HOSTES DE GUAIDÓ DESVIAM “AJUDA HUMANITÁRIA”
2019-06-20
Fania Rodrigues, Caracas; Brasil de Fato/adaptação de O Lado Oculto
Um escândalo de corrupção atinge a equipe de Juan Guaidó, auto denominado “presidente interino” da Venezuela, na Colômbia. Entre os envolvidos estão dois assessores encarregados de administrar os recursos destinados a ajuda humanitária e o pagamento de hotéis de ex-militares desertores da Força Armada Nacional Bolivariana. Trata-se de Kevin Rojas e Rossana Barrera, sendo esta última cunhada do deputado oposicionista venezuelano Sergio Vergara, braço direito do autoproclamado “presidente”. No entanto, as suspeitas recaem também sobre o “embaixador” de Guaidó na Colômbia, Calderón Berti, e sobre os deputados venezuelanos igualmente radicados neste país, Gabriela Arellano, do partido de Guaidó, Voluntad Popular, e Juan Manuel Olivares, do partido Primero Justicia.
O escândalo foi revelado em 15 de Junho pelo site espanhol PanAm Post, que apresentou documentos e comprovativos de pagamentos que mostram o desvio dos recursos destinados a ajuda humanitária. Os recibos confirmam gastos dos opositores venezuelanos na Colômbia que chegam a mil dólares por noite em refeições e bebidas. Além de despesas com roupas em lojas caras em Bogotá e Cúcuta, assim como aluguer de automóveis e pagamentos de hotéis. Um jornalista do Panam, Orlando Avendaño, afirma que parte das fontes da reportagem são membros dos órgãos de inteligência da Colômbia.
Corrupção à solta
A assessora de Guaidó, Rossana Barrera, teria montado um esquema para desviar fundos relacionados com a ajuda humanitária e a manutenção de despesas de ex-militares venezuelanos em Cúcuta, informou a reportagem. “Como confirmado por três fontes diferentes, Barrera informou Caracas do pagamento dos sete hotéis em que os militares e as suas famílias estavam hospedados. Caracas desembolsou os fundos; no entanto, apenas dois hotéis foram utilizados”, disse o site espanhol.
Outra forma de desvio de recursos identificada pela inteligência colombiana está relacionada com o número de ex-soldados venezuelanos desertores em Cúcuta. A informação oficial, fornecida por Juan Guaidó ao presidente colombiano, Iván Duque, foi de mais de 1450 ex-militares. “No entanto, uma avaliação paralela da inteligência colombiana concluiu que Barrera e Rojas inflacionaram o número de desertores. Realmente são cerca de 700”, afirma a reportagem. Estas irregularidades foram comunicadas directamente a Juan Guaidó, de acordo com fontes do governo colombiano citadas pelo jornalista. O governo da Colômbia, no entanto, não se pronunciou oficialmente sobre o caso.
O website espanhol relata também que 60% dos alimentos doados à oposição venezuelana e que foram armazenados na cidade colombiana de Cúcuta, na fronteira com a Venezuela, estão a apodrecer e, provavelmente, terão de ser queimados. A deputada Gabriela Arellano, numa entrevista à imprensa local, negou que os alimentos estejam a perder-se dentro dos armazéns.
Juan Guaidó saiu em defesa de seus funcionários, num primeiro momento. “A delegação da Colômbia tem conduzido com austeridade e limitações económicas [os recursos da ajuda humanitária]”, escreveu Guaidó no seu Twitter no sábado dia 15. Porém, na segunda-feira (17), fez declarações à imprensa, em Caracas, e pediu ao seu “embaixador”, Calderón Berti, para solicitar formalmente uma investigação às autoridades colombianas.
“Tudo isto é tão irregular…”
O cientista político Martín Pulgar afirma que não existe um organismo ou um órgão estatal que regule este tipo de recursos, sobretudo a parte que foi doada. “Tudo isto é tão irregular que é difícil falar de qualquer protocolo de uso destes recursos doados. Em geral, nestes casos, existem protocolos acordados entre os doadores e quem recebe o dinheiro ou os bens. Todos estes elementos não foram cumpridos, porque tudo tem como origem uma operação de golpe de Estado que supostamente iria durar pouco”, afirma o analista político.
Pulgar acrescenta que cabe às autoridades colombianas investigar o caso. Os países doadores dos recursos, como os Estados Unidos, poderiam igualmente investigar. “É preciso verificar qual é o contexto jurídico destes recursos dentro do sistema de leis colombiano. Imagino que deva existir algum tipo de contrato que foi assinado na Colômbia e esse deve ser o marco regulador, mas isso ainda não está claro. Isto vale também para os recursos do Estado venezuelano confiscados pela Colômbia e por outros países”, diz.
