GUERRA DE TRUMP À CHINA ABRE CRISE GLOBAL
2019-08-09
Dr. Jack Rasmus, Global Research/O Lado Oculto.
No passado fim-de-semana o yuan, a moeda chinesa, saiu do seu padrão habitual e desvalorizou-se para mais de sete unidades contra um dólar norte-americano. Ao mesmo tempo, a China anunciou que deixa de comprar produtos agrícolas aos Estados Unidos. A estratégia comercial delineada por Trump e pelos neoconservadores norte-americanos implodiu. Passou-se de uma guerra de tarifas comerciais para uma guerra económica mais ampla, na qual serão aplicadas outras tácticas e medidas.
Trump declarou que a China está a manipular a sua moeda. Uma desvalorização do yuan tem como consequência contornar o efeito das tarifas impostas pela administração de Washington contra a China. Mas este país não está a manipular a moeda. A manipulação é definida como a entrada nos mercados monetários globais para comprar e/ou vender uma moeda em troca de dólares (a moeda global de negociação) para influenciar o preço (taxa de câmbio) dessa moeda em relação ao dólar. Não é isso que a China está a fazer, portanto não se trata de uma manipulação. O que acontece é que o valor do dólar norte-americano está a aumentar, o que, na realidade, reduz o valor do yuan. O mesmo acontece com outras moedas, devido à subida do dólar. E porque sobe o dólar? Há uma quebra global de segurança, que se traduz na procura de títulos do tesouro norte-americano – que agora estão em queda livre em termos de taxas de juro (e aumento em termos de preços). Os preços a um ano, ou até menos, para os títulos de tesouro de 10 e 30 anos estão a acelerar-se. Porém, para comprar títulos do tesouro norte-americano os investidores estrangeiros têm de vender as suas moedas e comprar dólares antes de concretizarem a operação. O que eleva o valor do dólar é a procura crescente da divisa dos Estados Unidos; circunstância que reduz o valor do yuan – e de outras moedas - em relação ao dólar.
Trump é o “manipulador”
Por outras palavras, a desaceleração da economia global provocada pelas guerras comerciais de Trump é que está na origem da fuga para o dólar e para o “refúgio seguro” dos títulos do tesouro norte-americano. As políticas de Trump estão no centro da desaceleração global (já em curso devido a forças fundamentais que paralisam o investimento e o crescimento). Esta desaceleração é que está a impulsionar o dólar e, por sua vez, a enfraquecer o yuan. São as políticas de Trump que estão a “manipular” o yuan.
A China, naturalmente, permite que a desvalorização aconteça. Anteriormente entrava nos mercados monetários para comprar yuans e evitar a sua desvalorização. Agora permite que o processo se desenvolva. Esta é a resposta da China a Trump depois de este, na semana passada, ter imposto tarifas adicionais de 10% sobre importações da China no valor de 300 mil milhões de dólares. Como este comportamento, o presidente norte-americano deu o sinal de que a guerra “comercial” (que se transformou numa guerra económica) vai para lá das tarifas.
As mais recentes acções de Trump e a resposta da China tornam ainda mais improvável o estabelecimento de um acordo comercial em 2019.
Pequim e as “opções nucleares”
O que irá fazer Trump? Se continuar fiel ao comportamento que tem vindo a ter, quando encontrar os seus parceiros de barganha tentará “subir a parada”, como costuma dizer, e tomar medidas adicionais. Poderia intensificar o ataque à Huawei e às parcerias e investimentos de outras corporações chinesas nos Estados Unidos. A China, por seu lado, imporá restrições às empresas norte-americanas que fazem negócios no país (ou seja, mais licenças, mais inspecções alfandegárias e a imposição de mais barreiras não tarifárias). O que poderá desencadear um boicote aos produtos norte-americanos na China. Pequim poderá também reduzir a oferta de exportação de metais terras raras, que são essenciais, designadamente, para a indústria militar dos Estados Unidos. Poderá ainda suspender a decisão anterior de permitir que empresas norte-americanas negociando na China tenham uma participação de 51% nessas operações.
