O LADO OCULTO - Jornal Digital de Informação Internacional | Director: José Goulão

O Lado Oculto é uma publicação livre e independente. As opiniões manifestadas pelos colaboradores não vinculam os membros do Colectivo Redactorial, entidade que define a linha informativa.

Assinar

PORSCHE POLUI E COMISSÃO EUROPEIA ESCONDE

2019-06-10

Peter Teffer, EUobserver; adaptação O Lado Oculto

O Instituto de Investigação Interna da Comissão Europeia (IIICE) recusou-se a divulgar os resultados dos testes às emissões de um veículo diesel da Porsche, a pedido da própria Porsche, revela um trabalho da publicação EUobserver.

Os resultados do teste, efectuado em meados de 2017, revelaram que o modelo Porsche Cayenne lançou emissões suspeitas bastante elevadas de óxido de azoto quando as condições do teste oficial da União Europeia foram ligeiramente alteradas através de variações de temperatura.

“O IIICE consultou o fabricante e este opôs-se à divulgação dos resultados”, afirmou o director-geral do instituto, Vladimir Sucha.

Recentemente, em Maio, a Porsche foi multada em 535 milhões de euros na Alemanha pela sua participação no escândalo da fraude de emissões que ficou conhecido como Dieselgate.

Documentos revelados também recentemente mostraram que o Centro Comum de Investigação (CCI), um órgão da Comissão Europeia, não tinha qualquer razão para proteger a Porsche, mas decidiu fazê-lo. 

O caso remonta a Maio de 2018, quando a publicação EUobserver solicitou os resultados de todos os testes de emissões realizados pelo CCI desde Setembro de 2015 – data em que a empresa-mãe da Porsche, o Grupo Volkswagen, admitiu ter cometido fraudes em relação às emissões. 

O CCI forneceu várias dezenas de documentos durante um período de nove semanas, mas recusou o acesso a um relatório relacionado com um veículo não identificado.

“Este documento contém resultados de actividades de testes que são propriedade conjunta da União Europeia e de um fabricante de automóveis”, segundo uma carta assinada pelo director-geral do CCI, Vladimir Sucha, com data de 7 de Agosto de 2018.

“O CCI consultou o fabricante e este opôs-se à divulgação dos resultados”, acrescentou Sucha sem especificar que se tratava da Porsche.

EUobserver recorreu então da decisão invocando os seus direitos ao abrigo do regulamento da União Europeia relativo ao acesso a documentos.

Resultados de testes são “propriedade conjunta”?

Enquanto aguardava uma resposta do Secretariado Geral da Comissão Europeia, responsável pelo tratamento desses recursos, EUobserver solicitou ao serviço de porta-vozes da Comissão que comentasse o facto peculiar de os testes de emissões poderem ser “propriedade conjunta” da União Europeia e de uma empresa privada.

A Comissão não quis comentar a situação, mas disponibilizou um funcionário para dar uma explicação off the record.

“O CCI assinou um acordo com uma parte terceira que inclui uma cláusula de confidencialidade”, declarou este responsável através de uma mensagem de e-mail. 

“Esta é uma prática comum quando um indivíduo ou uma instituição privada concorda partilhar os seus dados ou equipamentos para nos permitir realizar experiências”, acrescentou.

“No terreno das emissões”, sublinhou, “é frequente o caso de um fabricante de automóveis concordar em emprestar um modelo específico de veículo – especialmente dos que não fáceis de encontrar no mercado – para que o CCI possa realizar medições. Nesse sentido, os resultados são de ‘propriedade conjunta’: a Comissão tem acesso aos resultados e o mesmo acontece com o fabricante que emprestou o veículo para os testes-piloto”.

Quando o secretário-geral da Comissão Europeia finalmente divulgou os documentos descobriu-se que o modelo testado era um Porsche Cayenne. Em retrospectiva, o argumento de que às vezes os veículos “não são fáceis de encontrar” tornou-se muito fraco neste caso: o Cayenne é um dos modelos mais populares da Porsche.