Origem dos recursos
A origem dos recursos administrados pela oposição venezuelana e o montante não foram informados pelos dirigentes opositores. No entanto, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, informou no dia 17 que o governo Trump doou cerca de 213 milhões de dólares. E o governo do Canadá havia anunciado a doação de 40 milhões de dólares norte-americanos em Janeiro deste ano.
O governo venezuelano informou que existem também recursos do Estado bloqueados no exterior, que seriam destinados a importação de alimentos e medicamentos. O ministro da Comunicação e Informação, Jorge Rodríguez, disse que há suspeitas de que parte do dinheiro em contas estrangeiras da empresa estatal petroleira da Venezuela, a PDVSA, possa ser utilizado pelos opositores para o pagamento de despesas pessoais. Afirmou que falta transparência sobre a origem e a administração deste fundo controlado pela oposição, pois não passa por nenhum sistema de controlo do Estado venezuelano.
Além disso, o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, informou na semana passada que a Assembleia Nacional da Venezuela – presentemente destituída de funções - havia aprovado a emissão de 71 milhões de dólares em títulos de dívida para “pagamento a credores”, mas não especificou quem são os beneficiários desses pagamentos.
Jorge Rodríguez destacou ainda, durante suas declarações à imprensa, que o Departamento de Estado dos EUA “possivelmente abrirá uma investigação” para apurar uma suspeita de alteração na contabilidade da empresa subsidiária da PDVSA nos Estados Unidos, a Citgo América. De acordo com o ministro venezuelano, os representantes indicados por Juan Guaidó podem ter excedido o valor de 70 milhões de dólares em títulos da dívida que foi anunciado formalmente pela Assembleia Nacional.
Aid Live Juan Guaidó
De acordo com investigações do governo venezuelano, o valor de 2,5 milhões dólares arrecadados com o show Venezuela Aid Live também foram entregues a Juan Guaidó e sua equipa, mas este não se pronunciou sobre essa transacção.
Depois de a notícia ter sido publicada em diferentes meios internacionais, o Ministério Público da Venezuela decidiu abrir uma investigação. "Os fundos administrados por essas pessoas designadas por Guaidó como seus representantes na Colômbia são definidos a partir da Venezuela; então cabe à nossa jurisdição investigar tanto a origem do dinheiro como o seu uso", destacou o procurador-geral da República da Venezuela, Tarek William Saab.
Reacções oficiais
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, crítico do governo Maduro e aliado de Juan Guaidó, também solicitou uma investigação. “Solicitamos à jurisdição competente uma investigação que esclareça as graves acusações formuladas, para determinar responsabilidades e exigir responsabilização. Não há democratização possível sob a opacidade dos actos de corrupção”, escreveu no seu Twitter.
O governo venezuelano pronunciou-se sobre o caso no dia 17 e pediu ao governo colombiano que investigue os factos. O ministro de Comunicação e Informação, Jorge Rodríguez, afirmou que as autoridades venezuelanas já investigavam Rossana Barrera e Kevin Rojas desde Março. “No dia 23 de Março denunciámos o gigantesco plano de corrupção de Juan Guaidó com dinheiro enviado para Cúcuta”.
O ministro relatou ainda que existem evidências de o que próprio Guaidó está envolvido no esquema. Conversas suspeitas foram encontradas no telemóvel do advogado e político Roberto Marrero, preso em Março sob a acusação de ter contratado matadores de aluguer com recursos doados para ajuda humanitária.
Rodríguez exigiu das autoridades colombianas uma investigação rigorosa sobre caso que envolve o deputado do partido Voluntad Popular, Freddy Superlano. No dia 22 de Fevereiro, data do show musical Venezuela Aid Live em Cúcuta, realizado para arrecadar recursos para ajuda humanitária, Superlano e seu primo Carlos Salinas foram envenenados por duas prostitutas num hotel desta cidade fronteiriça.
Na ocasião, Salinas morreu e foram roubados 250 mil dólares em dinheiro vivo, segundo informou a imprensa local na época. “Temos fotos das prostitutas saindo do hotel, como é que o governo colombiano não tem? Por que ainda não identificaram as prostitutas?”, perguntou o ministro ao apresentar uma foto e um vídeo do deputado acompanhado pelas mulheres numa festa e das duas saindo do hotel.
O presidente Nicolás Maduro abordou sumariamente o tema durante um evento no Palácio Miraflores, no dia 17. “Roubaram todo o dinheiro da ajuda humanitária. Roubaram-se entre eles”, comentou.