Pequim tem também as chamadas “opções nucleares”: reduzir drasticamente ou deixar mesmo de comprar títulos do tesouro norte-americano e, deste modo, reciclar dólares de volta aos Estados Unidos. Se isto acontecer, o governo norte-americano será forçado a contrair mais empréstimos de outras fontes para compensar o seu défice orçamental anual. Situação que irá aumentar ainda mais rapidamente a dívida soberana – agora superior a 22 biliões (milhões de milhões, triliões na contagem anglo-saxónica), com perspectiva de crescer mais de um bilião (um milhão de milhões, um trilião) de dólares no ano em curso. Se acontecer uma recessão, os défices e as dívidas poderão mesmo subir até 1,7 biliões (triliões) este ano, de acordo com a estrutura de análise do Gabinete de Orçamento do Congresso (CBO).
Mas com a procura de dólares para comprar títulos do tesouro, o Tesouro dos Estados Unidos e a Reserva Federal (FED, com actividades de Banco Central) teriam mais dificuldades em vender títulos do tesouro, em paralelo com a redução de compras da China, uma vez que os preços dos títulos estão a subir e os juros a cair.
Em suma, a guerra comercial e económica entre os Estados Unidos e a China, a desaceleração da economia global (prestes a contaminar a economia dos Estados Unidos), o défice orçamental norte-americano e as taxas de juros da Reserva Federal são aspectos todos eles interligados. As políticas de Donald Trump estão a provocar uma devastação económica em todas as frentes.
Quais serão então algumas respostas prováveis de Washington às respostas da China à estratégia de “subir a aposta” praticada por Trump e impulsionada pelos neoconservadores desde Maio?
Obrigar a China à “capitulação tecnológica”
Os neoconservadores mantêm o seu objectivo, que sempre foi o de arrastar as negociações com a China até que esta capitule na questão da tecnologia. Por detrás das tarifas, por detrás da guerra comercial esteve sempre a guerra pelas tecnologias de nova geração (segurança cibernética, 5G e Inteligência Artificial – IA). Agora está muito claro que a China não irá capitular, pelo que nenhum acordo será possível enquanto os neoconservadores se mantiverem no controlo das negociações comerciais, o que continua a acontecer. Os neocons vão agora usar a forte resposta da China às mais recentes tarifas de Trump para convencer o presidente a adoptar uma linha ainda mais dura contra as corporações chinesas nos Estados Unidos e no exterior, sobretudo nos aliados mais seguidistas de Washington – Canadá e Reino Unido.
A equipa encarregada da reeleição de Trump verá nisso uma oportunidade para responsabilizar a China pela desaceleração da economia dos Estados Unidos. Temas como “a China manipuladora de moedas” e “a China, fonte de opiáceos dos Estados Unidos” podem tornar-se o mantra da Casa Branca.
As grandes empresas norte-americanas e as corporações multinacionais ficarão mais motivadas para pressionar Trump a regressar à mesa das negociações. Até agora, contudo, não conseguiram que a sua influência resultasse. O Pentágono, o complexo militar e industrial e as indústrias de guerra dos Estados Unidos dominam os ouvidos de Trump e continuam a gritar que ou há “capitulação de tecnologia” ou não haverá acordo.
Consequências em todas as frentes
O sector agrícola dos Estados Unidos está agora em apuros. É quase certo que Trump terá de fornecer-lhe um terceiro resgate dentro dos próximos seis meses – que poderá atingir 20 mil milhões de dólares ou mesmo mais. O que significará um custo total de 50 mil milhões em subsídios agrícolas por causa da guerra económica e comercial com a China.
