. Os jornalistas poderiam muito bem ter feito o seu trabalho de forma adequada investigando o ataque químico de Duma, recolhendo depoimentos de testemunhas e gravando imagens. Em vez disso, os meios de comunicação repetiram a propaganda ocidental ampliando as informações comprometidas da OPAQ.
Afinal, ficou a cargo de WikiLeaks exercer o verdadeiro jornalismo publicando as informações verificadas do membro da OPAQ e desmontando assim um enorme escândalo que mina a credibilidade das proclamações ocidentais sobre a situação na Síria.
A máquina de propaganda corrompe
Percebem-se, deste modo, as razões pelas quais Assange está atrás das grades enquanto os âncoras dos grandes media corporativos ganham milhões de dólares transmitindo ao público a propaganda oficialmente aprovada. Com o seu trabalho, o WikiLeaks repõe a verdade revelando como as grandes potências ocidentais são capazes de se comportar para iniciar novas guerras e prosseguir o cumprimento da agenda do império.
Em mais esta revelação do WikiLeaks percebe-se, de novo, como a actual ordem mundial é tão instável e fonte de guerras que fazem alastrar a miséria entre os povos. A máquina de propaganda ocidental consegue comprometer até um corpo que começou por ser respeitado pela sua honesta actividade com o objectivo de infligir o máximo de danos à Síria e ao seu povo.
Este escândalo é o exemplo mais recente de como os políticos dominantes ocidentais, os grandes meios de comunicação mainstream e as organizações internacionais podem ser apenas ferramentas do império para atacar quem se lhes opõe em termos geopolíticos.