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GRONELÂNDIA INDEPENDENTE?

Paisagem urbana da Gronelândia

2018-12-13

Jorge Fonseca de Almeida*

A Gronelândia, depois de se ter libertado da União Europeia, enceta hoje de forma mais decida o caminho para a independência sacudindo o jugo da Dinamarca, mas precisa de toda a sua energia para não sair de uma dominação e submeter-se a outra.

Primeira ilha do mundo depois da Austrália, com uma superfície de 2,1 milhões de quilómetros quadrados, maior portanto que a superfície combinada de Portugal, Espanha, França, Alemanha e Polónia, mas escassamente povoada, pouco menos de 60 mil habitantes, i.e. pouco mais do que uma pequena cidade como Vila Real, a Gronelândia é atualmente uma região autónoma da Dinamarca.



Gronelândia


1. Um longo caminho já percorrido

Anexada pela Dinamarca em 1721, transformada em colónia, a Gronelândia só foi integrada no Reino da Dinamarca em 1953 continuando, contudo, a ser governada por dinamarqueses a partir de Copenhaga. Só em 1979, com a instituição de uma Região Autónoma, conquistou uma transferência significativa de poderes do governo central para um governo local. Surgem nesse momento novos órgãos do poder: um Parlamento e um Governo regionais (Mazza, 2015).

Em 2009, depois de uma longa luta por maior autonomia o Governo dinamarquês foi obrigado a conceder uma autonomia reforçada que foi sufragada em referendo local (75% dos votos a favor). A nova legislação reconhece a existência de um povo diferente do dinamarquês e, por essa via, o direito à autodeterminação e à independência da Gronelândia (Mazza, 2015). Contudo esta última etapa ainda não foi desencadeada apesar do amplo consenso popular a seu favor.

2. Últimas eleições

Nas últimas eleições para o Parlamento regional sediado em Nuuk, os principais partidos, o Siumut (9 deputados) e o Inuit Ataqatigiit (8 deputados), ficaram praticamente a par. A questão da independência ressurge com mais força, uma vez que o Inuit Ataqatigiit (Comunidade Inuíte), partido da esquerda patriótica, a defende.

O Governo liderado por Kim Kielsen (Siumut) assenta numa aliança com parceiros menores como o Partii Naleraq.

Recentemente, uma crise política deixou a colição governamental em posição minoritária no Parlamento. Em causa, a construção de um novo aeroporto com apoio chinês, integrado no projeto da Rota da Seda Polar, em que os dinamarqueses pretendiam ser parceiros. A presença dinamarquesa suscitou reações adversas do Partii Naleraq, que abandonou a coligação governamental (Reuters, 2018) 

3. Gronexit de 1982

Em 1982, o Inuit Ataqatigiit levou a cabo uma campanha bem sucedida para retirar a Gronelândia da União Europeia. Ganharam o referendo e, apesar de a Dinamarca continuar membro da UE a Gronelândia está fora. Não houve segundo referendo, tendo a Dinamarca acatado a decisão do povo gronelandês.

Em 1985 foi assinado o Tratado da Gronelândia, regulando as relações entre a Gronelândia e a União Europeia, então Comunidade Económica Europeia. Saiam os gronelandeses quando Portugal insistia em entrar.

Este foi uma primeira saída que precedeu em várias décadas o Brexit. Ela permitiu à Gronelândia manter as suas políticas sociais bem como as suas empresas estatais e aumentar o nível de vida da população.

Um exemplo a ponderar pelos Açores e pela Madeira, que poderiam sair da União Europeia mesmo que Portugal pretendesse permanecer. Uma aproximação ao Reino Unido, Brasil, Canadá seria certamente mais benéficas para essas regiões do que uma maior submissão à Alemanha/União Europeia.

4. Um Povo

A população da Gronelândia não se revê na cultura dinamarquesa, sendo como é constituída, em cerca de 90%, por esquimós da etnia Inuíte e por apenas 10% de etnia dinamarquesa. A língua oficial é o gronelandês, a língua dos inuítes.

A forte dependência da pesca, 90% das exportações, a pequena população, a importância do contributo dinamarquês, da ordem dos 50%, para o orçamento local, parecem obstáculos de monta para a ascensão à independência.

