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O FALHANÇO DE PORTUGAL NOS TÊXTEIS

Os empresários portugueses perderam o comboio no sector dos têxteis inteligentes

2018-11-23

Jorge Fonseca de Almeida*, especial para O Lado Oculto

A indústria têxtil e do vestuário é uma das principais do mundo. Ela representa 5% do comércio internacional de mercadorias, mais do que a quota do ferro e aço, que só representa 2% do comércio mundial.

Satisfaz em todos os seres humanos uma necessidade de proteção contra o clima, e adicionalmente em alguns, uma vaidade, um desejo de originalidade (moda); noutros uma proteção no trabalho (fatos de trabalho, etc.); e ainda noutros a exibição de uma pertença a um grupo ou profissão (fardas, faixas e outros materiais distintivos)

Apesar de estes produtos serem universalmente necessários a indústria têxtil é dominada internacionalmente por um conjunto relativamente pequeno de países. De facto um conjunto de apenas três países detém mais de 60% das exportações destes produtos (Quadro 1).

Quadro 1
Quota do mercado de exportação de têxteis e vestuário 2016
Por países
 
Fonte: World Trade Organization, 2017

A China lidera de longe, mas nem sempre foi assim. Nos anos 30, o Japão era um dos principais exportadores de vestuário e têxteis de algodão. No entanto, os Estados Unidos obrigaram o Japão a refrear as suas exportações impondo-lhe um Acordo “Voluntário” de Limitação de Exportações, em 1937. Mais tarde, em 1957, haveriam de impor um segundo acordo desse tipo ao Japão. Estas limitações abriram caminho à China para tomar a liderança (USITC, 1982).

A China domina

Em termos de produtos têxteis, a China detém 35% do mercado total, liderando dado de 2016). Se à China adicionarmos Hong-Kong (que faz parte da China), teremos 39%. É impressionante o predomínio chinês nesta indústria. O conjunto da União Europeia surge em segundo lugar, com uma quota de 22%; e em terceiro aparece a Índia, com apenas 5,4%. Estes três espaços geográficos controlam mais de 60% do total de exportações de produtos têxteis (Ver Quadro 2).

Quadro 2
Quota do mercado de exportação de têxteis 2016
Por países

 
Fonte: World Trade Organization, 2017

No que respeita a vestuário, mercado mundial com uma dimensão sensivelmente o dobro do dos têxteis, a situação repete-se com três intervenientes: a China, com os mesmos 35%; o conjunto da União Europeia, com 25%; e em vez da Índia temos o Bangladesh, com 6%. Assim, os três maiores representam 67% do total de exportações mundiais de vestuário (ver Quadro 3). Novamente a China com Hong-Kong chega aos 40% das exportações mundiais.

Nos últimos anos, a China tem perdido alguma quota de mercado, quer nos têxteis quer no vestuário, em favor de concorrentes como o Vietname ou a União Europeia. No entanto, o domínio da China permanece incontestado.

Quadro 3
Quota do mercado de exportação de vestuário 2016
Por países
 
Fonte: World Trade Organization, 2017

O caso de Portugal

Em Portugal fomos habituados a pensar na indústria têxtil e do vestuário como algo do passado – como se as pessoas tivessem passado a andar nuas – como uma atividade sem futuro – quando, na verdade, a população mundial aumenta continuamente e cada vez mais gente necessita de roupas diversificadas. Equaciona-se tantas vezes indústria têxtil com baixos salários e o caso dos países asiáticos pobres.

Interessante, pois, verificar que os números da União Europeia são obtidos, em grande parte, pelas exportações de têxteis e vestuário da Alemanha.

De facto, a Alemanha é o quarto exportador mundial de têxteis e vestuário. A sua indústria é composta por um conjunto de mais de 1.200 empresas, empregando mais de 120.000 trabalhadores. Qual o segredo do sucesso da Alemanha?

Primeiro, um mercado interno com poder de compra capaz de absorver parte considerável da produção; segundo, uma especialização nos segmentos mais técnicos da cadeia de valor: nos chamados têxteis inteligentes (smart textiles), em que tem uma quota de cerca de 40% do mercado exportador mundial.

Os têxteis inteligentes são produtos têxteis e de vestuário que incorporam elementos digitais e novos materiais (obtidos essencialmente através de nanotecnologias), combinando-os para diversas utilidades. Hoje essencialmente dirigidos aos domínios militares e de saúde, mas espera-se que também para o grande público.

