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WASHINGTON FABRICA PRETEXTO PARA ATACAR O IRÃO

John Bolton, um fascista que inventa guerras

2019-05-07

Whitney Webb, MintPress/O Lado Oculto

Através de um simples comunicado de imprensa, o assessor de segurança nacional de Donald Trump, John Bolton, informou que o envio do porta-aviões Abraham Lincoln e do seu grupo de combate para as proximidades do Irão representa uma “mensagem clara e inequívoca a Teerão”. O documento acrescenta que o movimento foi efectuado como “resposta a uma série de indicações e advertências preocupantes e em escalada” que não foram especificadas.

A declaração afirma ainda que “qualquer ataque contra os interesses dos Estados Unidos ou dos nossos aliados terá uma resposta implacável”; e que, embora Washington “não esteja à procura de uma guerra com o regime iraniano”, a administração Trump está “totalmente preparada” para “responder a qualquer ataque, seja por interpostas forças, pelo Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica ou pelas forças regulares iranianas”.

No mês passado, através de uma decisão que muitos consideram um acto de guerra contra o Irão – há muito procurada por Bolton e pelo secretário de Estado, Michael Pompeo, mesmo antes de ocuparem os cargos actuais no governo – a administração Trump declarou o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irão como uma organização terrorista. O governo de Teerão respondeu no mesmo tom declarando os soldados norte-americanos do CentCom (Central Command) como terroristas e os Estados Unidos como um Estado patrocinador do terrorismo.

Perigosa ambiguidade

Apesar de Bolton ter enquadrado o mais recente movimento como um “aviso” ao Irão, a verdade é que o envio do grupo de combate do Abraham Lincoln para o Comando Central dos Estados Unidos foi, de facto, anunciado no mês passado e sem qualquer alusão a Teerão. Um comunicado de imprensa da Marinha publicado em 8 de Abril anunciou que “O Grupo de combate do Abraham Lincoln partiu da Base Naval de Norfolk, na Virgínia, em 1 de Abril para uma operação de rotina”. A frota já está na região do Comando Central pelo menos desde 15 de Abril, quando o Instituto Naval dos Estados Unidos informou que tinha ancorado ao largo da costa de Espanha.

O New York Times, posteriormente, revelou que o grupo de combate tinha recebido ordens para se deslocar do Mediterrâneo para o Médio Oriente, correspondendo ao anúncio feito por Bolton. O mesmo jornal também notou que a consistência dos avisos” sobre a iminência de um suposto ataque contra activos norte-americanos ou aliados feito pelo Irão ou os seus alegados procuradores era desconhecida porque “desde sexta-feira que os analistas militares não estavam a rastrear qualquer nova e iminente ameaça de iranianos ou apoiados pelo Irão contra norte-americanos no Iraque ou na região”. 

Aliás, Bolton tem um longo histórico de distorção e falsificação de informações para servir fins políticos. Uma vez que Bolton tem sido um defensor da mudança do regime iraniano pela força, e também de “bombardeamentos preventivos” contra o Irão, as fontes de espionagem sobre esses supostos “avisos” devem ser pormenorizadamente examinadas. No entanto, Bolton tem hoje mais controlo sobre a política de segurança nacional e de inteligência do que em qualquer outro momento desde que se tornou conselheiro de segurança nacional, uma vez que não existem secretário permanente da Defesa ou secretário de Segurança Interna. Daí ser pouco provável que o tão necessário escrutínio venha a acontecer.

Um espirro pode desencadear uma guerra

O verdadeiro perigo do anúncio de Bolton não é o enquadramento deste desdobramento de recursos militares ou a validade das “ameaças” que cita, mas sim o facto de ser deliberadamente vago e muito abrangente.

De facto, o comunicado de imprensa do conselheiro de segurança nacional afirma que qualquer ataque “seja por interpostas forças, pelo Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica ou pelas forças regulares iranianas” justificaria uma agressiva resposta militar dos Estados Unidos. O mesmo aconteceria com um ataque lançado por um “procurador” do Irão não apenas contra activos mas também contra “interesses” dos Estados Unidos ou de um seu aliado na região, que seria bastante para desencadear um ataque de Washington contra o Irão mesmo que este país não fosse directamente responsável.

Uma vez que a administração Trump definiu os “procuradores” iranianos de maneira deliberadamente imprecisa para incluir qualquer milícia dominada por xiitas em toda a região – incluindo as que não têm qualquer ligação comprovada com Teerão – é difícil olhar para o comunicado de Bolton de outra maneira que não seja uma declaração de guerra.

Esta preocupação foi agravada com as declarações feitas por Pompeo a propósito do comunicado de Bolton. O secretário de Estado disse a jornalistas que a movimentação do grupo de combate é “algo em que estivemos a trabalhar durante algum tempo”, acrescentando:

“Trata-se de uma situação em que observamos uma escalada de acções dos iranianos; e trata-se também de uma situação em que responsabilizamos os iranianos pelos ataques contra interesses norte-americanos. Se essas acções vierem a acontecer mesmo por procuração de terceiros, seja uma milícia xiita, os Houthi ou o Hezbollah, iremos responsabilizar os iranianos – a liderança iraniana – por isso”.

Tem sido notado, no entanto, mesmo até em documentos do próprio governo norte-americano, que os Houthi no Iémen não actuam como um “procurador” do Irão e que este país não tem qualquer papel nas suas acções  militares. Além disso, a afirmação de Pompeo segundo a qual quaisquer acções realizadas por qualquer “grupo xiita” serão atribuídas ao Irão mostra que a administração Trump anda à procura de um pretexto para atacar este país mesmo por actos sobre os quais Teerão não tem qualquer controlo.

Tendo ainda em conta o carácter vago do comunicado de imprensa pode até não ser necessária qualquer acção militar para desencadear uma “resposta implacável”. Por exemplo, se o Irão cumprir a promessa de bloquear o Golfo como resposta aos esforços norte-americanos para impor um embargo total às suas exportações de petróleo, tal medida poderá vir a ser interpretada como um ataque aos interesses dos Estados Unidos ou dos seus aliados regionais, mesmo não envolvendo qualquer ataque militar.

Acresce que o governo Trump também considera o Hamas, que governa a Faixa de Gaza, como uma procuração do Irão, pelo que as hostilidades entre este grupo e Israel, principal aliado dos Estados Unidos na região, podem ser interpretadas como um “ataque do Irão”. No entanto, no caso de Israel e do Hamas, um funcionário norte-americano que guardou o anonimato declarou ao New York Times que o movimento do grupo de combate não teve a ver com os ataques aéreos israelitas em curso contra Gaza. 

Entretanto, vale a pena considerar que a execução de uma operação de “bandeira falsa” atribuída a qualquer milícia que alegue ser xiita contra um alvo importante para os interesses norte-americanos pode ser usada como pretexto para uma guerra contra o Irão.

A ambiguidade do comunicado de Bolton e as declarações posteriores feitas por Pompeo mostram claramente que os falcões da administração Trump estão a lançar as bases de um ataque contra o Irão que inevitavelmente conduzirá à guerra com a República Islâmica – que provavelmente envolverá grande parte do Médio Oriente e, potencialmente, grande parte do mundo





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