Apenas seis meses depois

O Secretariado-Geral da Comissão deveria ter tratado do recurso até 28 de Setembro de 2018, mas só o fez seis meses depois, numa carta de 3 de Abril de 2019.

Nesse documento explicou – o que Vladimir Sucha não tinha feito – a razão pela qual o fabricante de opôs à publicação do resultado dos testes. 

A empresa alegou ao CCI que “as informações contidas no relatório de ensaio e no contrato de empréstimo de veículos estavam directamente relacionadas com (…) processos judiciais pendentes”.

O secretário-geral da Comissão considerou, contudo, que as razões não eram suficientemente fortes, pelos que os documentos seriam divulgados imediatamente.

Isso só aconteceu, porém, mais quatro semanas depois de ter sido dada à Porsche a oportunidade de apelar da decisão para a mais elevada instância da União Europeia, o que o fabricante aparentemente não fez.

Os resultados do teste estavam de acordo com medições anteriores de emissões. Quando as condições do laboratório foram exactamente as mesmas definidas na legislação da União Europeia, o Porsche Cayenne testado pelo CCI ficou abaixo do limite legal de 80 miligramas de óxido de azoto por quilómetro (mg/km).

Mas quando o teste foi efectuado com o motor aquecido, as emissões dispararam para 146 mg/km, uma variação para a qual não há explicação em Física.

Ao realizar o teste com a temperatura do laboratório em 10 graus centígrados, em vez de 30 graus, as emissões votaram a subir, atingindo 194 mg/km

Porsche evita perguntas

A Porsche não respondeu às perguntas de EUobserver sobre o pedido da empresa ao CCI para manter os documentos confidenciais. Em vez disso, um porta-voz da Porsche forneceu informações sobre a campanha de recolha de veículos da marca nos quais foram detectadas “irregularidades no software de gestão do motor”.

“As recolhas oficiais foram processadas para dois modelos desde Novembro de 2015 na Europa: o Cayenne 3.0 litros V6 diesel (Euro 6) e o Macan 3.0 litros V6 diesel (Euro 6)”, afirmou o porta-voz.

“Já modificámos mais de 18500 dos 21 mil modelos Cayenne afectados e mais de 34 mil dos 53400 com motores diesel V6 Macan”, acrescentou.

Confidencial

O contrato de empréstimo entre a Porsche e o IIICE também foi divulgado.

Confirma que os resultados deveriam ser “tratados pelas partes como informações confidenciais” e de maneira anónima.

No entanto, o acordo também estipula que a cláusula de confidencialidade pode ser anulada quando existem solicitações nesse sentido feitas de acordo com a lei sobre acesso público a documentos. 

“Todas as disposições deste acordo se observam sem prejuízo da lei aplicável incluindo, sem limitações, a lei que rege o direito de acesso público aos documentos”, estabelece o acordo.

“Nenhuma das partes pode reivindicar qualquer dano ou violação deste acordo nos casos em que a outra parte age de acordo com as suas obrigações resultantes da lei que rege o direito de acesso público aos documentos”, desde que a outra parte seja devidamente informada, acrescenta.

No entanto, o CCI decidiu concordar com a objecção da Porsche.

Este não é o primeiro exemplo que revela a posição débil do Centro Conjunto de Investigação perante as empresas do sector automóvel.

De acordo com trocas de e-mails de 2011 e 2013 consultadas por EUobserver, o CCI teve de pedir autorização à Volkswagen para partilhar os resultados dos testes com os Estados membros da União – que são responsáveis pela fiscalização.

A Volkswagen concedeu essa autorização, na condição de que os dados fossem fornecidos de maneira anónima.

Da investigação à fiscalização

Actualmente o CCI é um instituto de investigação e não funciona como uma agência capaz de tomar decisões que sejam vinculativas.

Prevê-se que no próximo ano passe a ter responsabilidades de fiscalização, quando entrar em vigor um novo regulamento.

Após o caso Dieselgate, as instituições da União Europeia chegaram a acordo para a que a Comissão tenha o poder de fazer testes de emissões com carácter fiscalizador e vinculativo e não para fins científicos, como tem sido até ao presente.


fechar
goto top