No entanto algo está a mudar …

5. O Clima não ajuda 

Extensas regiões da Gronelândia estão cobertas, permanentemente ou por longos períodos do ano, por uma espessa camada de gelo que tornam a sua habitabilidade praticamente impossível. Por isso, a grande maioria da população vive em localidades junto à costa sendo o interior praticamente desabitado.

Com a teoria do aquecimento global muitos esperariam que a camada de gelo regredisse, tornando a Gronelândia um local mais aprazível para a vida humana. No entanto, o que se verifica é uma tendência desde 1940 para o arrefecimento nas zonas costeiras, e mesmo na cobertura de gelo verifica-se um arrefecimento de mais de dois graus por década desde que medições sistemáticas das temperaturas aí se iniciaram em 1987 (Chylek, Box e Lesins, 2004).

Estando o clima a mudar, no sentido do arrefecimento, não é seguramente este aspecto que está a impelir a Groenlândia para a independência.

6. Bases militares estrangeiras obstáculo à independência

A Dinamarca impôs à Groenlândia a presença de bases militares norte-americanas. A Base área de Thulé, a base norte-americana mais próxima do Polo Norte, possui um potente sistema de radar desenhado para detectar e identificar o movimento aéreo russo na região. Aí estão estacionados o 21º da Ala Espacial (21st Space Wing) com a sua rede de sensores espaciais que cobre todo o planeta, o 821º Grupo Aéreo de apoio e o 12º Esquadrão Espacial de Aviso (12th Space Warning Squadron). O aeroporto da base tem um intenso movimento de aviões de vigilância e de combate. Para além disso, existe também uma Base Naval.

Na Gronelândia os Estados Unidos dispunham ainda de instalações em Campo Century, que com os seus 21 túneis e equipado com um reator nuclear foi base de lançamento de mísseis nucleares; em Campo Tuto, e em muitos outros locais.

Ainda em funcionamento está a Estação Norte (Station Nord), construída pelos norte-americanos e hoje gerida pelos dinamarqueses com apoio americano.

Estando fortemente militarizada por estrangeiros, uma das condições colocadas pelos dinamarqueses para a ascensão à independência é a renovação e manutenção dos acordos miliares com os Estados Unidos ou a integração na NATO, soluções que não agradam a muitos gronelandeses.

Será necessária muita firmeza para evitar cair na dominação militar estrangeira.

7. A fileira dos Recursos Minerais pode suportar a economia do país

O que está verdadeiramente a mudar prende-se com a descoberta de fontes de energia primárias como o petróleo e o gás. A partir de 2005, muitas empresas estrangeiras começaram a fazer uma prospecção sistemática do território e das águas da zona económica exclusiva da Gronelândia.

A par com as fontes energéticas, a Gronelândia é igualmente rica num conjunto de outros minerais. No sul da Gronelândia, perto da pequena cidade de Narsaq, encontram-se, em Kvanefjeld, importantes jazidas de uranio, o 6º maior do mundo, zinco e terras raras, o 2º maior do mundo.



O enorme complexo mineiro de Kvanefjeld


A empresa australiana Greenland Minerals (GML) adquiriu a concessão da exploração. Muitos habitantes de Narsaq têm-se oposto à exploração mineira por razões ambientais e sanitárias, preocupados com o impacto na sua saúde da exploração do uâanio, material particularmente radioativo.

O Governo tem uma estratégia que passa por aumentar o bem-estar público usando as receitas dos recursos minerais através de Impostos e royalties sobre as empresas mineiras. Naturalmente que a atividade mineira também contribuirá para o aumento e diversificação do emprego e, por essa via, do rendimento da população da Gronelândia (Naalakersuisut, 2014).

Assim entre 2014 e 2018 várias licenças têm vindo a ser concedidas a empresas estrangeiras para prospeção de petróleo e gás, mas também licenças para prospeção e exploração de ouro, zinco, urânio, terras raras e outros minerais.

Porém, tendo uma população pequena e parcos recursos financeiros, as concessões de exploração energéticas e mineiras têm sido obtidas por multinacionais estrangeiras.

Por exemplo, vários blocos para prospecção e exploração de petróleo estão concedidos a empresas como a Shell, a ENI Dinamarca, BP, Statoil e outras das maiores do sector. No que toca ao gás são as empresas canadianas e norte-americanas que detêm a maior fatia das licenças (Weihe et al, 2018).



