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COMO A SUÍÇA DOMINA O MERCADO DO OURO

Refinando ouro

2019-04-06

Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto

O ouro desempenha desde a antiguidade um papel de moeda e de reserva de valor. Quem controla este importante mercado? Que país ou países acumulam este metal precioso e têm o poder de estabelecer o seu preço?

Ouro eterno

Máscara de ouro de Tutankamon

O longevo Império do Egipto reforçou as suas posições também graças ao ouro, tendo sido o principal produtor deste metal precioso durante séculos. Coptos foi a primeira capital do ouro no mundo, aí confluindo o produto das explorações que eram feitas na margem do rio Nilo, primeiro a céu aberto e depois em minas subterrâneas (as primeiras de sempre). Mais tarde Coptos veio a ser ultrapassada por outra cidade egípcia Tebas, erguida a uns meros 50 quilómetros a Sul. Em 1300 AC os egípcios exploravam na Núbia mais de 100 minas de ouro, que era depois transportado por uma rota bem protegida com fortalezas e muitos soldados (Habashi, 2016).

Gregos, romanos, a Igreja Católica na Idade Média, reis, nobreza e clero todos utilizaram o ouro como moeda de troca ou forma de acumular e exibir a sua riqueza.

Portugal, a partir de 1691 explorou ouro no Brasil aumentando a riqueza nas mãos da dinastia de Bragança reinante, mas não aproveitando essa oportunidade para se modernizar nem modernizar o Brasil, a quem o ouro verdadeiramente pertencia.

O padrão Ouro

David Hume foi, com a sua teoria quantitativa do dinheiro, o primeiro economista moderno a propor um sistema monetário mundial de câmbios fixos, o padrão-ouro. No século XIX vários países adoptaram o padrão-ouro, nomeadamente o Reino Unido, então a potência imperialista dominante. Mesmo os seus rivais continentais, os alemães, também o introduziram na sua economia em 1873 com o marco de ouro. E o mesmo o fez o Japão.

O sistema inglês da libra padrão-ouro permaneceu até ao início da I Grande Guerra (1914-1918). Entre guerras viveu-se um período de relativa liberdade cambial, mas no final da II Grande Guerra os Estados Unidos, em Bretton Woods, impuseram um novo sistema baseado no padrão-ouro ligado à sua própria moeda, o dólar.

No entanto o sistema não sobreviveu e os Estados Unidos, país deficitário em termos de comercio externo, foi obrigado a abolir a troca de dólares por ouro em 1971.

No entanto, se bem que perdendo esta sua função de regulação do comércio mundial, o ouro permanece o principal metal precioso com múltiplas aplicações na joalharia, na electrónica e mesmo na medicina e até na culinária.

Em termos financeiros, e de acordo com o World Gold Council, as vantagens do investimento neste metal passam por:
i) Constância do seu valor ao longo de séculos;
ii) Alta liquidez, sendo fácil de trocar por qualquer moeda;
iii) Segurança em tempos de incerteza;
iv) Investimento não correlacionado com outros activos;
v) Protecção contra a inflação.

Compreende-se, então, que o ouro retenha ainda uma função monetária muito importante e que as reservas dos bancos centrais de muitos países estejam parcialmente investidas em ouro.

Compreende-se também que, apesar do fim do padrão dólar-ouro, a produção tenha, para acompanhar a procura, triplicado desde então.

Mercado mundial de ouro

No final de Dezembro de 2018 o conhecido banco suíço UBS esperava que durante este ano a cotação do ouro se mantivesse em redor dos 1.300 dólares por onça. No final de Março passado o preço nos mercados internacionais estava nos 1,291 USD. Perfeitamente alinhado com a previsão, tendo atingido um máximo de 1.345 e um mínimo de 1.278 USD. Estes preços, contudo, estão muito longe dos mais de 2.000 USD atingidos em Agosto de 2011, durante a crise financeira, altura em que muitos investidores se refugiaram no ouro como forma segura de aplicar o seu dinheiro, mas ainda consideravelmente acima dos 1.100 USD por onça que exibia em 2008, quando a crise estalou nos Estados Unidos.

O mercado mundial do ouro é regulado pelo World Gold Council que procura estimular a procura deste metal e apoiar tecnicamente a indústria de extracção e transformação de ouro. O Concelho tem como membros as principais empresas mineiras.

Quem compra o ouro produzido? Metade é absorvido pela joalharia, parte significativa é comprada pelos Bancos Centrais e outra parte pelos fundos de investimento e outros investidores. Por fim, uma pequena parte é adquirida pelas indústrias para fins tecnológicos (electrónica, medicina, etc.).

Até muito recentemente a África do Sul era o maior produtor mundial de ouro, mas foi ultrapassada por um conjunto alargado de países, caindo para o 7º lugar. O maior produtor hoje é a China (14% da produção global), logo seguido pela Austrália (9,5%), a Rússia (8%), os Estados Unidos (8%) e o Canadá (6%). Entre os maiores produtores encontramos ainda o Perú (5%), o México (3,5%), o Uzbequistão (3%) e o Brasil (2,5%).

