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MANJIB: O IMPÉRIO DEVORA OS SEUS PRÓPRIOS SOLDADOS

O estado em que ficou o restaurante onde se encontravam os soldados norte-americanos em Manjib

2019-01-20

Nauman Sadiq*, Global Research; adaptação de O Lado Oculto

Na sequência do anúncio da retirada das tropas norte-americanas da Síria, feito por Donald Trump em 19 de Dezembro de 2018, os chefes curdos da zona ocupada no Norte da Síria ameaçaram libertar centenas de prisioneiros do Estado Islâmico (ou Daesh) e seus familiares, mantidos em prisões improvisadas no território.

Alguns desses prisioneiros são mercenários estrangeiros; os seus países de origem, especialmente os ocidentais, não estão dispostos a aceitá-los de regresso porque não têm provas para poderem processá-los. Embora os dirigentes curdos, desde então, tenham recuado nas suas intenções, o facto de as terem manifestado revela o nível de frustração provocado pela decisão abrupta e aparentemente caprichosa do presidente norte-americano, sobretudo por ter sido tomada depois de uma conversa telefónica com o presidente turco Erdogan, em 14 de Dezembro.
O passo seguinte dos chefes curdos foi correrem para Paris ao encontro do presidente francês Emmanuel Macron, que pôs na cabeça o boné globalista e intervencionista depois da posse do presidente norte-americano, dito “isolacionista”, em Janeiro de 2017.
Macron assegurou à chefia curda dos territórios ocupados na Síria que centenas de tropas francesas estacionadas neste país, como parte da chamada “coligação global” para combater o Daesh, permanecerão aí após a retirada norte-americana, embora seja improvável que essa situação se prolongue por muito tempo, Principalmente se tivermos em conta que o presidente francês enfrenta o maior desafio à sua gestão através dos protestos dos “coletes amarelos”.
Entretanto, quatro soldados norte-americanos foram mortos e três ficaram feridos em consequência de um ataque suicida na cidade de Manjib, na Síria, na quarta-feira, 16 de Janeiro. Além disso, a explosão matou dez civis e provocou mais feridos, em número superior a uma dezena.

Mais um golpe de bandeira falsa

Apesar de o Estado Islâmico ter reivindicado imediatamente a responsabilidade pelo ataque, através da sua agência de notícias Amaq, o grupo jihadista funcionou unicamente como o braço executor. Por detrás do dedo que puxou o gatilho estão os responsáveis por terem criado as circunstâncias para que tal fosse possível.
No próprio dia do atentado, a agência Reuters noticiou o seguinte:
“Uma explosão ocorreu perto de um restaurante, tendo como alvos soldados norte-americanos acompanhados por alguns membros do Conselho Militar de Manjib”. O relato acrescenta: “a milícia do Conselho Militar de Manjib controla a cidade e obedece a forças lideradas pelos curdos apoiados pelos Estados Unidos e que tomaram a região ao Estado Islâmico em 2016. O restaurante localiza-se perto de áreas mantidas por forças do governo sírio, apoiadas por russos e por combatentes anti-Assad apoiados pela Turquia”.
Vale a pena mencionar que as chamadas “Forças Democráticas da Síria” (FDS) são, nada mais, nada menos, que milícias curdas com uma presença de membros tribais mercenários árabes para fazer com que pareçam mais representativas e inclusivas nas suas perspectivas. O Conselho Militar de Manjib citado no despacho da Reuters é constituído por unidades de mercenários árabes coordenadas pelos curdos.
Deste modo, é muito fácil a membros dos restantes grupos jihadistas sírios sunitas, incluindo o Estado Islâmico, infiltrar-se nas unidades das Forças Democráticas Sírias, como por exemplo o Conselho Militar de Manjib, para lutar contra o governo da Síria chefiado por xiitas.
E como os curdos da Síria se opõem à política do governo de Trump de retirar as tropas norte-americanas deste país, é bem provável que as FDS, lideradas por curdos, não tenham assegurado o nível de vigilância necessário para manter os soldados norte-americanos a salvo. Efectivos militares norte-americanos, a que se juntaram membros das FDS lideradas por curdos num restaurante público de uma movimentada rua de Manjib, parece ser um desses casos de negligência que custam vidas preciosas.

