LÍBIA, UMA GUERRA IMPERIALISTA
2019-04-19
Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto
A Líbia está de novo mergulhada num sangrento conflito armado entre facções opostas, cada uma delas apoiada por potências exteriores rivais, que pela força das armas procuram apoderar-se do controlo do petróleo líbio.
Neste momento a principal cidade do país, Tripoli, está cercada pela facção do general Khalifa Haftar. Os três milhões de pessoas que aí habitam estão a ser bombardeadas de forma intermitente.
É natural que se assista a um forte êxodo da população e à procura de abrigo na Europa, no que poderá ser uma nova vaga de refugiados vindos exatamente do país que a União Europeia tem vindo a financiar para se tornar uma barreira à emigração africana subsaariana.
Guerra imperialista
Uma guerra imperialista é qualquer guerra entre Estados capitalistas pelo controlo de território, matérias-primas ou quaisquer outros interesses económicos ou estratégicos de um país terceiro.
No caso líbio, nenhum dos lados defende a sua pátria mas antes e somente interesses externos, quer sejam norte-americanos, ingleses, franceses, italianos ou sauditas.
O petróleo Líbio
As enormes reservas petrolíferas líbias estão entre as 10 maiores do mundo. Especialistas pensam que poderão ser ainda maiores, uma vez que nas últimas décadas não houve um esforço de prospecção no sentido de determinar se existem ainda reservas não avaliadas.
Em 2011 a Líbia chegou a ser o 4º maior produtor de petróleo do mundo, mas depois da guerra contra Kaddhafi a extracção e transformação de petróleo diminuiu acentuadamente. Nessa altura 32% do petróleo líbio seguia para a Itália.
Hoje a Itália compra cerca de um quinto do petróleo exportado pela Líbia, continuando a ser o maior destino desse ouro negro. Outros países como a França (11%), o Egipto (8%), a Alemanha (8%), os Estados Unidos (5%) e a Holanda (5%) absorvem o restante destas exportações. Todos têm interesse em controlar esse petróleo.
Acresce o facto de o petróleo líbio estar praticamente à superfície, o que se traduz num custo de exploração extremamente baixo – na ordem do 1 dólar (USD) por barril. Note-se que o custo marginal do barril é de 9 USD na Arábia Saudita, 22 USD no Canadá e 44 USD no Reino Unido.
Reservas gigantescas, fáceis e baratas de explorar e perto dos mercados europeus (baixo custo de transporte) fazem da Líbia um alvo claro da cobiça alheia.
Luta pelo petróleo
O primeiro ataque do general Khalifa Haftar, em Fevereiro deste ano, foi ao campo petrolífero de Al Sharar, o maior e mais importante do país. Essa manobra foi apoiada pela aviação militar francesa.
Este campo é explorado pela empresa espanhola Repsol e pela francesa Total. O ataque surgiu na sequência da incapacidade do Governo central de defender o campo de acções das tribos Toubous em luta pelos seus direitos.
A tomada do campo de Al Sharar possibilitou a Khalifa Haftar os recursos necessários para o seu ataque ao poder central sediado em Tripoli. Khalifa Haftar também já conseguira, em Junho do ano passado, conquistar o controlo do campo de Al Fil, onde operam outras petrolíferas estrangeiras.
Por detrás de Haftar estão os interesses da França, do Egito, da Arábia Saudita e dos Emiratos. Interesses poderosos, sem dúvida.
Do lado oposto encontra-se o Governo de Unidade Nacional (GNA), liderado por Fayez Al Sarraj, reconhecido pelas Nações Unidas e apoiado pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido. Com a perda do campo de Al Sharar a sua posição ficou debilitada, mas tem conseguido resistir à ofensiva sobre Tripoli.
As forças do GNA controlam essencialmente a zona da Tripolitânia, enquanto as do Exército Nacional Líbio (ENL) a Cirenaica.
3 Principais regiões líbias
Note-se, contudo, que a rota de saída do petróleo ainda é controlada pelas forças do GNA e que o autodenominado Exercito Nacional Líbio de Khalifa Haftar controla apenas os campos de produção, mas não os gasodutos que permitem a sua exportação.
As principais companhias estrangeiras que, com a estatal Companhia de Petróleos Nacional Líbia (CPNL), controlam a exploração de petróleo e gás são: as americanas ConocoPhilips, Suncor, Marathon, a espanhola Repsol, a italiana ENI, e em menor escala a francesa Total.
Estas empresas são autênticos estados dentro do Estado. São elas as que mais lucraram com o desmoronamento do Estado líbio na sequência da derrota de Kaddhafi. São elas que exploram a principal riqueza líbia: os hidrocarbonetos.
E é o dinheiro do petróleo que paga as milícias armadas e os mercenários estrangeiros que as servem.
Negociações falhadas
O diálogo entre facções conduzido pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, antes do ataque a Tripoli não surtiu qualquer efeito e o general Khalifa Haftar, com quem se reuniu em Benghazi, sentindo que dispunha do controlo dos campos petrolíferos, de superioridade militar e do apoio estrangeiro, não mostrou qualquer abertura para o diálogo. Pouco depois de Guterres sair da Líbia, Tripoli estava a ser bombardeada.
O aeroporto de Tripoli, a escassos 30 quilómetros da cidade, foi tomado pelas forças do ENL que, no entanto, acabaram por ser desalojadas depois de intensos combates. Apesar destas dificuldades, o ENL conseguiu tomar as cidades de Gharyan, Surman, e Aziziya todas próximas de Tripoli.
Um contra-ataque efectuado pelas milícias de Misrata, alinhadas com as forças do Governo, capturou um contingente de tropas do ENL e vários veículos militares. A guerra continua sem fim à vista.
Conclusão
Várias facções líbias, todas apoiadas, financiadas e armadas por potências capitalistas rivais, lutam ferozmente pelo controlo do país e das suas riquezas naturais. Enormes reservas de petróleo, fáceis e baratas de explorar e localizadas perto do mercado de destino fazem da Líbia uma presa de primeira qualidade.
Cada uma das facções parece bem entrincheirada na sua região; e se bem que o ENL tenha tomado a iniciativa do ataque ao coração da facção rival, parece não ter capacidade de vencer. Muito especialmente depois de os EUA terem afirmado que não pode haver uma solução militar para o conflito.
Grandes empresas multinacionais norte-americanas, espanholas, italianas e francesas exploram já a maioria dos campos petrolíferos, mas pretendem estender os seus domínios.
Franceses e sauditas de um lado, norte-americanos e ingleses de outro disputam avidamente os recursos através de milícias locais que armam e controlam.
Em resumo, a guerra prossegue. O país continua dividido e mergulhado no caos desde o derrube de Kaddhafi por forças ocidentais. O sangue líbio corre em abundância.
O controlo do petróleo e do gás ainda não está decidido. Não o será pelas armas destas milícias fantoche, mas só pelo concerto entre potências estrangeiras, que são as principais beneficiadas com todo este tumulto fratricida.
Economista, MBA