NATO E NAZISMO, UMA IRMANDADE
2019-07-30
José Goulão
Que haverá de comum entre um grupo armado formado por membros das Waffen SS em Estados bálticos designado Irmãos da Floresta, o regimento Azov da Guarda Nacional ucraniana, o emir do Daesh no Magrebe, de seu nome Abdelhakim Belhadj, e o mistério do armamento sofisticado descoberto recentemente num santuário neonazi em Turim, Itália?
Por muito que seja considerada inadmissível pela comunicação mainstream e seus fiéis seguidores, a resposta é: NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte.
É a linguagem objectiva dos factos. E se contra factos pode haver quantos argumentos quiserem, todos eles serão rejeitados pela mais transparente realidade. As circunstâncias citadas têm em comum, sem dúvida, o culto do nazi-fascismo e, de uma maneira ou de outra, estão igualmente interligadas pela acção, protecção ou propaganda da NATO.
Vamos então a factos.
Os Irmãos da Floresta
A Segunda Guerra Mundial entrava na sua fase final quando foram criados os Irmãos da Floresta, grupos armados anticomunistas nascidos na Estónia, Letónia e Lituânia. Os membros, na sua maioria, foram recrutados entre os destacamentos locais das Waffen SS, integrados no aparelho de guerra hitleriano que tentou ocupar a União Soviética. Na Estónia, por exemplo, estes terroristas faziam juramento de fidelidade ao Fuhrer.
Com a cumplicidade de serviços de espionagem de países ocidentais, apesar de estarem formalmente em aliança com o lado soviético, os Irmãos da Floresta, ex-Waffen SS, foram reciclados como tampões contra o avanço do Exército Vermelho para Oeste depois de ter vergado o nazismo na decisiva e sangrenta batalha de Estalinegrado.
Em suma, os Irmãos da Floresta, tal como os destacamentos bálticos das Waffen SS, tinham como missão, de facto, impedir que os soviéticos esmagassem completamente os nazis – o que também significava travar a libertação dos seres humanos que ainda sobreviviam nos campos da morte hitlerianos.
Pois os Irmãos da Floresta estão agora a ser glorificados como heróis de uma gesta democrática, através de um documentário da NATO inserido no seu espaço de propaganda no YouTube. São oito minutos e alguns segundos de pura heroicidade ao melhor estilo de Hollywood, durante os quais os feitos dos Irmãos da Floresta são apresentados como inspiradores das forças especiais das repúblicas bálticas que agora “estão na linha da frente” contra a temível “ameaça russa”. Afinal, hoje como ontem, explica-nos a NATO.
Só é pena que os propagandistas da aliança não tenham podido dedicar um segundo sequer às origens hitlerianas e terroristas da gloriosa irmandade – certamente por falta de tempo. Que outras razões haveria para esconder uma matriz tão inspiradora?
O regimento Azov
Dos Estados bálticos para a Ucrânia, dos Irmãos da Floresta dos anos quarenta para o actual e activo regimento Azov, um bastião da “pureza rácica” ucraniana, como estipula o seu fundador, Andriy Biletski, aliás o “Fuhrer Branco”. Pretende assim que os genes dos seus compatriotas “não se misturem com os de raças inferiores”, cumprindo “a sua missão histórica de comandar a Raça Branca mundial na sua cruzada final pela sobrevivência”.
Ao contrário do que possam pensar, isto não é folclore nem delírio sob efeito de qualquer fumo. O grupo nazi designado Batalhão Azov, e outros do género, receberam treino de instrutores norte-americanos e da NATO e foram decisivos no êxito do golpe “democrático” de 2014 na Praça Maidan, em Kiev. Depois disso, foram transformados em regimentos integrados na Guarda Nacional, o novo corpo militar nascido da “revolução” e que se tornou a guarda pretoriana do regime fascista patrocinado pela Aliança Atlântica, os Estados Unidos e a União Europeia.
O regimento Azov e outros grupos neonazis, inspirados pela figura de Stepan Bandera, um executor do genocídio hitleriano contra as populações ucranianas, tornaram-se corpos fundamentais na agressão do actual regime contra as populações ucranianas russófonas da região de Donbass.
Os membros do regimento Azov orgulham-se de posar com as bandeiras nazi e da NATO, dando-se assim a conhecer ao mundo.
A gratidão é uma atitude que nunca fica mal. Mesmo aos nazis.
Sob o regime actual em Kiev, a Ucrânia tornou-se, de facto, membro da NATO. Trata-se, como nos Estados bálticos, de combater a terrível “ameaça russa”. Para executar tão nobre missão até o nazismo engrossa as hostes da “democracia”.
Abdelhakim Belhadj
Embora desempenhando, desde 2015, a tarefa mais recatada e menos mediática de emir do Daesh, ou Estado Islâmico, no Magrebe, Abdelhakim Belhadj não desapareceu como figura de referência das transformações “libertadoras” que galoparam pelo Médio Oriente e Norte de África sob as exaltantes bandeiras das “primaveras árabes”.
Abdelhakim Belhadj, para quem não se recorda, foi um dos chefes terroristas islâmicos que contribuíram, em aliança com a NATO, para “libertar a Líbia” do regime de Khaddafi. Houve-se tão bem da missão que a aliança fez dele “governador militar de Tripoli” logo que as hordas fundamentalistas tomaram a capital líbia.
