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RELATÓRIO SECRETO DA UE RECONHECE “DISCRIMINAÇÃO” DOS PALESTINIANOS

Forças israelitas contra a população da aldeia de Khan al-Ahmar que lutava para impedir a sua destruição

2019-02-01

Pilar Camacho, Bruxelas

Um relatório diplomático interno e reservado da União Europeia reconhece que os palestinianos são vítimas de “discriminação legal sistemática” por parte de Israel, enquanto os colonos israelitas na Cisjordânia ocupada “agem com impunidade” recorrendo a variadas formas de violência.

Além disso, a multiplicação de colonatos e controlos militares nos territórios da Cisjordânia tem vindo a transformá-los num “arquipélago de ilhas palestinianas”, o que é susceptível de pôr em causa a solução de dois Estados na Palestina, reconhecida internacionalmente.
O documento, com estatuto ainda confidencial, foi elaborado com a perspectiva de servir de base aos governos dos Estados membros e à própria União Europeia para actualização da política em relação ao Médio Oriente, integrando as transformações que têm vindo a suceder na região.
No entanto, o Serviço de Acção Externa da União, chefiado pela alta comissária italiana Federica Mogherini, não procedeu ainda à sua divulgação para os necessários debates internos, designadamente à Comissão do Magrebe e Maxereque do Parlamento Europeu. Segundo círculos diplomáticos conhecedores do relatório, este facto deve-se à existência de “muita sensibilidade” em relação a assuntos envolvendo Israel, não só dos governos dos Estados membros como das instâncias da União Europeia, incluindo Parlamento Europeu.
Apesar de as posições mais pró-israelitas serem assumidas por países de extrema-direita como a Hungria, a Croácia, a Letónia, a Polónia e a República Checa, outros governos têm comportamentos idênticos, embora sob formulações mais benignas.

Objectividade nua e crua

O relatório diplomático assume uma objectividade nua e crua em relação à situação real nos territórios palestinianos e que não está sintonizada com as habituais posições oficiais da União Europeia.
O documento conclui que os 2,7 milhões de habitantes da Cisjordânia são alvo de “discriminação legal sistemática”, numa situação de “ocupação quase permanente”.
Os 400 mil colonos instalados ilegalmente no território, em violação das Convenções de Genebra, “agem com impunidade” mesmo quando são detectados a “queimar campos agrícolas e olivais, danificar colheitas e propriedades, usar armas de fogo” e outras formas de violência contra os palestinianos.
A situação é ainda mais dura para os cerca de 300 mil palestinianos que vivem nas chamadas Áreas C do território, que permanecem sob controlo israelita e sobre os quais a Autoridade Palestiniana de Ramalah não tem qualquer jurisdição efectiva. Nessas áreas, o sistema judicial está nas mãos das forças militares israelitas, pelo que as taxas de condenação dos palestinianos são de 99,74%. Além disso, cerca de seis mil dos condenados, entre os quais 365 menores, são considerados “prisioneiros de segurança”, situação susceptível de implicar períodos indeterminados de confinamento solitário, “o que em si pode significar tortura”.
Mais 442 detidos, entre os quais três menores, são vítimas do “sistema de detenção administrativa”, imposto com base em “informações secretas”, estando sujeitos a períodos de seis meses de prisão, prorrogáveis e sem julgamento, situação que pode configurar prisão perpétua.
Quanto aos crimes dos colonos, apenas oito por cento são transformados em acusações, “pelo que a violência por eles praticada tem vindo a aumentar”, segundo o relatório diplomático da União Europeia.
Em relação aos soldados de ocupação que “usam violência desproporcionada” e porventura cheguem a ser acusados judicialmente, raramente recebem qualquer condenação.
As áreas C cobrem 60% do território da Cisjordânia; nelas se encontram os “terrenos mais férteis”, pelo que deveriam ser, segundo o documento, “a principal reserva de terra para um futuro Estado palestiniano”.

Exemplos de discriminação

Numa observação geral, o relatório de diplomatas da União Europeia revela que a expansão permanente dos colonatos e os numerosos postos de controlo montados pelo exército israelita, fixos e móveis, transformaram a Cisjordânia num “arquipélago de ilhas palestinianas”, comprometendo a solução de dois Estados.
Os colonos continuam a construir novas cidades, interligadas por estradas reservadas apenas a israelitas, e praticam “agricultura intensiva” em terras agrícolas palestinianas.
Ao invés, os palestinianos, residentes de origem, não têm autorização para construir casas e mal conseguem cultivar as terras porque não têm acesso a água – controlada por Israel. Segundo o conteúdo do documento, cerca de 12500 infraestruturas palestinianas, entre elas numerosas casas de residência, tinham ordem de demolição em Julho de 2018, a data do relatório. Aldeias inteiras, como Khan al-Ahmar e Susya, estavam “sob ameaça de transferência imediata forçada”, para permitir a criação de novas estruturas de colonização israelita.
Já as conclusões e recomendações do relatório diplomático parecem muito aquém da gravidade da realidade discriminatória observada e descrita.
Nele pode ler-se que “com a perspectiva de uma solução para o conflito israelo-palestiniano estar cada vez mais longínqua, o foco deve dirigir-se para as maneiras de melhorar a situação das pessoas no terreno”. Em relação a Israel, limita-se a “recomendar” mudanças que contribuam para proporcionar essa melhoria de condições.
Apesar disto, o relatório é ignorado pelas instâncias da União Europeia há mais de seis meses, dando a perceber que as “sensibilidades” em relação a Israel acabam por pesar mais do que a realidade dura a que um povo continua submetido pelo ocupante, não obstante ser uma situação que viola grosseiramente o direito internacional.
Muito mais célere e afirmativo foi o processo que levou a União Europeia a colar-se à administração Trump no desenvolvimento do golpe contra a soberania da Venezuela.



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