WASHINGTON À DERIVA EM BUSCA DA GUERRA

2019-06-17
Martha Ladesic, Nova York; com Norman Wycomb, Londres
Numerosos analistas de inteligência e especialistas políticos citados por vários meios de comunicação social consideram que a administração Trump não tem qualquer prova séria do envolvimento do Irão nos ataques contra petroleiros no Golfo de Omã, pelo que demonstra estar “ansiosa por uma guerra” contra este país. Uma das provas é o facto de o secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, atribuir agora ao Irão a responsabilidade por ataques cometidos há duas semanas pelos Talibã no Afeganistão.
Os analistas de inteligência alegam que o vídeo de má qualidade apresentado pelo CentCom do Pentágono como prova do envolvimento de Teerão nos recentes incidentes com petroleiros não demonstra qualquer culpa iraniana. Além disso, acrescentam, o histórico geral de pretextos norte-americanos para criar guerras “não é bom”.
Anthony Cordesman, um analista do Centro Internacional de Estudos Estratégicos, um think tank sintonizado com establishment, retirou qualquer validade ao vídeo apresentado e, contra a versão oficial segundo a qual “não há alternativa à culpa do Irão”, apresentou outras possibilidades. Sugeriu, por exemplo, a hipótese de os actos terem partido do Daesh, Isis ou Estado Islâmico, grupo que estaria interessado num confronto entre os Estados Unidos e o Irão. Por outro lado, não descartou a eventualidade, cada vez mais aventada a nível interno e internacional, de se tratar de uma clássica operação de “bandeira falsa”, isto é, uma situação provocada por falcões norte-americanos para criarem uma guerra. Cordesman admitiu ainda que também a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos possam não estar inocentes, sabendo-se do seu interesse em elevar os níveis de tensão contra o seu inimigo iraniano. O príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, aproveitou o clima existente para pedir à chamada comunidade internacional uma “acção decisiva” em relação ao Irão.
Japão pede provas
“O histórico dos Estados Unidos em apresentar evidências para começar guerras não é bom”, lembra o analista William Church em declarações ao jornal Washington Post, a propósito da falta de credibilidade do vídeo divulgado como prova.
O governo japonês, entretanto, continua a pressionar o seu aliado de Washington para apresentar provas concludentes contra o Irão, uma vez que não considera o vídeo convincente. O navio japonês Kukuta Courageous foi um dos atingidos e, poucas horas depois, o seu proprietário qualificou como “falsas” as declarações norte-americanas segundo as quais os danos teriam sido causados por minas.
A teoria das minas é o elemento central das alegações de Washington porque, supostamente, o vídeo do CentCom mostraria guardas revolucionários iranianos retirando do casco do navio um engenho que não teria explodido.
Na realidade havia um barco-patrulha iraniano nas imediações, procedendo ao resgate dos marinheiros do navio atingido, mas nada tinha a ver com os Guardas da Revolução. A alusão dos poderes norte-americanos a esta entidade deve associar-se à sua recente inclusão na lista dos “grupos terroristas” estabelecida pelos Estados Unidos.
Pompeo dispara em todas as direcções
O secretário de Estado norte-americano, Michael Pompeo, tem estado à cabeça das acusações contra Teerão. No programa “Face The Nation” da CBS assegurou que os acontecimentos de agora no Golfo de Omã são parte “de uma agressão iraniana que já dura há 40 anos”.
Pompeo afirmou que o presidente Trump, “embora não queira uma guerra”, tem “todas as opções em aberto incluindo, evidentemente, a militar”.
Foi também no mesmo programa que, para desconforto de analistas e comentadores identificados com a administração, o secretário de Estado culpou o Irão pelo recente atentado suicida em Cabul cuja autoria foi reivindicada pelos Talibã. O ataque aconteceu já em 31 de Maio, feriu quatro militares norte-americanos, e o facto de Pompeo o ter repescado agora levou comentadores a concluir “o governo está ansioso por uma guerra com o Irão”, segundo palavras de Michael Kugelman, vice-director do Wilson Center para a Ásia, ao Washington Post.
“Se houvesse a convicção de que o Irão tinha atacado tropas dos Estados Unidos no Afeganistão isso teria provocado reacções imediatas” e não considerações apenas duas semanas depois, disse Kugelman. Segundo Pompeo, esse atentado em Cabul integrou “uma série de ataques instigados pela República Islâmica do Irão e seus procuradores contra interesses norte-americanos e de aliados”.
Por tudo isto, conclui Michael Kugelman, “o governo parece ansioso por uma guerra com o Irão; infelizmente isso faz com que algumas acusações contra Teerão sejam questionáveis”.
A afirmação de Pompeo segundo a qual os Estados Unidos “tudo farão para manter a navegabilidade no Estreito de Ormuz” também provocou comentários críticos. Segundo estes, será praticamente impossível haver navegação no estreito no caso de uma guerra dos Estados Unidos contra o Irão, pelo que a maneira de garantir o tráfego é manter a zona livre de conflitos.
Um dos tópicos abordados na generalidade das análises da situação é o teor “demasiado primário e propagandístico” das versões divulgadas pelo presidente e os homens da sua confiança, que podem funcionar com uma opinião pública desinformada mas dificilmente captarão apoios internos e externos, mesmo entre os aliados.
Invocar uma pretensa sintonia entre a direcção xiita iraniana e o fundamentalismo sunita dos Talibã não faz sentido, da mesma maneira que a al-Qaida ferozmente sunita não pode, em caso algum, ser uma emanação do xiismo de Terrão, como Donald Trump pretende fazer crer.
Reino Unido na guerra
Essas versões parecem, no entanto, ser suficientes para os mais aliados dos aliados dos Estados Unidos: os britânicos.
O Reino Unido decidiu enviar uma centena royal marines para a região do Golfo de Omã com o objectivo de “proteger os navios britânicos”. As autoridades afirmam que a medida se enquadra nas acções que têm vindo a ser tomadas em função da “escalada de tensões” supostamente provocada pelo Irão e nada têm a ver com os recentes incidentes com petroleiros.
Acontece, no entanto, que os reforços são enviados precisamente para a zona onde se deram os acontecimentos, pelo que a explicação de Londres deixa muitos aspectos em aberto sobre este esforço de militarização acrescida numa zona em clima de guerra.