Costa da Gronelândia retalhada e licenciada


Qualquer destas empresas tem recursos humanos e de capital muito superiores aos da Gronelândia, pelo que as negociações assumem um caracter assimétrico com o poder do lado das multinacionais.

Por outro lado, dada a pequena população da Gronelândia, estas empresas estrangeiras estão a trazer os seus próprios gestores e trabalhadores que se instalam no país. Desta forma, os locais não beneficiam em termos de acesso ao trabalho e podem vir a tornar-se minoritários face aos estrangeiros. Uma nova e mais brutal colonização.

É, neste contexto, que a reivindicação de independência assume maior acuidade, mas contém em si uma ambivalência: por um lado uma Gronelândia indpendente pode possibilitar ao seu povo o usufruto dos rendimentos e do desenvolvimento economico e social com base nos seus recursos naturais; mas, por outro lado, poderá ser vitima da sua pequenez e fraqueza negocial perante gigantes da economia mundial. O facto de estar militarmente ocupada por forças estrangeiras aumenta essa debilidade.

Os exemplos da Nigéria e de Angola, países cheios de recursos minerais, explorados por grandes multinacionais estrangeiras e onde parte significativa da população vive na miséria e passa fome, aí estão para comprovar o que significa a assimetria negocial entre um país fraco e isolado e grandes multinacionais apoiadas por países poderosos.

Assim, a independência só poderá beneficar a população no longo prazo se for obtida com garantias internacionais multi-laterais de respeito pela efectiva soberania da Gronelândia e se o Governo conseguir manter uma forte independência face às empresas multinacionais estrangeiras. De contrário, a independência saldar-se-à por uma destruição do meio ambiente, uma rapida delapidação dos recursos,e um empobrecimento da população e perda da identidade inuíte da Gronelândia.

8. Conclusão

A Gronelândia, terra dos esquimós inuítes, antiga colónia da Dinamarca, hoje Região Autonoma desse país, tem vindo a percorrer um longo caminho rumo à independência. Em 1982 conseguiu, em referendo, sair da União Europeia e manter a sua política social.

A partir do inicio do deste século, com o inicio da prospecção e exploração das suas riquezas minerais e energéticas, a Gronelândia está a caminho de obter a base económica de sustentação que lhe permite aceder à independencia plena.

No entanto, dada a exiguidade da sua população, as suas limitadas capacidades financeiras,  e a ocupação militar estrangeira instalada, a independência só poderá ser benéfica num quadro de garantias internacionais multi-laterais da efetiva soberania da Gronelândia.

Na ausência desta condição, a Gronelândia será palco de uma rápida e completa exploração dos seus recursos por poderosas multinacionais e o seu meio ambiente destruído irreversivelmente.

* Economista, MBA

Referências

Chylek, Petr, Jason E. Box e Glen Lesins (2004), “Global Warming and the Greenland Ice Sheet”, Climatic Change, Volume 63, Número 1, pp 201-221

Janin, Eric e Laura Margueritte (2018), Le dilemme de l’indépendance au Groenland, Magazine Carto, Número 48

Mazza, Mauro (2015), “The Prospects of Independence for Greenland, between Energy Resources and the Rights of Indigenous Peoples (with Some Comparative Remarks on Nunavut, Canada)”, Beijing Law Review, Número 6, pp 320.330

Naalakersuisut (2014), Our Mineral Resources – Creating Prosperity in Greenland,

Official Journal of the European Communities (1985) Treaty, [online] http://web.archive.org/web/20160304044627/http://naalakkersuisut.gl/~/media/Nanoq/Files/Attached%20Files/Bruxelles/EU%20and%20Greenland/The%20European%20Union%20and%20Greenland/Greenland%20Treaty%20eng.pdf, acedido a 9 de Dezembro de 2018

Reuters (2018), Greenland government loses majority as airport funding row resurfaces, [online], https://www.reuters.com/article/us-greenland-politics-denmark/greenland-government-loses-majority-as-airport-funding-row-resurfaces-idUSKCN1LQ0N3, aceido a 10 de Dezembro de 2018

Weihe, Johan, Per Hammer, Kania Kassis (2018), Oil Regulation, [online], https://gettingthedealthrough.com/area/24/jurisdiction/120/oil-regulation-2018-greenland/, acedido a 10 de Dezembro 2018

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