Quando ainda mal aquecera o lugar, a tutela atlantista enviou-o para a Síria formar o “Exército Livre”, o grupo terrorista “moderado” no qual os Estados Unidos e os seus principais parceiros da NATO apostaram inicialmente todas as fichas com o objectivo de “libertar Damasco”.
Abdelhakim Belhadj recebeu honrarias dos Estados Unidos, outorgadas pelo embaixador na Líbia e pelo falecido senador McCain, então movendo-se febrilmente entre a Líbia, a Síria e a Ucrânia, onde foi um dos principais timoneiros do golpe de Maidan e das suas frentes nazis.
A partir de 2015, segundo a Interpol, Belhadj tornou-se emir do Daesh – o tão proscrito Estado Islâmico – no Magrebe.
Porém, cada vez que algum jornalista a sério mexe em acontecimentos da história recente arrisca-se a encontrar-se com a figura de Belhadj. Foi o que sucedeu com profissionais do jornal espanhol “Publico”: ao investigarem o envolvimento dos serviços de informações de Madrid (CNI) no atentado terrorista de 11 de Março de 2004, que provocou 200 mortos, depararam com outras situações que dizem muito sobre o tipo de “democracia” em que vivemos.
Segundo o próprio chefe do governo espanhol da época, José María Aznar – invasão do Iraque, lembram-se? – Abdelhakim Belhadj foi um dos estrategos do atentado, embora nunca tenha sido preso nem julgado.
O curioso é que o atentado começou por ser atribuído à ETA e depois à al-Qaida; e que a maior parte dos operacionais detidos eram informadores dos serviços secretos espanhóis.
Mais curioso ainda é o facto de o tema do exercício europeu CMX 2004 da NATO, que decorreu de 4 a 10 de Março, tenha sido precisamente o da simulação de um atentado com as características do que aconteceu em 11 de Março na capital espanhola. “A semelhança do cenário elaborado pela NATO com os acontecimentos ocorridos em Madrid provoca calafrios na espinha e impressionou os diplomatas, militares e serviços de informações que participaram no exercício apenas algumas horas antes”, escreveu o jornal El Mundo, inconformado com a tese que acabou por ficar para a história: atentado cometido por uma rede islamita sem ligações à al-Qaida.
Entre as névoas do caso avultam, porém, algumas circunstâncias que é possível focar: a declaração de Aznar envolvendo Abdelhakim Belhadj, que se revelou vir a ser uma aposta da NATO antes de ter ascendido ao topo do Estado Islâmico no Magrebe; e os dons proféticos desta mesma NATO, concebendo um tema para exercícios que se tornou realidade menos de 24 horas depois.
O santuário nazi de Turim
Há poucos dias, a polícia italiana descobriu um arsenal de armamento num santuário nazi em Turim, Itália.
O que à primeira vista poderia ser mais um armazém de velhas e nostálgicas recordações dos fãs do Fuhrer mudou de figura quando foram desembalados alguns sofisticados mísseis que não costumam estar ao alcance de pequenos e médios traficantes de armas.
Diz a imprensa italiana que os investigadores do caso seguiram pistas que conduziam até aos grupos nazis ucranianos mas não obtiveram dados consistentes. E provavelmente não encontrarão esses e outros elementos: a verdade é que as notícias sobre o assunto quase desapareceram. O caso é um nado-morto.
Já as redes clandestinas formadas pela NATO, do tipo Gladio, não estarão mortas, desafiando todas as propagandas, como recordaram alguns jornalistas italianos.
A história do arsenal está mal contada e, previsivelmente, será arquivada com celeridade; já o apoio da NATO aos grupos nazis ucranianos não suscita dúvidas: os próprios beneficiários o confessam. Porém, não é um auxílio que deva ser feito aos olhos de todos, tratando-se da NATO, uma aliança que existe para “defender a democracia” – a NATO só defende, nunca ataca, como se sabe. A verdade é que desde que passou de batalhão a regimento da Guarda Nacional o grupo terrorista Azov foi equipado com armas pesadas, incluindo tanques, que chegaram de algum lado. Talvez agora seja a hora dos mísseis, quem sabe? Ainda recentemente as forças policiais italianas e o regimento Azov assinaram um acordo de cooperação desbravando novos caminhos.
É provável que todas estas relações dêem os seus frutos; é improvável, porém, que cheguem ao conhecimento dos cidadãos comuns, tal como o desfecho do mistério dos mísseis nazis de Turim.
A grande irmandade
Irmãos da Floresta, regimento Azov, Abdelhakim Belhadj, o Estado Islâmico e o terrorismo “moderado”, fornecimento clandestino de armamento sofisticado. Não é necessário escavar muito estas histórias, casos e mistérios para tropeçarmos na associação entre a NATO e os nazi-fascismos, duas correntes que, a acreditar na propaganda oficial, deveriam ser como a água e o azeite.
Afinal não. Trata-se de uma fluida cooperação nos tempos em que se fala no risco de uma nova guerra mundial e que traz raízes consolidadas na altura em que o anterior conflito ainda não tinha acabado.
É, como se percebe, uma grande e frutífera irmandade. Factos são factos.