Cumplicidades terroristas

Em relação à reivindicação de responsabilidade pelo atentado suicida, sabe-se que o Estado Islâmico tem um histórico de declarações pouco fiáveis e arrogantes para atrair a atenção internacional, de modo a gerar fundos e atrair potenciais membros para a sua rede terrorista transnacional. O Estado Islâmico reivindicou até a responsabilidade pelo ataque em Las Vegas, em Outubro de 2017, e no qual o autor, Stephan Paddock, matou 58 pessoas a sangue frio e deixou centenas de feridos durante um espectáculo em Mandalay Bay.
Desde o ataque com armas químicas em Ghuta, em Agosto de 2013, numerosas operações “false flag” (de bandeira falsa) foram encenadas na Síria por terroristas e os seus patronos regionais e globais para ultrapassar a suposta “linha vermelha na Síria” – os limites em relação aos quais Washington não toleraria ataques contra a “oposição síria” – e assim forçar a instalação de uma zona de exclusão aérea norte-americana sobre o território sírio.
O atentado suicida de Manjib, na quarta-feira 16 de Janeiro, que pretende fazer reverter a retirada dos soldados norte-americanos, parece ter sido mais um ataque de bandeira falsa perpetrado por curdos, ou por uma miríade de jihadistas árabes sunitas incluídos nas folhas de pagamentos dos seus patronos regionais e globais para lutar contra o governo liderado por xiitas em Damasco. O objectivo é o de impedir, ou mesmo desmantelar, a estratégia de retirada da Síria anunciada pela administração Trump, mantendo vivo o espectro do Estado Islâmico.
A realidade é que o Estado Islâmico foi derrotado de forma abrangente e já não controla territórios na Síria e no Iraque. Quanto à sua capacidade para realizar ataques de “tipo guerrilha”, Washington não terá condições para desmantelá-la mesmo que mantenha forças estacionadas no Iraque e na Síria por uma década ou mais.

O exemplo afegão

Recorde-se que, apesar de os Estados Unidos estarem a travar a sua guerra mais longa com 17 anos de presença no Afeganistão, o governo afegão, com apoio norte-americano, controla apenas 55% do território do país, segundo um relatório recente do Inspector-Geral para a Reconstrução do Afeganistão (SIGAR, na sigla anglo-saxónica). É importante notar que, como agência governamental com sede nos Estados Unidos, o SIGAR é conhecido por inflacionar os números.
Na realidade, o governo de Cabul não estende o seu mandato para lá de um terço do Afeganistão. Em muitos casos, controla apenas os centros administrativos das províncias, porque as áreas rurais periféricas estão sob domínio dos Talibã ou são disputadas entre este grupo e as forças governamentais.
Vale também a pena sublinhar que a distinção entre jihadistas islâmicos e supostos “rebeldes moderados” na Síria é muito mais ilusória que real. Pelo menos até antes de se tornar um “inimigo” e invadir Mossul, no Iraque, em Junho de 2014, o Estado Islâmico continuava a ser parte integrante da oposição síria e gozava de estreitos laços ideológicos e operacionais com outros grupos terroristas na Síria.

Onde estão os “moderados”?