Globalmente, as economias emergentes tendem a ser as grandes prejudicadas pelo agravamento das relações comerciais entre Trump e Pequim. As suas moedas perderão valor como o yuan. Trata-se, porém, de nações com muito menos recursos que a China para enfrentar a crise. O declínio do valor da moeda em economias de mercado emergentes (eme’s) provocará mais fuga de capitais, a procura de “refúgio seguro” em títulos do tesouro dos Estados Unidos, em outras moedas (o yen japonês como “carry trade”) ou em ouro. A fuga de capitais irá desacelerar o investimento doméstico. Os bancos centrais aumentarão as taxas de juro para desacelerar a fuga, o que irá arrefecer as economias domésticas. As moedas em declínio também produzirão o aumento da inflação de bens de importação e a elevação da inflação doméstica à medida que as suas economias forem desacelerando. As economias emergentes irão enfrentar mais recessão no meio de uma crescente inflação.
A deterioração das relações comerciais entre os Estados Unidos e a China têm também como consequência um agravamento de conflitos inter-capitalistas, de que é exemplo a actual disputa comercial entre a Coreia do Sul e o Japão.
A situação repercute-se, de igual modo, na economia europeia, prestes a entrar em recessão muito em breve. Mais dependente das exportações, principalmente através da Alemanha, a Europa sofrerá uma desaceleração económica ao compasso da deterioração do comércio global. A crescente possibilidade de um Brexit “duro” a partir de Outubro agravará a situação e deverá conduzir a uma outra grande recessão, mesmo ainda antes dos Estados Unidos.
À medida que a economia global se desacelera e contrai, os mercados financeiros – que já estão a sofrer perdas recorde – deverão tornar-se cada vez mais instáveis. No topo da lista de mercados financeiros “frágeis” estão os empréstimos bancários inadimplentes na Europa, no Japão e especialmente na Índia. Mercados de títulos de empresas baseados em dólares, como os da América Latina, são outra área de instabilidade. Nos Estados Unidos, as “junk bonds”, títulos corporativos classificados como “lixo”, e os empréstimos não garantidos serão, muito previsivelmente, personagens de manifestações de instabilidade financeira susceptíveis de aprofundar a recessão norte-americana.
Nunca aconteceu antes…
Em suma, Trump tem feito da política económica dos Estados Unidos uma verdadeira bagunça. Sendo que a Reserva Federal e a política monetária de juros baixos não podem “salvá-lo”. Recentes (e futuros) cortes nas taxas de juro não terão praticamente efeito sobre a economia real dos Estados Unidos nos próximos meses. Além disso, Trump rejeitou a política fiscal como fonte de estímulos. Os enormes cortes de impostos em 2018 (quatro biliões de dólares ao longo da próxima década) tiveram um efeito determinante nos défices orçamentais anuais superiores a um bilião, agora incorporados anualmente na economia dos Estados Unidos por mais de uma década. A dívida soberana dos Estados Unidos chegará aos 34 biliões (triliões), segundo o Gabinete de Orçamento do Congresso, e os juros da dívida subirão até aos 900 mil milhões por ano até 2027. A política fiscal está agora encurralada, juntamente como a política de juros do banco central. E os enormes défices e dívidas travam as acções políticas no sentido de aumentar os investimentos do governo como forma de sair da crise.
Na última década ou mais a política dos Estados Unidos tem sido a de usar as políticas monetária e fiscal para subsidiar os rendimentos de capital em biliões de dólares por ano. Anteriormente, estas políticas eram usadas para “estabilizar” a economia em caso de recessão ou inflação. Isso deixou de acontecer. Mais de dez anos a subsidiar rendimentos de capital conduziu à negação da eficácia dessas políticas com objectivos estabilizadores da economia.
Os Estados Unidos estão agora a caminho de uma grande recessão sem que as “munições” monetária e fiscal estejam à sua disposição para tentar estimular a economia. Isto nunca aconteceu antes. E as consequências podem ter enorme impacto no sentido da profundidade e da duração dessa recessão.