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OBSERVADORES NA VENEZUELA ACUSAM UE DE “FALSIFICAÇÃO”

Federica Mogherini, a União Europeia arrastada na estratégia de Pompeo para a Venezuela, fechando os olhos à realidade

2019-03-11

Pilar Camacho, Bruxelas

A Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros tem em seu poder, há nove meses, cartas de observadores internacionais das últimas eleições presidenciais venezuelanas invalidando toda a argumentação de Bruxelas e de governos de Estados membros sobre a suposta falta de legitimidade da consulta popular. As posições europeias contra o governo de Caracas “têm apenas motivações políticas, porque não podem ser suportadas por alegadas incorrecções eleitorais, que não existiram”, afirma-se no próprio departamento chefiado pela italiana Federica Mogherini.

Um dos documentos demolidores dos argumentos invocados por Bruxelas é uma carta de 18 de Junho de 2018 assinada por quatro observadores internacionais, que estranham a certeza com que Federica Mogherini invoca a falta de legitimidade das eleições presidenciais de Maio de 2018, uma vez que a União Europeia rejeitou o convite que lhe foi dirigido para ser observadora. “Nenhuma das críticas” contidas nas alegações “se baseia na observação directa da União Europeia no terreno”, sublinham os observadores na sua carta.
A posição assumida pela Alta Representante logo após as eleições, e em devido tempo desmontada pelos observadores eleitorais, ainda hoje serve de base aos argumentos anti-Venezuela usados pela Comissão Europeia e por governos de Estados membros, entre os quais o português. Entidades estas que exigem novas eleições, apesar das provas demonstrando que as de há 10 meses foram absolutamente regulares.

“Falsificações vergonhosas”

Fazendo referência a um comunicado de imprensa da Alta Representante Federica Mogherini, e que continua a servir de base ao reconhecimento da “legitimidade” de Juan Guaidó como “presidente interino”, os observadores afirmam que contem “falsificações vergonhosas, indignas da União Europeia, baseadas em boatos e não em provas”.
Nesse comunicado de Mogherini sobre as supostas irregularidades das eleições presidenciais pode ler-se:

“(…) Obstáculos à participação de partidos políticos de oposição e seus dirigentes, a composição desequilibrada do Conselho Nacional Eleitoral, condições eleitorais tendenciosas, numerosas irregularidades relatadas no dia das eleições, incluindo a compra de votos, fizeram com que as eleições não tenham sido justas e equitativas”.

A este tipo de argumentação, os observadores que estiveram presentes no terreno respondem o seguinte:

“Fomos membros de um núcleo de cem observadores das eleições venezuelanas de 20 de Maio. Avistámo-nos com altos representantes de todos os candidatos e tivemos a possibilidade de os questionar de perto. Reunimo-nos com o presidente e dois vice-presidentes do Supremo Tribunal de Justiça. Examinámos o sistema eleitoral ao pormenor e, no dia das eleições, observámos procedimentos de votação em todo o país.
“Registámos, em particular, não apenas a sofisticação do sistema de votação que, segundo a nossa opinião colectiva, é à prova de fraude, mas também verificámos que todas as etapas, do próprio voto ao apuramento de resultados, a respectiva verificação e envio electrónico, foram efectuadas na presença de representantes de todas as candidaturas. Quanto às ‘denúncias de irregularidades’, gostaríamos de conhecer exemplos, já que o sistema de denúncia é excepcionalmente rigoroso e à prova de falsificações. Duvidamos que a senhora tenha alguma prova para sustentar a alegação da União Europeia de ‘numerosas irregularidades em relatórios’.
“Fomos unânimes em concluir que as eleições foram conduzidas de forma justa, que as condições eleitorais não foram tendenciosas, que as irregularidades de facto foram excepcionalmente poucas e de reduzida importância. Não houve compra de votos, porque não há maneira de um voto PODER ser comprado. Os procedimentos em si excluem qualquer possibilidade de alguém saber como determinado eleitor votou. E é impossível – como verificámos – que um indivíduo vote mais de uma vez ou que alguém vote em nome de outra pessoa.
“Em suma, as alegações no comunicado de imprensa são falsificações de tipo vergonhoso, indignas da União Europeia, baseadas em boatos e não em provas. Estamos cientes da informação segundo a qual a União Europeia foi convidada a enviar observadores às eleições e recusou-se a fazê-lo. NENHUMA das críticas contidas no comunicado de imprensa da UE se baseia, portanto, na observação directa da UE no terreno.
“Ficaríamos muito satisfeitos em discutir mais aprofundadamente estes assuntos com a senhora e pô-la em contacto, ou aos seus colegas, com outros observadores – entre os quais políticos seniores, académicos, funcionários eleitorais, jornalistas e funcionários públicos de muitos e diferentes países, incluindo: Espanha, Reino Unido e Irlanda do Norte, Alemanha, Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Honduras, Itália, vários países das Caraíbas, África do Sul, Tunísia, China, Rússia e Estados Unidos (sic).”

Uma carta sem resposta?

Esta carta, que abre pistas em direcção a todos os membros da delegação de observadores, foi assinada por Jeremy Fox, jornalista e escritor; Joseph Farrel, da direcção do Centro Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ); Calvin Tucker, jornalista; e Francisco Dominguez, do Departamento de Estados Latino-Americanos da Universidade de Middlesex.
Em Bruxelas, no departamento da Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Federica Mogherini, não há conhecimento de esta carta ter tido resposta ou do aproveitamento de qualquer das oportunidades por ela abertas para aprofundar o respectivo conteúdo.
Mas existe, entretanto, “alguma perplexidade” nos bastidores do departamento com a forma como a União Europeia lidou factualmente com este processo, “emitindo juízos sem estarem fundamentados” ou manifestando um “excesso de zelo” com a questão venezuelana enquanto na América Latina, a começar “pelas comprovadamente falsificadas eleições nas Honduras”, se têm sucedido processos de mudanças de governo através de “golpes constitucionais para inverter o sentido democrático estabelecido pelos cidadãos em eleições que não foram contestadas”.
Os casos mais flagrantes lembrados, que não pela Alta Representante e por governos que patrocinam Guaidó, são os do Brasil e do Paraguai.
“Um organismo que não é coerente não consegue conquistar a credibilidade da opinião pública e não pode dar-se ao respeito, correndo o risco de acabar sintonizado com operações que nada têm de democráticas, como as conduzidas pela administração de Donald Trump”, afirma um técnico do departamento da Alta Representante, que solicitou o anonimato.



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