LUCROS DO ARMAMENTO: 500% EM DEZ ANOS!
2019-10-05
Horizons et Débats; adaptação de O Lado Oculto
Não é novidade que a produção de armas gera muito dinheiro. Os meios de comunicação especializados em áreas de negócios lembram-no com bastante frequência: em períodos de valorização negativa das contas poupança e das obrigações do Estado é possível conseguir grandes lucros no sector de armamento: 500% em dez anos, 17,5% ao ano!
Será isto tirar proveito da morte e da destruição nos países em guerra? Ao pensar nisso, um cidadão, portanto um ser humano “normal”, sente arrepios. Mas deitemos uma vista de olhos às somas obtidas por algumas empresas e respectivos accionistas com as guerras internacionais.
Factos e números
Segundo o Instituto Internacional de Investigações sobre a Paz de Estocolmo (SIPRI), em 2018 foram gastos em armas 1,8 biliões (milhões de milhões) de dólares. Ou seja: 1 800 000 000 000 de dólares. A parte de leão das despesas de armamento, mais de 700 mil milhões de dólares, cabe aos Estados Unidos, uma verba que deve ascender a 750 mil milhões de 2020. As bases militares norte-americanas omnipresentes em terra e no mar, com os porta-aviões, mas também nos ares e no espaço são uma ameaça global.
Esta ameaça é igualmente um motor para o investimento em armamento na Rússia e na China – e também em muitos outros Estados lutando para salvar a vida.
E, uma vez mais, os países europeus da NATO são pressionados pelo governo norte-americano, o lobby das armas e os meios de comunicação social a aumentar os seus orçamentos militares; para isso são submetidos aos ecos das supostas ameaças e da agressividade de outras grandes potências que poderão destronar a única superpotência actual.
Paralelamente, a União Europeia quer montar o seu próprio exército europeu, contrariando a vontade de numerosos Estados membros.
16 guerras, 173 conflitos
“Travaram-se 16 guerras e 173 conflitos armados em 2018, segundo o Instituto de Heidelberga para Investigação dos Conflitos Internacionais”, e “o sector de armamento registou 500% de lucros para os seus accionistas durante os últimos dez anos” (Handelszeitung, em 18 de Junho de 2019), isto é, 50% por ano! O autor, contudo, confunde causa e efeito quando escreve: “Existem razões para estes bons resultados: o número de conflitos está sempre a aumentar”.
Como se as pessoas vivessem voluntariamente nessas guerras terríveis, em alguns casos durante anos e décadas! Como se a produção de bombas correspondesse às necessidades da humanidade…
Indo mais além, o autor designa os interessados pelos nomes: três das quatro maiores empresas de armamento são norte-americanas. No topo está a Lockheed Martin, cujos valores das acções atingiram “um pico inédito” uma vez que a empresa fabrica “2700 aviões de combate furtivos do tipo F-35” para o Pentágono, por 400 mil milhões de dólares. A seguir vem a Northrop Grumman, especialista em aeronáutica e no espaço, que está em plena euforia. E, finalmente, a United Technologies (UTC), que realiza cerca de 70% do seu volume de negócios previsto no sector de aviação. De notar que o grupo adquiriu recentemente o fornecedor de aviões Rockwell Collins.
Podemos ainda nomear a Boeing, “o maior construtor aeronáutico do mundo”, cujo valor das acções caiu depois da queda do avião civil 737 Max – mas que irá pôr-se de pé.
O quarto na lista é o fabricante de aviões europeu Airbus, tirando actualmente proveito da má sorte do seu concorrente norte-americano Boeing: a sua parte está igualmente “em alta” (Handelszeitung, do dia 18 de Junho).
A salvação de uma potência em declínio
As guerras dão vida à indústria norte-americana de armamento numa superpotência em declínio. Recorrendo à simples aritmética e sabendo que as três maiores empresas de armamento do mundo são norte-americanas, percebe-se por que os Estados Unidos gastam, de longe, mais dinheiro em armas e convidam todos os “seus parceiros” a comprar apetrechos de guerra norte-americanos de modo a alimentar o insaciável complexo militar industrial – segundo a consigna “a América primeiro”, que os eleitores de Donald Trump compreendem e, provavelmente, todos os outros.
Uma vez que os Estados Unidos têm poucas indústrias nacionais competitivas além da indústria de defesa, eles protegem-nas – contra as regras da Organização Mundial de Comércio, mas de acordo com “a América primeiro” – com direitos alfandegários elevados contra a importação de toda a espécie de mercadorias provenientes da China. De notar que os concorrentes europeus com boas capacidades, como a Volkswagen, UBS ou Bayer, são submetidos a procedimentos judiciais que lhes custam milhares de milhões de dólares.
No que diz respeito às numerosas guerras dos Estados Unidos, antes de mais os 2700 novos aviões furtivos e todas as armas que o Pentágono compra deverão ser utilizadas algures no mundo para que a procura e o reabastecimento sejam garantidos…
O que fazer?
E nós, os habitantes deste planeta?
Qualquer pessoa que procure tranquilizar-se com o argumento de que as guerras de hoje se travam longe de nós não deve esquecer-se de duas coisas:
1. Num globo armado até aos dentes o risco de que alguém carregue no botão errado, seja acidentalmente seja numa situação de tensão, está sempre presente. Em Outubro de 1962, por exemplo, isso só não aconteceu porque a União Soviética desistiu de instalar mísseis nucleares de médio alcance em Cuba para travar o risco de uma invasão norte-americana. Os dois chefes de Estado da época, Nikita Khruchtchev e John F. Kennedy, foram suficientemente prudentes para evitar uma guerra nuclear. Não podemos esquecer-nos, contudo, de que esse risco virulento continua a existir, sobretudo a partir do momento em que os Estados Unidos se retiraram, em 2 de Agosto, do Tratado de mísseis de médio alcance (INF), invocando o pretexto de a Rússia ter instalado mísseis de cruzeiro que violam o acordo. A Rússia, por seu lado, invocou que se trata de uma reacção aos mísseis supostamente “defensivos” – mas instalados em plataformas com potenciais ofensivos – colocados nos últimos anos na Europa de Leste. Uma situação perigosa – não apenas para a Europa de Leste mas para toda a Europa e o mundo inteiro.
2. As guerras em países estrangeiros não podem e não devem deixar-nos indiferentes – pela simples razão de que somos seres humanos. Quando se observam imagens terríveis de zonas de guerra e quando se ouvem os relatos dramáticos das pessoas envolvidas, a única coisa que há a fazer é dizer não à guerra. Nos anos sessenta, os jovens de numerosos países protestaram contra a guerra do Vietname; hoje protestam contra as mudanças climáticas. Que interesse existe em desviar a atenção dos nossos jovens do protesto contra a maior e mais perigosa ameaça contra a humanidade?