Além disso, será que mercenários fortemente armados travando uma guerra sectária de jihadistas sunitas contra um governo liderado por xiitas podem ser rotulados como “rebeldes moderados”, com ambições seculares e nacionalistas? A realidade é que todos os grupos que operam na Síria e são constituídos por fanáticos jihadistas islâmicos consideram os xiitas como apóstatas e, por isso, sujeitos à morte.
Deste modo, além de ser praticamente impossível que Washington consiga eliminar todos os membros do Estado Islâmico na Síria, o que fazer com a miríade de outros grupos jihadistas, sobretudo milhares de membros da Frente al-Nusra (al-Qaida) que desde o ano passado criaram um outro santuário na Síria, a província de Idleb, no Noroeste do país?
A única solução possível para esta situação complexa é os Estados Unidos retirarem todas as tropas da Síria e deixarem o Estado sírio estender a sua autoridade a todo o território, eliminando os grupos terroristas actuando no país, incluindo o Estado Islâmico; mesmo que os lobbies sionistas em Washington possam levantar objecções a um suposto fortalecimento do Irão e da Rússia na Síria.

O papel de Israel

Depois de oito anos de total devastação e sangria tem vindo a surgir um consenso entre todos os actores da guerra síria para diminuir a intensidade do conflito; excepto Israel, que deseja intensificá-lo e foi o único beneficiário da carnificina.
O interesse de Washington na guerra por procuração montada contra a Síria foi principalmente o de garantir a segurança regional de Israel. O relatório de 2012 da Agência de Inteligência de Defesa dos Estados Unidos previu claramente a possível criação de um califado salafita no Nordeste na Síria – em Raqqa e Deir ez-Ezzor, regiões ocupadas pelo Estado Islâmico até Outubro de 2017 – no caso de explosão de uma guerra sectária na Síria.
Sob pressão do lobby sionista em Washington, porém, o governo Obama suprimiu deliberadamente o documento e ignorou a perspectiva segundo a qual uma guerra por procuração na Síria iria dar origem a jihadistas islâmicos radicais.
Os falcões em Washington estavam plenamente conscientes das consequências das suas acções na Síria, mas prosseguiram com a política de apoiar campos de treino de terroristas nas regiões fronteiriças deste país com a Turquia e a Jordânia, de modo a enfraquecer o governo sírio anti-sionista.
Os lobbies sionistas em Washington coagiram literalmente o então presidente Obama a coordenar uma guerra por procuração contra Damasco e o seu aliado Hezbollah depois da chamada “primavera árabe” de 2011 na Síria.
Ao longo dos anos seguintes, Israel não só forneceu ajuda médica e apoio material a grupos terroristas combatendo Damasco – particularmente várias facções do Exército Livre da Síria (ELS) e da Al-Nusra (al-Qaida) em Deraa e Quneitra, que fazem fronteira com os Montes Golã sob ocupação sionista – como a Força Aérea de Israel desempenhou praticamente o papel de aviação dos jihadistas e lançou centenas de ataques aéreos contra a Síria.
Em entrevista ao New York Times, em 11 de Janeiro, o chefe do Estado-Maior de Israel, general Gadi Eisenkot, confessou que o governo de Netanyahu aprovou a sua proposta de mudança de estratégia em Janeiro de 2017 para intensificar os ataques aéreos na Síria. Depois disso, mais de 200 bombardeamentos foram realizados contra alvos sírios em 2017 e 2018, como foi revelado pelo ministro israelita responsável pela espionagem, Israel Katz, em Setembro do ano passado.
Só durante o ano de 2018, a força aérea israelita lançou duas mil bombas na Síria. O alegado objectivo dessas operações foi destruir a tecnologia de mísseis teleguiados supostamente fornecidos pelo Irão a Damasco e ao Hezbollah.
Porém, desde que a Rússia equipou o exército sírio com mísseis defensivos S-300, depois de um avião de vigilância russo ter sido abatido em território da Síria, em 18 de Setembro último, matando 15 pessoas, Israel realizou esporádicos ataques. Um deles foi no dia de Natal, quando caças F-16 se esconderam atrás de aviões civis que viajavam para os aeroportos de Beirute e Damasco. O objectivo do ataque era obter a localização precisa do sistema de defesa aérea S-300, para o alvejar posteriormente ou conservar a aviação israelita fora do seu alcance.

*Advogado, geopolitólogo e colonista com base em Islamabad, especialista em temas do Médio Oriente, neocolonialismo e petro-imperialismo



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