LONDRES E WASHINGTON COLOCAM-SE ACIMA DA LEI E DA ONU
2019-11-25
Norman Wycomb, Londres
O Reino Unido, com apoio explícito dos Estados Unidos, desafia a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Tribunal Internacional de Justiça ao recusar-se a abandonar o Arquipélago de Chagos, no Oceano Índico, para reintegração na soberania das Ilhas Maurícias, da qual foi dissociado ilegalmente. Ignoram-se ainda os procedimentos que o secretário-geral da ONU irá adopar para fazer cumprir as deliberações da organização e do Tribunal.
Perante as resoluções da ONU e a sentença do Tribunal, o Ministério britânico dos Negócios Estrangeiros afirma, recorrendo ao estilo imperial, que “o reino Unido não tem qualquer dúvida sobre a sua soberania sobre os Territórios Britânicos do Oceano Índico (TBOI), que estiveram de forma contínua sob a soberania britânica desde 1814”. Acrescenta a nota que “Maurícia nunca teve soberania sobre os TBOI e o Reino Unido não reconhece essa reivindicação”.
A posição do Foreign Office revela como a “mais velha democracia do mundo” e também “a melhor democracia do mundo” encaram as deliberações tomadas por esmagadora maioria na Assembleia Geral das Nações Unidas; e como esses “Estados de direito” acima de qualquer suspeita acatam as decisões do Tribunal Internacional de Justiça.
Uma questão de domínio militar
É fulcral notar que do Arquipélago de Chagos, constituído por cerca de 60 ilhas, faz parte a ilha de Diego Garcia, onde estão implantadas uma base militar britânica e uma gigantesca base militar dos Estados Unidos. Para construção e funcionamento destas instalações agressivas, Londres e Washington procederam a uma limpeza étnica do território, deportando todos os habitantes. Os Estados Unidos arrendaram a ilha ao Reino Unido, segundo um contrato em vigor até 2036 e que expiraria automaticamente no caso da reintegração da ilha na soberania das Ilhas Maurícias. Na ilha funciona igualmente um centro de espionagem e intercepção da rede Echelon dos “Cinco Olhos”, as agências de espionagem dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia
A Assembleia Geral das Nações Unidas deliberou em 2017 enviar as reivindicações das Ilhas Maurícias sobre o Arquipélago de Chagos ao Tribunal Internacional de Justiça, em Haia. Em 25 de Fevereiro de 2019, este órgão apurou que houve ilegalidade no processo de separação do Arquipélago de Chagos do território das Maurícias quando esta nação se tornou independente do Reino Unido, em 1965.
O Tribunal constatou que o processo violou resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas, designadamente a 1514, que impede o desmembramento de um território a descolonizar. A decisão foi tomada com os votos a favor de 13 juízes e um voto contra, do representante dos Estados Unidos.
Perante essa deliberação, em 22 de Maio de 2019 a Assembleia Geral deu ao Reino Unido um prazo de seis meses – que se esgotou agora - para abandonar o Arquipélago de Chagos, de modo a que seja restituído às Maurícias. A votação na Assembleia Geral foi esmagadora e não deixou margem para dúvidas: 116 votos a favor, seis contra (Austrália, Estados Unidos, Hungria, Israel, Maldivas e Reino Unido) e 56 abstenções, designadamente a Alemanha, a França e Portugal.
Para “defender as pessoas”
A base militar norte-americana de Camp Justice, em Diego Garcia, representou um investimento de três mil milhões de dólares e, segundo círculos militares em Washington, está actualmente focada sobretudo em combater o “expansionismo chinês no Índico”. Abriga uma prisão secreta da CIA e é mantida por imigrantes filipinos pagos a 450 dólares por mês. Tem uma guarnição de mil militares e cerca de 2500 mercenários recrutados por empresas de segurança contratadas.
O Reino Unido afirma que a base de Diego Garcia “ajuda a proteger as pessoas aqui na Grã-Bretanha e em todo o mundo contra as ameaças terroristas, o crime organizado e a pirataria”. Quanto ao pretendido regresso dos chagossianos às suas terras de origem, Londres considera que isso é impossível devido às implicações militares das ilhas.
A limpeza étnica da ilha de Diego Garcia pelo Reino Unido e os Estados Unidos está longe de ser caso único no Índico. A história regista circunstâncias análogas, com responsabilidade norte-americana, já vividas em Pearl Harbor (1887), Guam (1889), Attu (1942), Vieques (1942), Culebra (1948), Okinawa (1948), Thule (1953) e Marshall (1960).