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ISRAEL CONFISCA ESCOLAS PALESTINIANAS E VENDE-AS

Crianças beduínas na escola de Khan al-Ahmar pouco antes de confiscada por Israel e agora posta em leilão

2019-06-03

Edward Barnes, Jerusalém; com Europalestine e Libération

Edifícios que funcionavam como escolas no território palestiniano ocupado da Cisjordânia foram confiscados em Outubro pelas autoridades israelitas, que irão agora pô-los a leilão. Trata-se da primeira prova concreta de que o Estado de Israel se apropria arbitrariamente e depois comercializa material que é oferecido aos palestinianos a título de auxílio humanitário. No caso concreto, as escolas foram dadas pela União Europeia.

As escolas eram utilizadas pela comunidade beduína de Izbiq, designadamente na aldeia palestiniana de Khan al-Ahmar, no nordeste da Cisjordânia. Foram confiscadas pela administração civil israelita, conhecida como Cogat (o braço das forças armadas encarregado da gestão dos assuntos quotidianos nos territórios palestinianos ocupados). O pretexto foi o de que a escola se situava num local arqueológico bíblico na área C da Cisjordânia, isto é, sob controlo militar israelita.

“Mesmo os conhecedores pouco preocupados com os milhares de histórias kafkianas decorrentes da ocupação israelita ficam surpreendidos”, escreve o correspondente em Telavive do diário francês Libération, Guillaume Gendron. "No início da próxima semana”, acrescenta, o exército israelita tenciona leiloar duas salas de aula financiadas pela União Europeia e confiscadas a uma comunidade palestiniana na Cisjordânia ocupada”. 

O leilão será organizado pela própria Cogat; os prefabricados foram financiados por vários países europeus através do ECHO, o ramo humanitário da União Europeia. Esta organização limitou-se, até agora, a reclamar a devolução dos edifícios – sem êxito.

Uma reclamação para surdos

A reclamação foi apresentada em Maio, quando diplomatas europeus tomaram conhecimento do leilão através de um pequeno anúncio publicado pelo diário israelita Maariv. A União Europeia tomou então a iniciativa de exigir a restituição dos edifícios aos beneficiários, “sem demora” e nas condições em que se encontravam na altura em que foram confiscadas. A diligência europeia foi letra morta, tal como acontece sempre que a União Europeia “exige” qualquer coisa de Israel, designadamente o cumprimento do direito internacional.

O correspondente do jornal Libération obteve o catálogo do leilão, no qual os equipamentos financiados pela União Europeia estão listados ao lado de vários materiais de construção como canos, vigas, sacos de cimento e de outros também confiscados, designadamente uma velha Suzuki de carga para transporte de legumes e tecidos. Os leilões decorrerão em várias datas nas instalações da Cogat, junto aos checkpoints que controlam os acessos às cidades de Ramallah e Belém.

Negócio trimestral abusivo

A revenda de materiais confiscados na Cisjordânia ocupada faz-se de maneira praticamente automática todos os 90 dias – as multas e as despesas de restituição são proibitivas. O pequeno anúncio dos militares concede “30 dias aos proprietários, após a publicação, para reclamarem os seus bens”. Foi o que fez a União Europeia. Contactados pelo Libération sobre eventuais esforços para esclarecer o assunto junto dos gabinetes da União Europeia em Jerusalém e Ramallah, os funcionários israelitas não deram qualquer informação.

Uma fonte de sectores humanitários citada pelo correspondente do Libération comentou que “já temos ouvido falar deste género de coisas, mas é a primeira vez que temos uma prova de uma revenda de material humanitário. Em geral, o processo é nebuloso”.

O gabinete do representante europeu em Jerusalém comentou oficialmente o assunto ao Libération condenando “a decisão militar (…) de autorizar o leilão e o facto de as autoridades israelitas não terem restituído as estruturas confiscadas nem terem pago indemnizações pelos prejuízos provocados”, calculados em 15 320 euros.

O comunicado europeu sublinha que às duas salas de aula confiscadas aos Izbiq juntam-se duas tendas e três armazéns metálicos dados à tribo Hadidiya, uma comunidade de pastores do vale do Jordão, equipamentos também postos a leilão. Segundo a União Europeia, estes actos “violam a obrigação da potência ocupante de restabelecer e assegurar a ordem pública e a segurança no interesse das pessoas protegidas (a população palestiniana), sob reserva das necessidades militares legítimas”.

Demolições constantes

Em Outubro de 2017, diplomatas de oito países europeus (França, Bélgica, Espanha, Suécia, Luxemburgo, Itália, Irlanda e Dinamarca) reclamaram pela primeira vez a Israel, de modo oficial, a entrega de compensações financeiras (cerca de 30 mil euros) depois de uma série de apropriações e demolições de estruturas construídas por palestinianos na área C. Trata-se de pequenas salas de aulas para comunidades beduínas e painéis solares.

Israel não concede autorizações de construção aos palestinianos que vivem na área C (a taxa anual de aceitação dos pedidos é inferior a um por cento), principalmente comunidades seminómadas habitando em acampamentos erguidos com tecidos e lonas, à imagem de Khan al-Ahmar, que está há um ano sob ameaça iminente de demolição.

No seu último relatório mensal a ONU denuncia que o ritmo de demolições na Cisjordânia e em Jerusalém Leste de propriedades pertencentes a palestinianos e de instalações humanitárias para seu benefício (abrigos e condutas de água) aumentou significativamente desde 2016, atingindo uma média de 14 por mês.






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