No entanto, quando olhamos para os maiores exportadores e importadores mundiais de ouro temos um conjunto de países totalmente diferente. Desde logo a Suíça domina uma fatia enorme deste mercado, sem que seja sequer produtora.

Em termos de grandes importadores a Suíça é também o primeiro, logo seguida da China e da Índia.

                                                                                       Maiores exportadores de Ouro
                                                                                                                 2017

                                                                                           Maiores Importadores de Ouro
                                                                                                                   2017

Percebe-se que a China, apesar de ser grande produtora de ouro, consome este metal em grandes quantidades, sendo ainda grande importadora. A Índia é o maior comprador líquido de ouro. Outros grandes importadores líquidos são o Reino Unido, a Turquia, os Emirados e a Tailândia. Os Estados Unidos são exportadores líquidos (exportações maiores do que importações).

Como se explica este domínio de um pequeno país que não possui sequer uma única mina de ouro?

Suíça dourada

Pequeno país europeu situado nos Alpes, com pouco menos de 9 milhões de habitantes, dividido em 26 cantões falando quatro línguas diferentes, a Suíça é uma das nações mais desenvolvidas e ricas do mundo. Mantém-se como Estado neutro, sendo uma prova de que é possível sobreviver e prosperar fora da União Europeia e da NATO.

Constitui também uma prova e um exemplo de que para dominar um mercado não é necessário ter recursos naturais nem um mercado interno gigantesco, mas antes, e acima de tudo, pessoas capazes, com formação e a quem é dada a palavra e o poder de decisão. Não produzindo cacau, tem uma posição dominante no mercado de chocolate; não tendo uma única mina, tem um papel determinante no mercado do ouro; não tendo uma população numerosa possui um dos sistemas bancários mais robustos e internacionais do planeta.

A Suíça, em termos de mercado mundial do ouro, tem um comércio que passa pela importação, refinação e posterior venda. Este pequeno país conseguiu estabelecer-se como centro global da indústria do ouro, posição que conquistou em 1968 quando o London Gold Pool colapsou, criando logo o Zurich Gold Pool (um mercado interbancário de ouro, essencialmente entre a UBS, o Credit Suisse e a Swiss Bank Corporation).

Rapidamente estabeleceu laços com a África do Sul, na altura o maior produtor mundial, que necessitava de um mercado internacional que permitisse fixar e estabilizar o valor do ouro. Rapidamente a Zurich Gold Pool tornou-se um actor incontornável no comércio mundial de ouro, por aí passando a maioria das transacções internacionais.

Para apoiar esta bolsa do ouro foi necessário também prover o armazenamento do metal. Assim, foram criadas instalações para guardar o ouro transaccionado.

Deste modo, a Suíça tornou-se o maior armazenista de ouro e o armazenista, praticamente monopolista, do novo ouro produzido anualmente. Em 2016, 88% do novo ouro chegou à Suíça.

A Suíça actua também como grande refinadora, sendo que aí é feita uma fatia significativa da refinação mundial.

                                                              Maiores empresas mundiais de refinação de ouro

O país tem uma das maiores reservas mundiais de ouro – mais de 1.000 toneladas em finais de 2018. Essas reservas, parcialmente vendidas durante a crise financeira, permitiram capitalizar rapidamente o sistema financeiro suíço, que assim resistiu a esse desafio muito melhor do que o de outros países.

Conclusão

Um país sem recursos naturais, dividido em cantões, praticando uma democracia direta e com uma pequena população catapultou-se em poucos anos, aproveitando um erro alheio, de actor secundário e insignificante para a liderança de uma das mais importantes e estratégicas indústrias do planeta: a do ouro.

Recusando em referendo aderir à União Europeia e à NATO, a Suíça soube manter-se independente e neutral ganhando com isso o respeito da comunidade internacional e aproveitando esse estatuto para edificar actividades económicas que lhe permitem ostentar um dos mais elevados níveis de vida da Europa.

Actualmente a China tem vindo a fazer uma aproximação à Suíça no sentido de promoverem um sistema monetário internacional mais assente no ouro do que no dólar. Mas essa é outra história …

*Economista, MBA

Referências
Habashi, Fathi (2016), Gold – An Historical Introduction, In Gold Ore Processing, Mike D. Adams (edt), pp.1-20
Shafiee, Shahriar e Erkan Topal (2010), An overview of global gold market and gold price forecast, Resources Policy, Número 35, pp 178-189
Popescu, Dan (2016), The Zurich Gold Pool, [on line], https://popescugolddotcom.wordpress.com/2016/08/07/the-zurich-gold-pool/, acedido a 3 de Abril de 2019

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