Os dois campos principais deste novo mercado concentram-se, pois, na monitorização da saúde e na proteção e segurança.

No campo da saúde, temos no vestuário peças munidas de sensores capazes de medir as variáveis vitais humanas (batimentos cardíacos, glucose, ondas cerebrais, ritmo respiratório, etc.) e de transmitir esses dados para aplicações de saúde que depois alertam o próprio, ou os serviços de emergência, quando necessário. No campo militar temos equipamentos de proteção como coletes à prova de bala e outras proteções.

A manutenção da temperatura corporal com materiais leves, a capacidade de impedir a vibração dos músculos para atividades que exigem esforço físico, podem ser conseguidas com a incorporação de materiais como a seda metálica, filamentos de aço inoxidável e mesmo fibras de carbono. Nanomateriais de ligas de níquel e titânio possuem capacidades que podem ser disparadas por diferentes níveis de temperatura do ar, podendo fornecer o mesmo casaco calor quando está frio e respiração e leveza quando está calor. Uma verdadeira peça para todas as estações.

Portugal, pagando ordenados baixos e recorrendo a tecnologias obsoletas, sempre teve uma produtividade baixa em termos de têxteis e vestuário (ver Quadro 4 referente aos anos 90).

Quadro 4
Produtividade do trabalho nas indústrias têxtil e de vestuário
 

Assim, não pode ser uma surpresa o facto de a indústria têxtil e de vestuário não se ter afirmado a nível internacional, quando o país tinha todas as condições para o fazer.

Comparando os números da Alemanha com Portugal constatamos que a Alemanha é o quarto exportador mundial de têxteis e vestuário e Portugal é apenas um exportador marginal. Por outro lado, a indústria têxtil e do vestuário alemã emprega cerca de 120 mil trabalhadores, enquanto essa mesma indústria em Portugal emprega 137 mil pessoas. Os alemães possuem 1.200 empresas; em Portugal sobrevivem 11,776 empresas – a esmagadora maioria de muito pequena dimensão, um autêntico absurdo empresarial.

Porquê? Por causa da especialização e da produtividade. Utilizando maquinaria improdutiva, Portugal necessita de mais mão-de-obra para produzir muito menos do que a Alemanha. Por outro lado, não tendo base tecnológica e científica para se especializar nos produtos de maior valor acrescentado, Portugal tende a especializar-se nos produtos de menor valor acrescentado.

Por outro lado, uma parte considerável da indústria portuguesa trabalha em regime de subcontratação de empresas estrangeiras que retêm nos seus países as componentes de maior valor-acrescentado, recorrendo a Portugal na perspectiva de aproveitamento dos baixos salários.

Estabelecida no Norte de Portugal, principalmente nos distritos de Braga e Porto, que concentram 80% das empresas do sector, esta indústria aposta sobretudo no vestuário de malha e de tecido.

O seu peso nas exportações da União Europeia é de 3%. Um valor completamente marginal, que representa somente 0,7% do comércio mundial. Portugal hoje tem uma quota de 4% da produção de têxtil e vestuário da União, quando há poucos anos detinha 5% (AIPT, 2016 e Stengg, 2001). Perdeu 20% da quota de produção em menos de 20 anos.

Mais um grande falhanço económico das elites empresariais portuguesas, agora num mercado em expansão e onde cada vez mais a tecnologia vai desempenhar um papel fundamental. Talvez fosse conveniente aprender com os nossos concorrentes alemães e chineses.

Quadro 5
Quota de produção dos países da União Europeia
1998
 

* Economista, MBA


Referências

ATP – Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (2016), A Indústria têxtil e Vestuário Portuguesa, [onlie] file:///C:/Users/Admin/AppData/Local/Temp/c7b62e92-a50f-4140-a6f5-58dc99db2bc4.pdf, acedido a 18 de Novembro 2018

Stengg, Werner (2001), The textile and clothing industry in the EU, Bruxelas, Enterprise Papers

Syduzzaman, Md., Sarif Ullah Patwary, Kaniz Farhana e Sharif Ahmed (2014), “Smart Textiles and Nano-Technology: A General Overview”, Journal of Textile Science & Engineering, Volume 5, Número 1

World Trade Organization (2017) World Trade Statistical Review 2017, Geneva, World Trade Organization

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